segunda-feira, 26 de novembro de 2012
Vulnerabilidade
Determinadas notícias conseguem avivar conteúdos de reflexões antigas mas muito actuais. É que, quando se fala da Guiné-Bissau, os dois mundos, passado e presente, se entrechocam e coabitam. Ninguém sabe onde acaba um e se inicia o outro, o que se carrega do passado e o que foi deixado de lado. Deste modo, na procura do fio da meada, olha-se para trás e, de repente, faz-se um pouco do balanço da situação.
Na Guiné-Bissau, todos acreditam que são profundamente vulneráveis embora saibam que existem graus de vulnerabilidade. Porque é o estado da vulnerabilidade profunda que caracteriza a vivência do cidadão guineense neste pleno século vinte e um: não sabe quando é que uma bala pode ceifar-lhe a vida, quando é possível ser furtado, espancado e morto, sabe que mesmo com dinheiro suficiente (quase sempre não o tem) para se curar não o pode fazer porque não existe um quadro hospitalar de qualidade a nivel nacional e o exterior é sua solução (e custa caro!), não consegue custear a educação dos filhos etc., etc. E, tudo isso porque as instituições estão indevidamente organizadas e funcionando para assegurar aos cidadãos os direitos que lhes são devidos.
O estado é o responsável para assegurar os direitos de cada cidadão e para o efeito estrutura o país de forma a assegurar a realização dos mesmos.
O cidadão cumpre com as suas obrigações, é o que espera dele. Essas são as condições sina qua none para banir a vulnerabilidade. Os direitos sociais de base são o pilar e se constituem dos direitos a educação, a saúde, a segurança social. Por vontade própria, abordarei apenas a questão da segurança social e físico-individual (na sua interligação) porque são as situações que vivem os cidadãos guineenses neste momento que me interpelam. A segurança social e física vai para além de um sistema de assistência social e de proteção económica. Ela constitui-se de regras, práticas e comportamentos institucionalizados e globalmente interiorizados sob forma de cultura e que dignificam o cidadão e o seu país. Imaginem, a trajetoria de um individuo: ex-militar, ex-ministro, ex-assessor do Presidente da República, político no ativo, chefe de ONG, e que devido a insegurança se encontra numa situação de extrema vulnerabilidade.
O que é que faz dele vitima da vulnerabilidade? A segurança social e fisica inexistentes, que se traduz entre outros, por cidadãos expostos a agressões alheias e de grupos marginais e empodeirados, cidadãos expostos ao asilo, pela incapacidade ou dificuldade, em caso de necessidade, de se curar, pela falta de um emprego e de um salário digno, pela exposição de qualquer cidadão às tentações levianas e de corrupção, e, isso como possível consequência de falta de segurança social, física mas também económica.
Na Guiné-Bissau actual, quem pode afirmar que não pertence a esse grupo de vulneráveis ameaçado pela falta de segurança social e físico? Provavelmente os funcionários das Nações Unidas e das organizações internacionais. Isso, quaisquer que sejam as condições de trabalho e as excepções que confirmam a regra. As causas da vulnerabilidade do guineense são sem dúvidas, o caráter das instituições de segurança social, da defesa e segurança que funcionam de forma primária e precária resultantes da falta incontestável de uma visão de organização estatal no respeito para com os direitos humanos o que, aliás, abriu portas grandes à corrupção, muitas vezes promovida pela actuação do estado, e finalmente ao surgimento de novos actores que impõem regras outras que àquelas normalmente ditadas pela cultura institucional.
A desorganização social é de tal modo grande que a confusão dos papeis levou os militares e os narcotraficantes a regular a convivência social, económica e política, os parlamentares a se substituir aos eleitores ao mesmo tempo que as instituições fragilizam-se cada vez mais e os cidadãos nelas perderam confiança. A jogada de fragilização institucional (pratica exercida por todos os governos) em favor de implantação de normas que favorecem a ditadura e o favoretismo foi sempre e é uma faca de dois gumes. Cá entre nós, a situação de vulnerabilidade tem suas vantagens: mais cidadão bajulador e corruptível, mais possibilidades de comprar consciência e de instaurar o clientelismo, mais fáceis os desvios de fundos públicos para fins pessoais e paridários (afinal para onde vão os milhões que a previdência social/ seguros colecta no bolso do contribuinte) e, muitas mais coisas como a própria instalação do narcotráfico. As suas desvantagens?
É o que se vive actualmente na Guiné-Bissau: qualquer um pode assaltar o poder e qualquer um não está ao abrigo da vulnerabilidade. Mas, assim mesmo se vai acreditando na mudança. A seu favor, claro. Parece que já é parte do imaginário colectivo guineense: Será que não se diz na Guiné-Bissau: “ten ta kamba!”. Pois é, até os que parecem mais iluminados políticamente estão sempre a espera de uma qualquer mudança, de onde quer que venha, o importante é que caia o grupo no poder e se ascendam, colocando-se, enfim, fora do alcance da vulnerabilide (Que ingenuidade!). Por isso, em situação de crise surgem atitudes e comportamentos de saudação, de colaboração e de denúncias vergonhosas porque se acaricia o sonho de, enfim, vir a ser parte do elenco senhorial. Mas, neste vento de mudanças por vezes intempestivas, a tábua de salvação, meus amigos, é trabalhar para construir um estado de direito: que a justiça seja feita e as instituições restruturadas para o seu funcionamento no respeito dos direitos humanos.
QES