segunda-feira, 9 de setembro de 2013
AMNISTIA? A LGDH é contra (e eu também)
Excelência Sr. Presidente da
Assembleia Nacional Popular
Digníssimos Deputados
Assunto: Carta aberta sobre a Proposta-lei de Amnistia
Os meus melhores e respeitosos cumprimentos
Em nome da Direção Nacional da LGDH venho através deste meio apresentar a profunda preocupação desta organização face à iniciativa legislativa em curso visando amnistiar os autores materiais e morais de alteração da ordem constitucional do dia 12 de Abril de 2012, em cumprimento do “acordo político” assinado pelos diferentes atores políticos e o Comando Militar, em Maio do mesmo ano.
À luz da constituição da Guiné-Bissau, a Assembleia Nacional Popular é o órgão legislativo por excelência com competência absoluta para conceder amnistia. Este poder soberano atribuído pelo povo, só é legitimo quando o seu exercício obedecer os critérios da paz, da justiça e de reconciliação nacional, enquanto fundamentos do estado de direito.
O instituto de amnistia consubstancia uma medida de interesse público, editado por generosa inspiração política e jurídica, para assegurar a paz e reconciliação, apagando do mundo jurídico, os fatos considerados delituosos num determinado período histórico. Porem, é desaconselhável o uso deste instituto quando a sua adoção possa gerar sentimentos de injustiça susceptiveis de conduzir à reincidência e perpetuar a impunidade numa sociedade já fortemente marcada por uma longa história de violência.
Para recoradr os digníssimos representantes de povo, a ANP aprovou a ultima lei de amnistia datada de 4 de Março 2008, a lei nº 5 / 2008, através do qual foram amnistiados os crimes e infracções de motivações político-militares, cometidos tanto na Guiné-Bissau como no estrangeiro, desde a independência até ao caso 6 de Outubro de 2004, que culminou com os assassinatos do Chefe de Estado Maior, General Veríssimo Correia Seabra e do Coronel Domingos Barros.
Dessa altura até à presente data, a Guiné-Bissau assistiu um ciclo vicioso de instabilidade política e militar ou seja, duas alegadas tentativas de golpes de estado, assassinatos de altas figuras do estado e de cidadãos comuns, espancamentos e detenções arbitrárias, várias sublevações militares, um golpe de estado, e outros casos que envolveram os militares e dirigentes políticos, pondo em causa as bases sobre as quais assentam a democracia e o estado de direito.
Estes acontecimentos antidemocráticos e ilegais demonstram de forma inequívoca que a opção pela via de amnistia na realidade guineense não só consubstancia desvios aos seus fins nomeadamente, de pacificação e reconciliação, mas também serve de incentivos à institucionalização da impunidade, dos golpes de estado, e das violações sistemáticas dos direitos humanos.
Excelência Sr. Presidente da ANP
Digníssimos Deputados
Não há democracia, na moderna acepção do termo, sem um parlamento capaz de zelar pela defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos e salvaguarda dos princípios estruturantes de estado de direito, sobretudo nos domínios de controlo político da ação governativa assim como a fiscalização da aplicação das leis vigentes no país. Estas atribuições e competências têm como móbil a defesa dos mais elementares direitos dos cidadãos por forma a assegurar a existência de uma sociedade de liberdade, de respeito pelos princípios democráticos, de justiça, enfim, de respeito pela dignidade da pessoa humana.
Nesta perspectiva, os deputados enquanto representantes do povo não podem sistematicamente alienar a confiança neles depositados e, em violação do principio da igualdade e dos valores da democracia, desvirtuar a justiça e transformar a amnistia numa mascara da impunidade.
Os deputados e demais responsáveis políticos e judiciais devem sim, adoptar medidas claras e objectivas através das quais, se possa traduzir a justiça, aqueles que utilizaram o aparelho de repressão estatal para vilipendiar o estado de direito, torturar, sequestrar e assassinar dezenas de cidadãos nos últimos anos. Esta é a única via capaz de pacificar definitivamente a sociedade e promover uma verdadeira reconciliação nacional.
Por conseguinte, a aprovação duma eventual lei de Amnistia traduzir-se-á numa complacência com aqueles que de forma deliberada e gratuita perpetraram atos abrangidos pela referida proposta de Lei de Amnistia, os quais demoliram os alicerces do estado de direito, tendo provocado a maior crise da história recente do país, caracterizada pela degradação absoluta da autoridade de Estado, aumento galopante do índice de corrupção, deterioração a um nível inaceitável das condições de vida dos guineenses.
Excelência Sr. Presidente da ANP
Digníssimos Deputados
Enfrentar nos dias de hoje, o medo e tristeza do passado, através dos processos judiciais transparentes capazes de distinguir os inocentes dos criminosos, é a única possibilidade de restaurar a confiança dos guineenses nas instituições do estado e resgatar o prestígio da Guiné-Bissau ao nível internacional.
Aliás, o uso indevido do instituto de amnistia na Guiné-Bissau tem merecido uma preocupação crescente dos guineenses e da comunidade internacional, ao ponto do Conselho de Segurança das Nações Unidas adoptar a Resolução Nº. 1580 de 22 de Dezembro 2004, que entre outros assuntos, faz um vibrante apelo a ANP para observar escrupulosamente os ditames da Justiça quando concede amnistia a todos os envolvidos em intervenções militares.
Esta resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas vem confirmar que o vício da autoamnistia na cúpula do estado tem sido um obstáculo à justiça e tem legitimado a irresponsabilização dos supostos culpados de crimes abomináveis de diversas naturezas, que tem atormentado a consciência colectiva do martirizado povo guineense.
Excelência Sr. Presidente da ANP
Digníssimos Deputados,
A adoção de uma eventual lei de amnistia agudizará ainda mais o isolamento internacional que o pais conheceu a partir do golpe de estado de 12 de Abril, num período mais sensível da nossa história em que prioritariamente se destacam a realização das eleições gerais e reformas no aparelho de estado, cujos financiamentos dependem essencialmente de ajuda externa.
A LGDH acredita que o respeito pelos direitos humanos, a luta pelo desenvolvimento, a solidariedade, a tolerância, a liberdade, a justiça, a convivência pacífica entre outros, são alicerces em torno dos quais os guineenses devem unir cada vez mais, pois as mudanças que se pretende alcançar em todos os níveis exigem de cada um de nós, o grande desafio de trilhar nos caminhos da paz, combatendo as indiferenças e apatias, em nome de uma cidadania cada vez mais interventiva e catalisadora das referências positivas.
Para terminar, a LGDH em nome dos milhares de cidadãos anónimos, exorta firmemente aos digníssimos deputados no sentido de dizer Não a proposta de lei de amnistia por contrastar com os valores da justiça, da paz, e da reconciliação nacional.
Sem mais assunto Sr. Presidente, aceite os protestos da minha mais alta consideração e
estima.
Pela Paz, justiça e Direitos Humanos
Feito em Bissau aos 09 dias do mês de Setembro 2013
A DIRECÇAO NACIONAL
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Luís Vaz Martins
Presidente
CC/
Nações Unidas
União Africana
União Europeia
CEDEAO
CPLP
Federação Internacional dos Direitos Humanos
Amnistia Internacional
Organização Mundial Contra Tortura