segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

CADOGO magoado, arrasa e chama os bois pelos nomes


Carlos Gomes Júnior lamenta que, por pressão da Comunidade Internacional, narcotráfico já não seja punido com fuzilamento.


Carlos Gomes Jr., fotografado na semana
passada na cidade da Praia.
Foto: Orlando Rodrigues

O antigo Primeiro Ministro da Guiné Bissau, Carlos Gomes Júnior, vencedor da primeira volta da eleição presidencial de Abril de 2012 interrompida pelo Golpe de Estado protagonizado por uma Junta Militar liderada pelo general António Indjai, é candidato ao cargo de Chefe de Estado na votação marcada para o próximo dia 16 de Março e garante que nada o demove de ir até ao fim. O ainda presidente do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que justamente fixou residência na cidade da Praia nos últimos meses, desvaloriza, em entrevista a “O País”, o facto de o partido estar reunido num congresso (que decorre de ontem, Quinta-feira, 30 de Janeiro, a Domingo, 02 de Fevereiro em Cacheu, norte da Guiné Bissau) marcado à revelia e na ausência do seu líder.

Carlos Gomes Júnior, que escreveu esta semana uma carta ao Secretário Geral da ONU pedindo a criação de condições de segurança para se deslocar à Guiné Bissau e participar no acto eleitoral, espera o apoio do PAIGC mas diz que se não a obtiver, irá ponderar mas nunca desistir da candidatura, que poderá tornarse independente. O antigo Primeiro-ministro analisa ainda, nesta entrevista, a situação na Guiné Bissau, nomeadamente a realidade do narcotráfico, que considera ter atingido a dimensão que tem pelo facto de já não ser punido com fuzilamento, pena expurgada da ordem jurídica guineense, lamenta, por pressão da Comunidade Internacional.


Tem um projecto de candidatura presidencial para as eleições marcadas para 16 de Março próximo. Acredita que, nas actuais circunstâncias, irá conseguir levar por diante essa sua pretensão?

Eu ainda sou o Primeiro-ministro legítimo da Guiné Bissau. Fui afastado por um golpe de Estado e tenho responsabilidades a que não posso fugir, devido a essa condição mas, igualmente, pelo facto de eu ser presidente do PAIGC, que é o maior partido da Guiné Bissau e está intimamente ligado à história do país. Em 2012, ganhei a eleição presidencial logo na primeira volta, porque o povo deu um sinal inequívoco e mostrou em quem confiava.
Venci com maioria absoluta, obtendo 52 por cento. Mas com toda a pressão que foi feita à Comissão Nacional de Eleições (CNE), apenas me reconheceram, mais tarde, 49 por cento dos votos. Mesmo assim, com as irregularidades que se registaram e para não criar atritos, patenteei a minha disponibilidade para a ir à segunda volta, mas infelizmente houve o golpe de Estado que interrompeu esse processo eleitoral e estivemos, até hoje, à espera de que se encontrasse uma saída. Como sabe, essas eleições foram reconhecidas como válidas pela própria CNE, o Tribunal Constitucional validou os resultados da votação e a Comunidade Internacional e os observadores foram unânimes em reconhecer que as eleições foram livres, justas e transparentes.
Apesar disso, não se realizou a segunda volta, ninguém se pronunciou, e foram marcadas agora novas eleições gerais de raiz. Por estar certo de que os militantes do PAIGC e o povo da Guiné Bissau saberão qual é o dirigente que merece a sua confiança é que me vou candidatar à Presidência da República. Eu podia dedicar-me tranquilamente à minha vida empresarial, mas pergunto-me se o posso fazer encontrando-se o país no estado caótico em que está.
A resposta é não. Por isso, vou até ao fim e não abdicarei dos meus direitos e nem vou defraudar, tampouco, a confiança que o povo da Guiné Bissau deposita na minha pessoa.


