sexta-feira, 25 de maio de 2012
OS NOSSOS VIZINHOS, NADA AMIGOS, NÃO QUEREM QUE A GUINÉ DE CABRAL ACONTEÇA.
Desde os primeiros momentos da fundação do PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde), os nossos vizinhos sentiram-se desconfortáveis perante a notoriedade do jovem revolucionário, Amílcar Lopes Cabral. O brilhantismo de seus ideais ofuscava de sobremaneira as outras lideranças sub-regionais que também reivindicavam a independências dos seus países do jugo colonial. Tal inquietação acentuou-se com o desencadeamento da nossa luta armada pela libertação nacional, a 23 de janeiro de 1963. A façanha deixou toda a vizinhança estupefata com a tamanha coragem e o arrojo do líder do nosso movimento independentista, ao desafiar uma potência colonial, enveredando-se pela via armada. Até então, era considerado algo impensável e talvez até romântico demais para ser verdade.
No entanto, considerando o “adágio” de que toda regra tem exceção, fazemos justiça à nossa República irmã de Guiné-Conakry, liderada na época por Ahmed Sekou Touré, que entendeu e apoiou logo a nobreza do pensamento de Cabral, o qual sonhava e lutava pela construção de duas nacionalidades na costa ocidental de África, através da unidade entre a Guiné e Cabo Verde.
É de salientar que não foi fácil, muitos líderes sub-regionais ou até a nível do continente, verem crescer a fama e a paixão que a causa da nossa independência despertava perante a comunidade internacional. O nosso exemplo revolucionário e a história da nossa luta é sui generis na nossa sub-região. Esse ineditismo contribuiu para que em diversos fóruns, nos quais Amílcar Cabral participou, ainda que sob a condição de observador tivesse uma presença marcante, dada a coerência e eloquência na exposição de suas ideias, chamando assim atenção de todos, o que acabou por alçar o PAIGC à condição de porta voz dos movimentos em luta, em toda África.
A admiração pelo nosso projeto libertador foi tanta, que fez espalhar o seu respeito por todos os quadrantes do universo, chegando até aos aliados do regime colonial Português, em função da grandiosidade do seu conteúdo político, aliado ao avanço impetuoso da ação armada no campo militar. Não faltaram ajudas com donativos de várias ordens, desde apoio material de cunho militar, gêneros alimentícios, vestuários, formação de quadros técnicos de níveis médios e superiores e etc., apostando na viabilidade da construção das duas nações preconizadas pela unidade entre Guiné e Cabo Verde.
Tudo isso fez aumentar a ciumeira entre as lideranças do continente recém- libertado, em torno da figura do Amílcar Cabral, razão pela qual não foi fácil para o PAIGC conseguir, por exemplo, estabelecer suas bases de retaguarda no Senegal, do então presidente Leopold Sédar Senghor.
Não foram poucos os rumores que davam conta da existência de um suposto acordo ou até encontro secreto entre o governador da Guiné Portuguesa, o general António Sebastião Ribeiro de Spínola e o presidente Senghor, cujo teor seria dificultar a circulação de pessoas e bens ligados ao PAIGAC, assim como a total proibição da incursão da guerrilha pelo território senegalês.
As tais dificuldades foram encetadas pela vizinhança, sob o argumento de que a nossa revolução seria de base marxista, dado o apoio massivo que recebíamos dos países comunistas. Argumentos esses que na verdade mascaravam o medo de ver triunfada a nossa luta nos moldes que foi pensada, pois colocaria em evidência outra matriz de pensamento do Estado, totalmente apartado dos modelos franco-britânicos, que caracterizam os demais países da sub-região. O lendário primeiro presidente da Costa do Marfim, Félix Houphouet-Boingy, liderava na região o movimento que desestimulava quaisquer apoios aos supostos movimentos comunistas, dentre as quais o PAICG.
