sexta-feira, 16 de novembro de 2012
A Geopolitica: Guiné-Bissau, futuro incerto!
Hoje apraz-me falar da geopolítica. Desde ontem que vinha matutando nisso, pois não sou perito na matéria. Olha, calha bem! porque três artigos publicados (no dia 15) pela Ditadura de Consenso dão matéria mais que suficiente para tratar o assunto. Trata-se do “Tiros na fronteira”, “Assalto” e “Ninguém está acima do interesse nacional”. Hão-de entender porquê. A geopolitica como se sabe (fui ao google) é a interpretação dos fatos da atualidade e do desenvolvimento político dos países usando como parâmetros principais ás informações geográficas e visando compreender e explicar os conflitos internacionais e as principais questões políticas da atualidade.
Reflexões individual e colectiva sobre a Guiné-Bissau e seus sucessivos conflitos convidam a questionar, para além das causas internas, as relações entre este país e seus vizinhos e a subregião. Que interesses animam os países vizinhos próximos e afastados no trato com este pequeno estado? Que divergências existem e que vantagens apresentam a Guiné-Bissau no estado da paz e em situação de conflito?
Recuando no tempo: Foi sobejamente conhecidos os pontos de vista divergentes de Cabral e do Senghor relativamente a opção do PAIGC por uma luta armada no território da colónia portuguesa e pelo relacionamento com os países do leste. No entanto, do ponto de vista ideológico, Cabral nunca se pronunciou como comunista. Tudo isso se compreende, estavamos na época da guerra fria!
Nos principios da década de 90, a Guiné-Bissau e o Senegal confrontaram-se numa guerra ferenha na fronteira norte, nas bandas do Cabo Roxo, para o contrôle de algumas milhas de terra e do mar supostamente pertencendo a Guiné Bissau e onde existe petroleo. O conflito acabou na Haya e foi resolvido a “moda africana”: repartição do beneficio em função do número de habitantes. Talvez por isso, até a data presente, a placa de definição dessa fronteira teima em ter pés para passear de um local para outro...
Decorrido um pouco menos de uma década, surge o conflito de 07 de junho 1998. Os dois vizinhos próximos, o Senegal e a república da Guiné, apressaram-se em enviar suas forças armadas justificando acordos assinados anteriormente. Essa intervenção estrangeira não fez mais que agudizar o conflito, instalar definitivamente a guerra civil com todas as consequências que hoje se vive no país.
Como é sabido, o Senegal possui uma diplomacia reconhecida no mundo como bastante boa. O que significa grande capacidade de negociação. Porque não a usou para persuadir o então presidente a enveredar por um processo de negociação, apesar da insistência da sociedade civil e do parlamento nacionais que apontaram e batalharam para a via negocial. Porque será que o Senegal se envolveu tanto que, em determinada altura, assumiu a gestão do conflito, substituindo-se às autoridades nacionais? Quem não se lembra que era o estado maior do Senegal para a Guiné-Bissau sedeada em Bissau, quem concedia autorização de circular em viaturas na capital e deste para atravessar as linhas de frente sob seu comando ou para aceder a área sob seu contrôle? Somente para avivar as memórias: lembrem-se quando morreu em Cantchungo o falecido João da Costa, combatente da liberdade de pátria. Foi “arrancada” uma autorização ao dito estado maior para que, enfim, o corpo desse camarada pudesse atravessar as linhas de frente e ser enterrado em Bissau. Manuel Saturnino da Costa (quantas vezes ministro e até primeiro ministro), próximo familiar do camarada morto, deve ter lamentado sua juventude perdida em prol da independência e conhecido então a maior humilhação da vida.
O Senegal não teria querido resolver o conflito de Casamance apoiando-se na crise da Guiné-Bissau? Mais! O Senegal não é um país que recruta analfabetos para suas forças armadas e muito menos tem oficiais analfabetos como é o caso da Guiné-Bissau. Então porque essa violenta agressão aos arquivos do Instituto Nacional dos Estudos e Pesquisa e do Instituto Nacional para o Desenvolvimento da Educação, servindo os documentos como combustivel para os militares fazerem o tradicional chá chamado de “uarga”? Mas porque será que ocuparam essses estabelecimentos? Essa atitude não constitui um elemento para questionar uma possível prática intencional?