Na carta que escreveu ao Secretário Geral da ONU e a outros altos dirigentes e personalidades internacionais, pede apoios, nomeadamente tendo em vista a garantia da sua segurança pessoal e da dos seus apoiantes. O que espera dessa diligência?

Como tenho dito, o processo eleitoral que se avizinha é de suma importância para o povo da Guiné Bissau porque será o início de algo novo que é possível realizar.
Ao longo do nosso mandato como Primeiro-ministro, conseguimos demonstrar que a Guiné Bissau é um país perfeitamente viável, e o meu Governo deu provas disso, e também da sua capacidade e competência, à Comunidade Internacional. Negociámos e obtivemos, ao abrigo de programas de apoio aos países altamente endividados, o perdão total da dívida externa da Guiné Bissau. Conseguimos sempre pagar atempadamente os salários da Função Pública mas também tomámos medidas impopulares. Por exemplo, fizemos uma coisa que só agora está a ser feita na Europa: baixámos os salários de todos os dirigentes, inclusive o do Presidente da República, para podermos ter margem para aumentar os vencimentos dos médicos, dos enfermeiros e dos professores, etc, promovendo efectivamente a justiça social. Com isso e com outras medidas complementares, conseguimos criar um ambiente propício à motivação dos funcionários e para que as pessoas pudessem trabalhar e mostrar a sua competência.


Acha que o facto de ter mexido em certos privilégios é que terá motivado o Golpe de Estado e tudo o que se seguiu contra si?

Naturalmente! Mas era necessário tomar tais medidas. Num Estado de Direito é necessário fazer reformas, e o Estado deve pagar aquilo que pode pagar e promover a actividade económica com medidas voltadas para quem produz, mas sem descurar os seus próprios interesses. Por exemplo, em 2011, na campanha do caju, que é um dos nossos principais produtos de exportação, conseguimos uma receita extraordinária de 20 milhões de dólares, através de uma taxação de 50 francos CFA por cada quilo. Isso gerou, naturalmente, algum descontentamento, mas a Comunidade Internacional viu que a Guiné Bissau tinha uma equipa governativa séria, competente e capaz de tirar o país do fosso em que se encontrava, não hesitando em tomar as medidas que se impunham.

Isso prova também que, com boa gestão dos activos, mormente num país como a Guiné Bissau, que está longe de ser pobre em recursos naturais, é imprescindível ter-se um Estado funcional…

Exactamente. E foi devido à nossa seriedade e competência que conseguimos criar oportunidades valiosas no quadro da cooperação bilateral, e nesse particular destaco o caso de Angola. Abriu-nos uma linha de crédito de 128 milhões de dólares, numa iniciativa aprovada por unanimidade tanto pelo parlamento angolano como pela Assembleia Nacional Popular da Guiné Bissau.
Além disso, concedeu-nos ajuda orçamental no valor de 12 milhões de dólares, para não falarmos já do importantíssimo Programa de Reforma da Defesa e Segurança, o primeiro delineado com seriedade e implementado sobre pressupostos efectivos de sucesso, que foi a MISSANG. Era um programa capaz de promover as reformas que almejávamos há muito tempo e que iam permitir-nos ter paz, estabilidade e segurança, tão necessárias ao nosso processo de desenvolvimento.
Tínhamos igualmente, em vias de avançar, o projecto de exploração do bauxite, que também era estratégico, e a construção do porto de águas profundas de Buba que este ano, se tudo corresse bem, estaria a ser inaugurado. Essa infra-estrutura era fundamental para o desenvolvimento de todo o país…


…tudo isso com financiamento angolano…


Exacto.

E a quanto montariam, globalmente, os financiamentos de todos esses programas e projectos, se fossem adiante?