Essas dificuldades foram superadas graças à habilidade política e a perspicácia diplomática dos nossos camaradas, que sabiam lidar como poucos com a responsabilidade inerente à dimensão histórica e o prestígio que a nossa gloriosa luta suscitava pelo mundo afora. Ou seja, a marcha irrepreensível da nossa revolução impôs-se face às restrições criadas pelos vizinhos. Há quem vá ainda mais longe, chegando a relacionar a morte do Amílcar Cabral, ao ciúme por ele despertado na condução da luta armada pela independência da Guiné e Cabo verde. Algumas teorias conspiratórias sustentam a tese de que era intragável para os demais lideres pan-africanistas, o fato de terem sidos ofuscados nas discussões das questões africanas, justamente por um mulato de formação cultural ocidental.
De qualquer modo, mesmo com a morte do Amílcar Cabral, em 1973, não foi possível travar o avanço da nossa luta.
Muito pelo contrário. A ação militar reforça-se em todas as frentes, no mesmo ritmo que aumentava a pressão diplomática sobre o governo português, liderado por Marcelo das Neves Alves Caetano. Circunstancias essas que acabaram por culminar com a proclamação da independência da Guiné-Bissau (em 1973), precipitando assim, a queda do regime ditatorial português, através do chamado movimento dos capitães que desencadeou a evolução de 25 de Abril de 1974, abrindo o caminho para a independência das demais ex-colônias portuguesas em África.
Com as independências da Guiné-Bissau e Cabo Verde, ficou implementado o chamado programa mínimo do PAIGC, passando então para o programa maior, o qual consistia na construção de bases para o desenvolvimento socioeconômico das duas jovens nações.
É pertinente frisar que a Guiné-Bissau experimentou, nos primeiros cinco anos da sua independência, um exponencial crescimento econômico em comparação aos seus próprios índices do período colonial.
Aprimorou e ampliou a sua política de formação de quadrados, com ajuda dos tradicionais parceiros do período da luta armada, e ainda, despertou os interesses de novas parcerias com outras nações e organismos internacionais. Todos convergindo para universalização da educação. As bolsas de estudos eram precedidas por um período de contribuição em forma de magistério, através das chamadas brigadas pedagógicas. Eram sinais de um país que levava a sério o seu futuro.
No campo da saúde pública, houve progressos com a universalização dos serviços públicos de saúde, totalmente gratuito, inclusive a assistência médica e medicamentosa. Foram criados programas alargados de vacinações. O que contrapunha os outros modelos ou políticas dos países vizinhos.
Em termos de agricultura, foram criadas as políticas de extensão rural para dar melhor assistência ao pequeno agricultor. A distribuição de grãos a título de sementeiras era feita graças à criação de celeiros setoriais. Para a melhor dinamização do setor agrícola, foram criadas agroindústrias TITINA SILÁ (em Bolama) e o Complexo Agroindustrial de CUMERÉ-CAIC. Este último foi alvo de visita do presidente Senghor, que ficou impressionado com a magnitude do projeto. Uns dizem, que este chegou a exclamar como poderia um país como a Guiné-Bissau, possuir uma indústria tão moderna e completa em termos de cadeia produtiva. Acredita-se que o nosso projeto de Cumeré, tenha servido de inspiração para criação do complexo de Richard Toll, no Senegal.
Em suma, a política desenvolvimentista e um tanto quanto agressiva, levada a cabo pelo regime do meio irmão do tão temido Amílcar Cabral, assustou o nossos vizinhos. Isso fez soar o sinal de alerta nos hostes dos países de expressões franco-britânicas da nossa sub-região. Viram que os ditos comunistas de Cabral estavam determinados a colocar em prática o programa maior do partido libertador.
Tinham o temor de verem conjugados alguns ativos de que dispúnhamos: Ativo político internacional, forjado pela a bem sucedida luta pela independência; A vontade incomensurável da juventude em aprender e afirmar-se na vida mediante formação acadêmica (Não era por acaso que estudávamos a luz de candeeiros ou debaixo das mangueiras da granja de pessubé);
A experiência administrativa, trazida por alguns burocratas dos núcleos urbanos da Guiné colonial, que ajudaria na assimilação mais eficaz de novos padrões de desenvolvimento que estavam em curso no país. Por fim, porém não menos importante, a unidade nacional que reinava na nossa sociedade causava uma inveja tremenda aos nossos vizinhos. Pois, sabiam que em clima de paz e estabilidade ninguém conseguiria nos travar.
