Liberdade sempre. Também no mundo moderno.
Dá-se o acaso de estarmos hoje a 3 de maio de 2012, data em que se assinala o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Por coincidência, junta-nos aqui a tomada de posse dos novos corpos sociais da Casa da Imprensa, recentemente eleitos. Coincidência, sim, mas não uma coincidência ao acaso: as duas datas estão profundamente ligadas, não fosse esta uma casa de jornalistas.
Por isso mesmo, quero falar-vos de dois momentos importantes: de Liberdade e da Casa da Imprensa.
Socorro-me de dois textos recentes de dois jornalistas que, desconfio, nunca se cruzaram. Um é guineense. Conheço-o virtualmente há muito tempo, através dos escritos que vai publicando no seu blog, “Ditadura do Consenso”, e só muito recentemente pude ver como ele é fisicamente, na realidade, através de uma vídeo-conferência para a RTP. O outro é português. É, por mero acaso, associado da Casa da Imprensa e acompanho o seu trabalho há muitos anos, na rádio e nos jornais, e confesso muita curiosidade por um homem tão despojado de adjetivos.
O primeiro dos jornalistas chama-se António Aly Silva. Há dois dias, debaixo do título “Sinto que nunca mais terei um blog”, ele escreveu o seguinte:
Caros amigos,
Estara na hora de parar. Hoje, do meu carro, alguem roubou um iPad [emprestado] e um disco externo [meu]. Para vos dizer a verdade, estou farto, cansei. Ja perdi muito dinheiro [muito mesmo] comprando materiais para os ladroes roubarem. Sacrifiquei ate, e digo isto com alguma vergonha, algum bem-estar dos meus filhos em detrimento de informar atraves do meu blog. Mas acho que ja chega. Nao ganho nada e acabo por perder tudo. Serei masoquista...
Estou desiludido e sem forças para fazer o que quer que seja. Tornei-me num alvo apetecivel, bastante policiado ate. Mas no que me diz respeito, valeram a pena todos estes anos agarrado ao computador, nao me arrependo de nada. Durante esta semana, tomarei uma decisao final. Mas sinto que nunca mais terei um blog. Detesto ser roubado.
O segundo dos jornalistas chama-se João Paulo Guerra. Há três dias, sob o título “Liberdade”, ele escreveu no jornal “Diário Económico” o seguinte:
De cada vez que se celebra em Portugal a instauração da democracia ocorre-me um episódio, ocorrido às primeiras horas da manhã de 25 de Abril de 1974, no Terreiro do Paço, em Lisboa.
Foi quando um jornalista, já então sénior, perguntou a um jovem capitão se podia citar os objetivos da operação militar em curso que o oficial enunciava para o pessoal da chamada comunicação social. O jovem capitão respondeu-lhe que era também para que ele e os outros jornalistas pudessem escrever livremente o que bem entendiam e o que testemunhavam que os militares ali estavam, dispostos a derrubar o governo da censura e de outras coisas igualmente odiosas.
O capitão chamava-se Maia, Fernando José Salgueiro Maia, tinha 29 anos, e era naquela manhã a face mais visível da revolução em curso. Tempos depois viemos a saber que o oficial era também um dos mais puros e generosos dos capitães de abril: naquele dia fez o que tinha a fazer, depois regressou ao quartel, em Santarém, morreu 18 anos depois no posto de tenente-coronel, sem honrarias nem benesses do Estado, após um exílio nos Açores e de uma passagem pelo comando do Museu da Escola Prática de Cavalaria. O poder político e a hierarquia não o queriam a comandar tropas pois tornara-se suspeito de ter feito o 25 de Abril.
Mas a liberdade de imprensa ficou. E foi em liberdade que escrevi nos últimos 15 anos no Diário Económico, como editor, grande repórter, redator principal, comentador e autor das cerca de 2.700 crónicas da Coluna Vertebral, 12 anos e sete meses de publicação ininterrupta, desde outubro de 1999. A Coluna Vertebral chegou agora ao fim. Não é o fim da linha. Apenas a denúncia de um contrato por uma das partes. Liberdade sempre.
Não vou perorar sobre as virtudes da Liberdade de Imprensa. Não tenho dom de oratória, tenho necessidade de me socorrer, a cada momento, de apontamentos escritos e papéis. Mas peço-vos que reflitam sobre o significado profundo dos textos de Aly Silva e João Paulo Guerra. Sublinho os sons, as palavras, que marcam. Diz Aly Silva: “Para vos dizer a verdade, estou farto, cansei. Ja perdi muito dinheiro [muito mesmo] comprando materiais para os ladroes roubarem”. Diz João Paulo Guerra: “A Coluna Vertebral chegou agora ao fim. Não é o fim da linha. Apenas a denúncia de um contrato por uma das partes. Liberdade sempre.”
As conclusões, agora, são vossas.
Avanço, por isso, rapidamente, para o tema Casa da Imprensa, o fim do atual mandato e o início de um novo ciclo. Depois de ter sido eleito em três mandatos sucessivos para o Conselho de Administração, tal como o vice-presidente Armando Carvalho, uma impossibilidade estatutária determina que nos afastemos os dois dos órgãos executivos da Casa da Imprensa. E ainda bem que assim é, antes que nos transformemos numa espécie de dinossauros mutualistas, a exemplo dos dinossauros da política.