Tínhamos a linha de crédito, de 128 milhões de dólares, a ajuda orçamental, de 12 milhões, a Reforma da Defesa e Segurança, no quadro da MISSANG, que rondaria os 50 milhões de dólares anuais durante vários anos, a exploração do bauxite e a construção e equipamento do Porto de Buba, cujos montantes não estou neste momento em condições de recordar com precisão mas que já estavam, na altura, devidamente quantificados e aprovados pelo Governo angolano.

Mas pode dar uma ideia? Pelo que disse, podemos estar a falar de centenas de milhar de dólares.

Provavelmente.

E qual seria o impacto desses projectos no desenvolvimento da Guiné Bissau?

O porto de Buba ia fazer concorrência directa, e com vantagens para a Guiné Bissau, ao porto de Dakar. Tinha um interesse verdadeiramente estratégico pois o projecto compreendia um sistema de transporte moderno, incluindo estradas e caminhos-de-ferro, entre Buba e Conacri, além de outras capitais da sub-região.

Será correcto concluir que embora fosse um projecto charneira para a Guiné Bissau e alguns países vizinhos, o seu fracasso interessaria a certos Estados da região?

Os esforços para fazer fracassar a minha governação e, em particular, esses investimentos, podem ter sido resultado de um acumular de ódios contra Carlos Gomes Júnior, uma vez que eu tudo estava a fazer para que esses projectos dessem certo.
Tentei fazer a gestão do Estado com o mesmo empenho que coloco na administração das minhas empresas, e a par disso procurei firmemente fazer reformas profundas ao nível do Estado para que os benefícios a colher tivessem impacto na vida de todos os guineenses e estes pudessem sentir, de facto, todo o valor da nossa independência.


Mas considera que houve quem tivesse desejado o fracasso desses projectos e que isso, na prática, beneficiaria o Senegal?

Não era simplesmente um desejo de fracasso, mas sim, um verdadeiro ódio a esses projectos. Mas estamos esperançados em que tudo isso vai ser retomado no seu devido tempo.

Daqui por aproximadamente um mês e meio serão as eleições legislativas e presidenciais na Guiné Bissau. O que é que espera desse processo, tendo em conta todas as incongruências, dificuldades, disfunções e estrangulamentos que diz estarem a marcar a sua preparação?

Eu penso que o bom senso irá prevalecer, porque não podemos estar com o país adiado ad eternum. Creio que os guineenses acabarão por se sentar, discutir e encontrar soluções para toda esta com confusão, que não leva a lado nenhum.

Explique a aparente incongruência de defender que o regresso à normalidade na Guiné Bissau passa por retomar o processo eleitoral interrompido em 2012 e o facto de ser candidato às novas eleições previstas para Março.

Isso acontece porque não tenho medo de eleições, e os meus adversários têm a consciência de que, com a minha presença na Guiné Bissau, ganho as próximas presidenciais sem grande esforço porque já dei provas daquilo que sou capaz de fazer e sou respeitado interna e externamente pelo valor do meu trabalho. Sou uma pessoa de bem e a minha família também é conceituada e já demos provas de saber gerir as coisas na Guiné Bissau.

O que é que o motiva neste projecto, com o qual aparentemente não ganha nada a título pessoal uma vez que é um empresário de sucesso, não precisa da política para viver e a sua vida pode alegadamente correr perigo se se deslocar à Guiné Bissau?

A minha motivação reside no facto de sentir que sou capaz de dar continuidade ao grande projecto almejado pelo nosso extinto líder fundador que é Amílcar Cabral. Não é em vão – serve, aliás, como exemplo – que ele também largou tudo o que tinha e foi à luta, para atingir o objectivo da nossa independência. Portanto, é essa a motivação que tenho, porque o país tem de normalizar. Se a Guiné Bissau não for estável, como é que eu ou qualquer outro empreendedor podemos trabalhar para desenvolver os nossos projectos? Portanto, temos de demonstrar que a Guiné Bissau tem quadros capazes e determinados a ajudar o país.

Considera, então, e em contraponto, a existência de forças retrógradas na Guiné Bissau que impedem esses quadros capazes de se afirmarem?