Mas a sorte conspirou a favor dos nossos vizinhos, porque com o golpe de estado 14 de Novembro de 1980, estes viram a nossa veia desenvolvimentista ser extirpada. Inaugurou-se a era de instabilidade e clivagens políticas, intrigas, corrupção e malfeitos. Viram e comemoram a nossa abertura econômica sem aumento de produtividade interna.
Com a nossa adesão UEMOA (União Econômica e Monetária do Oeste Africano) e à francofonia, viram nascer uma nova província virgem ainda por explorar. A consequência lógica disso é a guerra pelo controle político econômico do nosso país, já que nos transformamos numa mera reserva do mercado. Ainda mais, viram o nosso país mergulhar numa guerra civil estúpida, aliás, fizeram parte do conflito enviando tropas para apoiar o regime que acreditavam acomodar os seus interesses. Pilharam e vandalizaram as nossas instituições, a exemplo da destruição de todo material de pesquisas do museu etnográfico nacional, pois, para eles pouco importa preservar a memória cultural do nosso povo.
Perceberam que a nossa autoestima está totalmente solapada, pois, perdemos a vergonha e submetemo-nos solenemente a eles. Estão acostumados a ver as representações diplomáticas estrangeiras acreditadas no nosso país fixarem residências em Dakar, e, isso não ferir o brio dos nossos políticos. Jogam perfeitamente com a debilidade das nossas instituições, criando núcleos de discórdias infundadas, reeditando a velha política de dividir para melhor reinar. Fazem uma leitura perfeita da nossa realidade para melhor adotar a táctica dominadora. Sabem exatamente onde começamos a derrapar na construção de uma identidade nacional. Sabem muito bem que se firmássemos uma identidade própria e trilhássemos o nosso caminho, conforme sonharam os nossos combatentes de liberdade da pátria, estaríamos numa situação bem diferente.
O exemplo de Cabo Verde elucida muito bem isso. Ressalvado o acúmulo de formação do capital humano privilegiado durante séculos de colonização, é um país que deu certo, apesar de os cabo-verdianos enfrentarem outras variáveis suficientes para comprometer o seu desenvolvimento. É um país que mantém uma identidade própria. Que entendeu por bem, aderir à CEDEAO (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental), mas não abdicou da sua soberania. Isso está expresso na sua moeda, no seu sistema gerencial do comércio exterior. Isso não ocorre com a Guiné-Bissau, apesar das duas nações terem sido idealizadas pelo Amílcar Cabral.
A parceria com Angola, independentemente da área, vai ser posta sempre em causa pelos nossos vizinhos, que não aceitam a pretexto nenhum perder influência sobre nós. Conhecem muito bem o ímpeto expansionista angolano em termos econômicos e políticos. Não querendo defender os angolanos, devo dizer que investem pesadas cifras em países com os quais mantêm a parceria. Têm poderio econômico para tal. Se a construção do porto de águas profundas em Buba no sul do país fosse uma realidade, tanto o Senegal quanto a Gâmbia sabem muito bem o que aconteceria aos seus portos, em termos de movimentações de cargas. Perderiam dinheiro e influencias econômicas sobre nós, da mesma forma em relação a outros países como o Mali.
A prova inequívoca de que perdemos respeito enquanto país veio agora na sequencia deste último golpe de estado. Sucumbimo-nos aos conchavos dos vizinhos nada amigos. Ficou evidente que o arranjo político que veio de fora é extremamente tendencioso e truculento. O arrogo da CEDEAO foi tamanho, a ponto de os ministros de negócios estrangeiros da Nigéria e do Costa do Marfim terem decidido quem deveria ser o nosso Presidente da República. Isso quer dizer que não vale a vontade do povo da Guiné, que sonhou e lutou tenazmente pela sua independência.