Apenas uma parêntese de esclarecimento: A vizinha república da Guiné também enviou homens mas se comportou timidamente. E, a Gambia mais discreta facilitaria negociações entre facções durante a guerra de 07 de Junho e integraria as forças do Grupo de Monitorização de Cessar-Fogo “ECOMOG”, da CEDEAO.
Não será o Senegal apenas o chefe de fila de um propósito subregional relativamente a uma Guiné-Bissau que teima em manter-se lusófona e fora da influência francófona (ma i ka pudi dja kapli)? Porque será que a França se envolveu no conflito de 07 de Junho? Terá sido apenas devido a morte de turistas franceses, supostamente traficantes de armas, mortos supostamente pelos rebeldes da Casamance na fronteira entre o Senegal e a Guiné-Bissau ou no território guineense, assassinados pelos traficantes guineenses de armas?
Será que se lembrem que permanece a “indefinição” dos limites fronteiriços na zona norte entre o Senegal e a Guiné-Bissau? Quem administra a zona litigiosa do Cabo Roxo? Já se deram conta que nos últimos sete anos registaram-se vários confrontos entre as “forças armadas” ou milicias(?) da Guiné-Bissau e os rebeldes de Casamance? Uma mudança de campo? de quem? Porquê? Como? Quem é acusado de armar os rebeldes de Casamanca? Não foi o suposto tráfico de armas para esse destino que constituiu a gota que transbordou o copo de água no caso de 7 de Junho? No entanto, a rebelião da Casamance tem quase ou senão mais de 3 decadas de actividade guerrilheira. Neste assunto, temos que reconhecer a capacidade da diplomacia Senegalesa em distrair a atenção internacional e em adiar a questão de Casamance que, aliás, acaba por ser entendido como um problema entretido pela turbulenta vizinha que é a Guiné-Bissau (vendedor de armas, base de retaguarda, celeiro dos guerrilheiros).
A instabilidade da Guiné-Bissau é somente obra dos seus ex-guerilheiros (quantos estão ainda vivos e com que capacidade física? E os actuais quem são?) que interiorizaram a cultura da guerra e cujas referências são profudamente étnicas? Quem tem interesse a que a Guiné-Bissau se mantenha em perpétua instabilidade? Porquê e para quê?
Ora, vou relatar o que ouvi há dois anos. Podemos todos duvidar. Não há provas. A dúvida, o questionamento são intrínsicas a pesquisa, a procura de conhecimentos.
Um técnico superior contou que, numa missão a Abijan, foi interpelado por um ex-ministro de Houfouette Boigny por saber que era guineense. O senhor abordou-lhe sobre a situação do país de Cabral (que admira) e, lastimando veio às confidências: teria deixado escapar que o golpe de estado de 1980 fora comanditado após uma breve visita do presidente Senegalês Senghor à Guiné-Bissau durante o regime de Luis Cabral. O tema da conversa que teve seguidamente com o presidente Houfouette focalizou as iniciativas em curso na jovem república sob o ponto de vista geopolítico e o perigo que poderia representar para os regimes dos dois países.
Conotado então de país de ideologia comunista, a Guiné-Bissau estava dando largos passos em matéria da construção de uma economia que parecia solidamente fincada na valorização dos recursos agrários, sua vocação natural: em funcionamento estavam os projectos de desenvolvimento agricola, insdustrias de transformação de produtos agricolas e da madeira, montagem de viatura citroen, projectos turisticos nas ilhas de Bubaque... Associado a estes empreendimentos, buscava-se um sistema educativo que permitisse colmatar as necessidades de quadros técnicos que era uma urgência para o desenvolvimento do país. Sobre a mesa e, em negociação, encontravam-se os projectos de construção de pontes com vista a facilitar a construção de uma economia integrada mas também o projecto da prospeção do petróleo. Imaginemos que tudo isso tivesse sido realizado e beneficiado a quem de direito. Qual seria o impacto desses avanços na vida social e política dos vizinhos de perto e mais afastados cuja ideologia e relações se mantinham do lado do bloco ocidental, lado oposto ao bloco sobre o qual a Guiné-Bissau assentava suas relações de cooperação.