Em tudo há oposição. Mas a oposição não pode fazer apenas isso: opor-se. Tem de apresentar projectos concretos, o que nunca fez.

A democracia impõe que tenhamos que discutir, mas não pode ser uma discussão à base da força das armas, mas, sim, através do confronto de ideias à volta de projectos viáveis.

Pelas vezes em que o exercício do poder corporizado pelo seu partido foi interrompido pela força das armas, fica a ideia de que os militares elegeram o PAIGC como o seu principal inimigo, o que é estranho uma vez que as Forças Armadas da Guiné Bissau nasceram e cresceram à sombra dessa força política. Partilha dessa percepção?

Eu não vejo as coisas dessa forma, porque a maioria dos militares foram ou são quadros formados pelo PAIGC. O que acontece é que existem problemas que não foram solucionados a seu tempo, e é necessária uma profunda reforma do sector da defesa e segurança para sanar antigos conflitos e incompreensões e projectar um caminho de estabilidade e dignidade para as nossas Forças Armadas, que terão de ser republicanas e sujeitar-se ao poder político legitimamente estabelecido. Por isso, não penso que os militares vejam o PAIGC como inimigo, tanto mais que foram o seu braço armado na conquista da independência nacional.

Pode dar uma ideia do que é que os militares perderam com a interrupção do processo de Reforma das Forças Armadas e Segurança, financiado e liderado por Angola no quadro da MISSANG?

Penso que a interrupção dessa missão foi lamentável porque se tratava de um projecto que os nossos irmãos e companheiros de armas de Angola, sempre solidários porque me lembro do que se passava no seio da CONCP (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas) em que os movimentos de libertação concertavam posições no interesse comum – acarinhavam e procuraram realizar no interesse do povo da Guiné Bissau. E foi um pouco o espírito da CONCP que terá presidido a essa nossa cooperação com Angola. Já agora, lamento que essas concertações e esses mecanismos de tomada de decisões conjuntas tenham deixado de acontecer.
Lembro-me ainda do falecido Paulo (Teixeira) Jorge (antigo secretário para as Relações Internacionais do MPLA, falecido em 2010), que no quadro de orientações dadas pelo camarada José Eduardo dos Santos, estava a trabalhar no sentido de serem retomados esses contactos, num primeiro momento entre os nossos dois países. E foi nesse quadro que se realizou a primeira reunião em Bissau, no ano de 2010, estando prevista a segunda para 2011 ou 2012 em Luanda, o que não chegou a efectivar-se devido à confusão causada pelo Golpe de Estado. A interrupção desses contactos de cariz partidário foi lamentável, mas é absolutamente necessário que sejam retomados. Mas no que respeita aos dois Estados e analisando a cooperação bilateral, o apoio que os irmãos angolanos estavam a dar-nos era completamente desinteressado e é pena que não tenha continuado.
Com isso, a Reforma da Defesa e Segurança ficou por efectivar-se, pelo menos de momento, e os militares guineenses ficaram privados de um programa bastante generoso que lhes traria a dignidade e as condições de vida que merecem. É preciso ver, por outro lado, que essa reforma é um imperativo definido pela própria Comunidade Internacional, pelo que terá de ser reactivada mais tarde ou mais cedo. A mobilização dos recursos que iriam alimentar o Fundo de Pensão estava a ser feita e caminhava bem sob a orientação da embaixadora Maria Luisa Viotti, que na altura em que o processo foi interrompido tinha já recolhido quase 17 milhões de dólares. Eu também penso que essa reforma, com a passagem dos militares mais antigos à aposentação, é um imperativo nacional, e que, depois das eleições, com a instalação de um Governo legítimo na Guiné Bissau, a Comunidade Internacional irá retomar esse dossier e concluí-lo. É que sem isso, e com um cenário de instabilidade permanente que temos vivido, não se pode pensar no desenvolvimento do país, que precisa de investidores, os quais não quererão certamente pôr os seus capitais em risco.