Da experiência que adquiri nestes três mandatos, um dos quais foi interrompido ao fim de um ano por diversas discordâncias insanáveis, devo confessar que este último foi extraordinariamente exigente. Nestes últimos três anos, a Casa da Imprensa deu alguns passos largos, em benefício dos seus associados: atualizou os Estatutos e o Regulamento de Benefícios, corrigindo uma injustiça tremenda que tinha sido cometida em 2008; dilatou os benefícios dos associados, em sede de Internamento Hospitalar; alargou as condições de acesso à condição de associado; celebrou, com a MGEN/Europamut, outra mutualista, dois contratos, no domínio da Saúde, que deverão ser vitais para o nosso futuro; passámos a colher rendimentos financeiros com o arrendamento do património da Rua do Loreto devoluto há mais de uma dezena de anos; tem hoje uma rede informática ao nível do melhor que há em qualquer empresa de topo, em Portugal; e acompanhamos todos os casos que chegaram ao nosso conhecimento em sede de apoio social. Conseguimos, sem custos significativos, dar vida, de novo, a este salão nobre. Coeditámos um livro de que nos orgulhamos. E, nesta altura do campeonato, como se costuma dizer, já ninguém se recorda do ai Jesus que foi, há dois anos, quando começámos a temer, e justificadamente, pelo futuro das nossas aplicações financeiras.
Mas estes três anos não foram apenas rosas. Nem tudo correu como desejaríamos. O mais recente episódio, entre aquilo que correu menos bem, relaciona-se, como todos sabem, com a distribuição dos cartões de acesso à rede da AdvanCare pelos subscritores dos Cuidados de Saúde Primários e do Internamento Hospitalar. Os motivos não são todos imputáveis ao Conselho de Administração, mas a responsabilidade é. E estamos aqui, uma vez mais, a assumi-la. Estamos convencidos que, agora, estão reunidas todas as condições para que os problemas detetados não se repitam, e para que as futuras emissões ocorram naturalmente, sem atrasos significativos.
No momento em que o atual Conselho de Administração cessa funções, hoje mesmo, não posso, ainda que em meu nome pessoal, porque não pedi procuração a ninguém, omitir algumas preocupações que classifico de relevantes.
Se, em matéria de saúde, a vida da Casa da Imprensa, a curto e a médio prazos, está controlada e assegurada, tenho boas razões para deixar aqui vincada uma área em que não tenho a mesma convicção: a da ação social. Nestes últimos três anos, conseguimos traçar alguns caminhos novos, na ótica de uma maior proximidade com os associados. E aqui, justiça seja feita, o papel da assistente social, a Dra. Rosa Chagas, foi inexcedível. Mas, infelizmente, tudo indica que vêm aí tempos muito mais difíceis do que os do momento, tempos de que já não temos memória, tempos com dificuldades extremas em que a Casa da Imprensa pode e terá de assumir um papel decisivo, não se confinando em exclusivo à sua função complementar às responsabilidades que são, de facto, do Estado. Para ser mais claro, o número assustador de desempregados na classe jornalística e entre a sua família não poderá continuar a crescer sob o olhar complacente da Casa da Imprensa. Provavelmente, muito provavelmente, teremos de ser nós a tomar a iniciativa.
Uma última questão sobre a qual gostaria de me pronunciar relaciona-se com a vida interna da nossa associação. Sónia Sousa, investigadora na Universidade de George Mason, de Washington, EUA, efetuou um estudo sobre as instituições particulares de segurança social (IPSS) e obteve conclusões interessantes, noticiadas pela Imprensa, nomeadamente as que se reportam ao seu desempenho social e ao seu peso na economia. Mas o que quero aqui trazer fala diretamente para a necessidade de mudança na gestão das IPSS. Num quadro de crise à escala global, as respostas já não estão todas centradas nas mãos do Estado, as soluções não passam todas pelos dinheiros públicos e é necessário procurar sulcos alternativos que possibilitem uma resposta eficaz às necessidades, novas e antigas, que se colocam.
À escassez de recursos públicos tão anunciada e repetida a fio dia após dia, as IPSS só poderão responder através de quadros com experiência de gestão. O que significa, no caso da Casa da Imprensa, lançar um olhar e atentar, de modo ativo, nas necessidades de formação do quadro de pessoal.
As IPSS, cujo silêncio foi, durante tantos e tantos anos, moeda de troca pelas garantias de financiamento do Estado, têm de mudar de mentalidade. Têm de ser pró-ativas, e não reativas, serem os agentes da sua própria mudança, desenvolvendo programas de pessoas e de causas que funcionem como instrumento de angariação de rendimentos alternativos, sejam eles privados ou públicos. Este caminho, no cumprimento rigoroso das regras do Código Mutualista no que se refere à Casa da Imprensa, é muito mais trabalhoso. Mas tem a enorme vantagem de envolver mais gente e, estou convencido, responder com maior eficácia, sobretudo, às novas necessidades deste mundo moderno.
Muito obrigado.
Paulo F. Silva