Não percebem ou não querem levar em consideração as características específicas da nossa cultura política, influenciada por um processo histórico de resistência à ocupação estrangeira. Não entendem que a particularidade da nossa luta de libertação nacional ajudou a moldar de certa forma o nosso pensamento político. Não entendem que, ao contrário deles, a nossa independência não foi alcançada por via administrativa, mas a custa de muitas vidas cujas memórias não podem ser desonradas como tem ocorrido.
A CEDEAO reproduziu na Guiné-Bissau, a receita do Mali. Para eles em caso de golpe de estado basta forçar o destituído a renunciar, e, caso este resista legitimamente, a própria organização é quem legitima o golpe, investindo no poder quem eles entendem ser de direito, ainda que seja a arrepio dos mandamentos constitucionais. Decidiram ignorar, inescrupulosamente, a vontade popular expressa nas urnas.
Assim, surge a indagação se de fato a resolução da crise passou por vias constitucionais. Como é propalado. Ou seja, baseado na composição parlamentar. Porque se assim fosse, o período de transição não seria de um ano, inclusive ultrapassando o fim da atual legislatura. O que significaria que, se a solução fosse de fato parlamentar, a partir de novembro do corrente ano, os ditos órgãos de transição ficariam sem base de sustentação política e jurídica. Mas para eles da CEDEAO e seus cúmplices na Guiné-Bissau, isso pouco importa. O que interessa é colocar quem eles querem no poder e ponto final.
Caros compatriotas, eles pensam que não temos a capacidade de fazer leitura adequada da conjuntura em que vivemos e dos gestos político-diplomáticos. Enganam-se! Pois, sabemos que cada gesto diplomático tem o respectivo significado político. Entendemos que a resolução profícua para a nossa crise politico-militar, pouco interessa, por sermos um país pobre e sem grandes apadrinhamentos políticos em termos das grandes potencias mundiais. Como é dito em crioulo “mininu ku ka tene garandi kuta toma parel i ta kokidu na rua.” (tradução: menino que não tem um adulto que tome suas dores leva cascudo na rua). Lamentavelmente, é o nosso caso!
Se não fosse isso, por que então se deu contornos diferentes à crise marfinense, quando o atual presidente daquele país, Sr. Alassane Ouattara, ganhou as eleições em 2010 e os eu adversário, o então presidente Laurent Gbagbo, recusou a reconhecer a derrota e entregar o poder? Por que foram tomadas medidas enérgicas e até uso de força militar, para fazer valer a soberania popular daquele país? Isso seria o forte apadrinhamento da França a fazer diferença? Seria porque a crise politica envolvia o país mais rico da UEMOA? Seria em função de a crise ter envolvido um dos maiores produtores mundiais do cacau, a matéria prima preponderante na produção do chocolate, iguaria apreciada fortemente nos países ricos?
Ao ministro nigeriano pergunto: Se uma simples tomada de posição unilateral, foi suficiente para resolver um conflito do porte nosso, por que não se utilizou a mesma receita para pôr cobro às rebeliões registadas no Delta do Níger, a região nigeriana rica em petróleo? Por que não se utilizou a mesma receita para pacificar ou conter os grupos radicais islâmicos que atacam e aterrorizam os seguidores das outras religiões, desafiando acintosamente a autoridade do Estado nigeriano?
Tudo bem! Seja qual for a resposta, a CEDEAO deve entender que nas organizações internacionais, sobretudo de caráter regional, os procedimentos devem ser simétricos, de modo a manter a coerência e coesão interna. Assimetria procedimental retira credibilidade a qualquer organização. Não é justo sermos categorizados por baixo. Não pode haver cidadãos da CEDEAO de primeira e de segunda categoria. Apesar de tudo, não devemos desistir do espírito patriótico que nos marcou ao longo dos tempos e que nos conduziu à independência. Pois, irá chegar o dia em que vamos nos guiar pela nossa própria cabeça, como dizia o fundador da nossa nacionalidade, Abel Djassi.
Concluo dizendo que, podem nos humilhar hoje, mas não vão acabar com a nossa dignidade.
Alberto Indequi
Advogado e Empresário