Mas quando for retomado o projecto, acha que Angola aceitará envolverse novamente na sua implementação depois do que aconteceu?

Tanto Angola como o Brasil e os restantes países da CPLP continuam disponíveis para esse envolvimento porque há interesses comuns, além de afinidades que devem vir ao de cima. Será mais fácil termos a dirigir a reforma quem nos entenda, fale a mesma língua, conheça-nos e seja sensível à nossa cultura, do que vir cá um espanhol ou um inglês fazer esse trabalho. Seria bastante complicado.

Mas haverá condições psicológicas para um regresso dos angolanos, tendo em conta os anti-corpos que foram criados entre os militares guineenses e a MISSANG?

Tudo o que aconteceu foi fruto do oportunismo de um certo grupo de militares. Mas os mais novos têm noção do que aconteceu e do que está para vir em termos de vantagens para si próprios, para a instituição militar e para o país. Por outro lado, sabem o que esperar dos angolanos, uma vez que muitos deles têm-se formado nas academias e nas universidades angolanas, no quadro da cooperação militar e em vários outros domínios existente entre os dois países. Nos últimos anos, Angola formou-nos e equipou-nos cerca de 350 agentes da Polícia de Intervenção, e esse é mais um exemplo daquilo que estou a dizer. Estamos condenados a ajudar-nos mutuamente, neste momento Angola à Guiné Bissau e no passado, podendo voltar a acontecer no futuro, a Guiné Bissau a Angola.

Se a sua candidatura avançar como deseja e for eleito, pretende trabalhar no sentido de uma maior aproximação entre os partidos ligados às lutas de libertação que são, hoje em dia, forças políticas do arco do poder nos PALOP?

Certamente que, sim, por se tratar de algo necessário mas também tendo em conta as relações que cultivo tanto em Angola como em Cabo Verde, em Moçambique, em São Tomé e Príncipe e nos restantes países da CPLP. Penso que sou ouvido e estimado em todos esses lugares, e é necessário que continuemos esta cooperação, que é salutar e deve ser continuada pelos mais jovens.

Começou ontem, Quinta-feira, em Cacheu, o congresso do PAIGC, que foi convocado sem o seu concurso e vai realizar-se sem a sua presença.Que significado é que isso tem para si, enquanto presidente do partido.

Para mim, nenhum. Eu não estou agarrado ao poder e o partido tem de eleger novos órgãos tendo em conta a situação actual, originada pelo Golpe de Estado. Se os militantes entenderem que podem convocar um congresso e trabalhar sem a presença do actual presidente devem fazê-lo, considerando o meu actual impedimento. O meu desejo é que o PAIGC continue a trabalhar, a afirmar-se e a merecer a confiança do povo guineense. Portanto, se o congresso correr bem eu também ficarei satisfeito e continuarei a dar a minha contribuição da forma como me for permitido ou solicitado.

Isso quer dizer que, pelo facto de não ter sido tido nem achado, embora seja ainda o presidente do PAIGC, não irá impugnar nenhuma decisão que saia do congresso, ainda que não lhe agrade?

Não, porque é a vontade dos militantes. Se eles não tivessem esse desejo, não organizariam o congresso nestas circunstâncias, sem a presença do presidente do partido. Eu não quero constituir nenhum obstáculo, e aquilo que puder continuar a fazer em prol do PAIGC, mesmo sendo um simples militante, farei com toda a disponibilidade.

Espera que o congresso determine o apoio do PAIGC à sua candidatura?

Está tudo em aberto. Os militantes lembrar-se-ão ainda, certamente, dos 12 anos em que estive à frente do partido e decidirão em conformidade. Mas se não se lembrarem, também não fará mal nenhum.

E no caso de o PAIGC não lhe conceder o apoio que deseja, o que é que fará?

