terça-feira, 5 de novembro de 2013

Guiné Bissau sob pressão da CEDEAO


Apesar de faltar menos de um mês para a data em referência, e pese embora o facto de as actuais autoridades guineenses defenderem a necessidade de um recenseamento eleitoral de raiz para garantir a legitimidade e a transparência do acto, os chefes de Estado e de Governo da sub-região entendem que a operação não pode sofrer adiamentos.

Vistas pela comunidade internacional como condição sine qua non para o regresso da Guiné Bissau à ordem constitucional e para o levantamento das sanções políticas e económicas que impendem sobre o país desde o golpe de Estado de Abril de 2012, as citadas eleições, a serem realizadas na data indicada, podem vir a ser, no entanto, uma faca de dois gumes.

É que, de acordo com vários observadores contactados por “O País” à margem da cimeira de Dakar, a credibilidade do acto eleitoral pode ficar em causa e os seus resultados virem a ser posteriormente contestados, caso não se consiga introduzir o elemento de transparência que a realização de um novo recenseamento pressupõe.

“Os dados referentes ao universo de eleitores recenseados encontram-se definitivamente desactualizados, e, por outro lado, há que ter em conta as disfunções denunciadas nas últimas eleições, principalmente no que toca às duplas ou múltiplas inscrições”, referiu um analista ligado aos meios diplomáticos senegaleses, acrescentando que “não é transparente organizar um novo acto eleitoral a partir de uma base cujos dados, a existirem, podem estar falseados”.

Faca de dois gumes

É neste contexto que os observadores receiam que a situação na Guiné Bissau possa caminhar para um impasse, em virtude da intransigência da CEDEAO no referente à data das eleições e da insistência das autoridades guineenses na necessidade de realização de um novo recenseamento que, objectivamente, não pode ser efectuado no tempo que ainda falta para a data de 24 de Novembro. Um dos argumentos que estão ser utilizados pela organização oeste-africana para pressionar as autoridades de Bissau a acatar a “decisão” dos chefes de Estado e de Governo reunidos em Dakar baseia-se no factor financeiro externo, do qual o Governo daquele país lusófono depende exclusivamente para a realização das eleições em causa.

O orçamento apresentado pela Guiné Bissau à comunidade internacional foi de 20 milhões de dólares, montante que alguns dos seus mais importantes parceiros, nomeadamente a União Europeia, consideraram excessiva para a operação, tomando como elemento de comparação situações vividas noutros países, africanos e não só.

E foi para evitar desculpas baseadas na falta de meios que a CEDEAO decidiu, na cimeira de Dakar, abrir os cordões à bolsa, e disponibilizar a Bissau o grosso dos fundos necessários à operação. Não foram avançados valores precisos, mas calcula-se que os meios financeiros a serem alocados pela comunidade ultrapassam os 10 milhões de dólares, a que se somam outros 2 milhões de dólares em apoios logísticos e equipamentos a serem fornecidos a título bilateral, nomeadamente pela Nigéria.

De momento, não se sabe de que forma a “pressão” da CEDEAO foi acolhida pelo Governo da Guiné Bissau, mas os observadores acreditam que não terá outro remédio senão “vergar-se” à posição da comunidade, abrindo mão do recenseamento, a não ser que se dê a hipótese, vista como improvável apenas poucos dias após a cimeira de Dakar, de o assunto voltar a ser objecto de negociação.

Máxima pressão

Ao comentar as decisões saídas da cimeira em relação à Guiné Bissau, o primeiro Ministro de Cabo Verde reconheceu a atitude de pressão da CEDEAO no sentido da realização de eleições no país vizinho na data inicialmente marcada, e chamou a atenção para a exiguidade dos prazos disponíveis. “A CEDEAO quer continuar a pressionar no sentido da realização, tão breve quanto possível, das eleições, apesar de haver dúvidas sobre se estarão reunidas as condições indispensáveis, até porque ainda não se começou o processo de recenseamento eleitoral, mas a data mantém-se”, indicou José Maria Neves, para quem tal posição é uma “forma de pressionar” as autoridades de transição, os partidos políticos e os outros intervenientes no processo para impedir que adiem indefinidamente o regresso do país à normalidade constitucional. De contrário, referiu o chefe do Governo cabo-verdiano, determinar-se-á, através dos mecanismos de seguimento próprios, quais serão os passos a seguir e, eventualmente, uma nova data para as eleições na Guiné Bissau.

Apoio cabo-verdiano

O primeiro Ministro de Cabo Verde manifestou, durante a cimeira da CEDEAO, toda a disponibilidade do seu país, em função da experiência e do know-how que detém, para apoiar tecnicamente a Guiné Bissau, tanto no processo de recenseamento como na preparação do acto eleitoral.

“Tive a oportunidade de falar longamente sobre essa questão com o presidente Serifo Nhamadjo e comuniquei-lhe que podemos apoiar a Guiné Bissau em todo esse processo, do ponto de vista técnico, claro está, uma vez que temos todas as condições para fornecer essa assistência”, afirmou, garantindo que, “se houver um pedido nesse sentido e se se proporcionar essa necessidade, Cabo Verde está inteiramente disponível para tal”.

Questionado sobre a eventualidade de alguma desconfiança por parte da Guiné Bissau, onde algumas vozes do poder instituído e próximas dele se têm erguido a acusar o Governo de Cabo Verde de agir contra os interesses dos guineenses, poder inviabilizar esse apoio, José Maria neves esquivou-se ao assunto e preferiu valorizar uma perspectiva de entendimento futuro entre os dois países. “Temos é de continuar a tentar melhorar o diálogo e recuperar a confiança entre Cabo Verde e a Guiné Bissau. O que fazemos é trabalhar no sentido de ajudar os guineenses a conseguir uma transição de sucesso”, afirmou o governante cabo-verdiano.
HORLANDO RODRIGUES/O PAÍS