Travar os avanços da Guiné-Bissau parecia então imperativo para evitar que houvesse o efeito bola de neve. Era preciso combater a ideologia comunista para adiar convulsões sociais e políticas internas e pôr termo aos debates, na altura, muito vivos nas oposições dos dois países sobre o neocolonialismo e a independência total. E, não faltavam motivos para suscitar um golpe de estado, que já, nessa época era de moda nos países africanos. De entre muitos, a questão da unidade Guiné e Cabo Verde seria uma excelente causa. Os conteúdos dos primeiros discursos justificando o golpe foram suficientemente claros. Os assassinatos e as valas comuns? um aparato macabro! De responsabilidade partilhada. Práticas que perduram até hoje.
Actualmente pouco ou nada restam dos investimentos mencionados. Os produtos agricolas e florestais do país tem outros destinos que são naturalmente os mercados senegaleses e em menor escala os da república da Guiné. A entrada na UEMOA para beneficios incertos, favorece. No entanto, o guineense vende pouco ou não vende em nenhum país da subregião. As regras de livre circulação são validas só para uns. A maior parte de bens essenciais provêm do Senegal via terrestre: o combustivel, o arroz, o açucar etc... . Louvado seja o Senegal que rebocou o país, incluindo nas suas importações as necessidades de uma boa parte da população guineense, excluindo apenas a região de Gabu - leste do país - sob o controlo dos comerciantes da república da Guiné (boa estrategia! Afinal não é só ele!).
Será que aos governantes e politicos interessa somente a exportação da castanha de caju, acabando os indianos por arrecadar o grosso do benefício? Será que a eles interessa apenas aliar-se, em momentos de campanha eleitoral, às pessoas internacionalmente apontadas como narcotraficantes? E que mais os interessa? Leiloar permanentemente o PAIGC? Em que mãos cairá brevemente?~
Muitas lacunas concorrem para o estado da diriva (nô chalan ku pirdi si rumo!) em que se encontra a Guiné-Bissau: a inexistência de uma liderança, de um projecto e de uma estratégia politicos para o país e a ausência de uma visão geopolítica do seu contexto geográfico; sua diplomacia vive confundindo relações de estado com relações pessoais; sua fraca capacidade de negociação no plano externo coloca-o a mercê de influências e de interesses alheios aos da nação (nação? será que tem interesses nacionais definidos?). Ainda no plano interno, a destruturação permanente das bases do estado em construção, em particular do sistema judicial e a fraqueza do poder legislativo (poder na rasta rabo na rua!) abrem grandes as portas à impunidade, ao narcotráfico e oferece condições optimais para o desenvolvimento de interesses étnicos obscuros que se associaciam a ganância pelo poder. Onde está o patriotismo?
A caminhada é longa: quase 40 anos após a sua independência, a Guiné-Bissau não resolveu a questão da delimitação fronteiriça com o Senegal e com a República da Guiné. Que estado não conhece os seus limites territoriais? E, aí vem o petróleo, o bauxite, o fosfato e também mais e mais outras guerrilhas... (sendo que o recrutamento de milicias se faz nas aldeias de origem e no seio familiar e a taxa do analfabetismo elevada, haverá sempre carne viva para canhões? Que me desculpem!)
E, se aproveitassemos para (re)colocar a questão da Guiné-Bissau no contexto geopolítico da subregião? O golpe de estado da CEDEAO não se encaixaria num possível projecto desta organização para com o seu “estado” membro? Considerando a atitude “passiva” (claro que não se desvalorizam as reações e os combates em curso mas quão dispersas, enfim!) quaisquer que sejam as razões e, por vezes atitudes cúmplices de certas franjas das forças vivas da país face a esse acto da CEDEAO, que outras situações pode-se esperar? O apoio do Senegal ao opositor do Yaya Djame não segue as mesmas linhas? Tanto que a Gambia é acusada de albergar a rebelião da Casamance e individuos não gratos da Guiné-Bissau. O certo é que algum dia, os actores hão-de mudar, haverá outros que irão pensar a subregião com mais discernimento. Até lá ...
Cuidem-se guineenses, kau s’ta mau!!!
QES