O que desejo é candidatar-me com o apoio expresso do PAIGC. Se esse apoio não acontecer, analisarei a situação juntamente com a minha equipa e decidiremos em conformidade.

Encararia a hipótese de uma candidatura independente?

Seria uma possibilidade a encarar mas apenas depois de ouvir os meus camaradas.

Este congresso do PAIGC é electivo e vai escolher um novo presidente – ou Secretário Nacional caso venha a haver revisão dos estatutos – que será o candidato do partido ao cargo de Primeiro-ministro. Quem apoia nessa luta?

Eu já me pronunciei publicamente sobre este assunto e penso que a melhor opção é o engenheiro Domingos Simões Pereira. Conheço-o bem porque fez parte da minha equipa. É um quadro com provas dadas e com experiência governativa suficiente para conduzir os destinos do partido e, eventualmente, liderar o país na qualidade de Primeiro Ministro. Ele merece-nos toda a confiança e espero que os militantes entendam o mesmo.

No caso de o PAIGC ganhar as eleições presidenciais e legislativas, ou uma ou outra coisa, o que é que poderá fazer de definitivo para que a Guiné Bissau deixe de viver estes episódios cíclicos de violência e Golpes de Estado?

O que pode e deve ser feito é a Reforma do Sector da Defesa e Segurança. Isso é fundamental para que o país volte aos caminhos da paz e da estabilidade duradoiras.

E estas eleições, nas circunstâncias em que estão a ser preparadas, criam condições para isso?

Creio que sim, se essas eleições correrem bem e delas sair um Governo legítimo que possa negociar com os parceiros de desenvolvimento. Sabe que a reforma das Forças Armadas não é uma iniciativa exclusiva da Guiné Bissau. Todos os parceiros internacionais reconheceram essa necessidade e puseram grande empenho na sua realização, e o processo já tinha, aliás, arrancado ainda antes da MISSANG, com uma iniciativa da União Europeia que objectivou a criação da componente legislativa dessa reforma, com a elaboração de diplomas fundamentais e essenciais ao projecto em causa, nomeadamente a Lei da Condição Militar, o Organigrama das Forças Armadas e o Regimento da Disciplina Militar, entre outras, que inclusivamente já tinham sido aprovadas pela Assembleia Nacional Popular e promulgadas pelo Presidente da República, e estão publicadas no Boletim Oficial. Portanto, há que dar continuidade a esse processo, que não é novo mas está em curso.
Foi nesse quadro que o presidente José Eduardo dos Santos e o Governo angolano entenderam dever ajudarnos a efectivar a reforma na prática, o mais rapidamente possível, daí termos iniciado a sua implementação no quadro da MISSANG e no âmbito da cooperação bilateral. É que a Comunidade Internacional pode tomar boas decisões e iniciativas, mas a mobilização dos recursos necessários é um processo muito moroso. Foi aí que surgiu a disponibilidade de Angola, que nos trouxe um apoio célere e muito bem-vindo. Foi tudo muito rápido porque havia vontade política e um desejo efectivo de ajudar por parte de Angola, e ao contrário do se possa pensar, nada foi feito em cima dos joelhos. Todos os detalhes foram analisados friamente, e por ironia do destino quem assinou com as autoridades angolanas o protocolo de Reforma do Sector da Defesa e Segurança foi o António Indjai (líder da junta autora do Golpe de Estado de Abril de 2012), que era na ocasião o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas guineenses.


Porque é que Cabo Verde e Angola são os países mais diabolizados pelos militares que controlam actualmente o poder na Guiné Bissau?

Será, certamente, pela posição que assumiram sobre o Golpe de Estado e que mantêm ainda em relação às práticas das actuais autoridades. Devo dizer que todos os países da CPLP, assim como a generalidade da Comunidade Internacional, condenaram sem equívocos a acção dos militares e exigiram a reposição da ordem constitucional, em consonância com a Resolução 2048 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas, nesse particular, as posições de Angola (que presidia na altura à CPLP) e de Cabo Verde foram as mais contundentes. Foram atitudes que nos encorajaram e nos deram a força necessária nos contactos feitos com a Comunidade Internacional para defender a reposição da ordem democrática na Guiné Bissau.

E será isso que tem levado a que sistematicamente os militares e o Governo de transição da Guiné Bissau se refiram a Cabo Verde e a Angola em termos pouco abonatórios?

É possível. Mas penso que não são os militares que decidem as relações que devem existir entre a Guiné Bissau e esses países. São os cidadãos, e esses têm um sentimento de profunda irmandade para com todos os povos da CPLP. Os guineenses são muito hospitaleiros e abertos, e creio que são alguns políticos e militares, com base nos seus interesses pessoais ou de grupo, que causam todo este mal-estar.

Quer dizer, então, que o povo da Guiné Bissau está a ser vítima da sua própria maneira pacífica de ser?

Penso que sim, mas acho também que isso vai ser ultrapassado.

O que é que tem feito especificamente, desde que foi afastado do poder e saiu da Guiné Bissau, em prol do regresso do seu país à normalidade constitucional?

Nunca estive parado. Tenho denunciado sistematicamente a situação vigente, tenho alertado para as perseguições que vêm tendo lugar e tenho pedido à Comunidade Internacional para não deixar cair a Guiné Bissau nas garras do narcotráfico e do crime organizado. Somos um país pequeno mas que tem potencialidades para ser um Estado próspero, e não precisamos de estar associados à criminalidade.

A propósito, há quem ache que designar a Guiné Bissau como um narcoestado é um estigma que o país não merece. Também pensa assim?

Saiba que, durante a nossa governação, procurámos combater firmemente esse estigma. A nossa luta de libertação nacional custou muitas vidas e muitos sacrifícios, e tenho dito, por isso, nas minhas intervenções a nível internacional, que não recebemos a nossa independência nacional na secretaria. Ela foi conquistada naquela que terá sido, certamente, a guerra colonial mais dolorosa em África. Por isso, tanto o povo como os dirigentes legítimos da Guiné Bissau, com as excepções que são conhecidas, têm vindo a lutar para impedir que o narcotráfico se instale e tome conta do país.

Acha, por isso, que a Guiné Bissau não merece esse epíteto?

Não merece, porque tem um povo sério e trabalhador. Sabe que, às vezes, algumas coisas acontecem devido a determinadas exigências da Comunidade Internacional. Eu, por princípio, sou contra os fuzilamentos, que antes das últimas mudanças que se fizeram à nossa Constituição, eram a forma como se puniam os crimes de sangue, o narcotráfico e os ligados à alteração da Ordem Constitucional, entre outros...

E defende que devia continuar a ser assim?

A Comunidade Internacional exigiu a alteração da nossa Constituição, alegando que éramos violentos, e fomos obrigados a alterar, em nome da democracia.

Para si, isso foi bom ou está errado?

Penso que foi desde que se fizeram essas alterações à Constituição que tais fenómenos começaram a surgir no nosso país. Acha, então, que o narcotráfico, por exemplo, devia continuar a ser punido com fuzilamento? Olhe, eu ainda não quero pronunciar-me porque há muitas coisas que continuam por resolver. Mas faça você a sua análise e veja, não apenas o que se passa na Guiné Bissau mas em toda a África. Nós começámos a alterar as nossas Constituições porque a Comunidade Internacional não queria os fuzilamentos, em nome da democracia. Portanto, estamos a viver a democracia.

Neste ponto, diga-me, qual vai ser o seu lema de campanha?

É simples: continuar a trabalhar para o bem-estar do povo da Guiné Bissau.

entrevista dada ao jornal angolanao «O País», numa entrevista de Orlando Almeida na cidade da Praia, Cabo Verde