quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
CADOGO em entrevista (1)
Entrevista a Carlos Gomes Júnior
Praia, 29 de janeiro de 2014
Entrevista Lusa/RTP África
José Sousa Dias e Nélio Santos
- Escreveu há dias uma carta a Ban Ki-Moon. Qual foi o objetivo?
A carta não foi só dirigida ao secretário-geral da ONU, mas a todos os organismos internacionais – UE, Zuma (UA), estamos preocupados com o cenário que se passa na Guiné-Bissau. O recenseamento ainda está a decorrer. Estive nas Nações Unidas, para chamar a atenção que não é só marcar a data das eleições. Há questões prévias que têm de ser discutidas, com frontalidade, se quisermos eleições credíveis, livres, justas e inclusivas. Cenário esse em que o povo não se pode manifestar, a imprensa não é livre, os políticos estão a ser presos, perseguidos, espancados e até mortos. Daí que nós continuamos a insistir na instalação de um tribunal “ad-hoc” na Guiné-Bissau para julgar todas essas barbaridades e trazer à justiça os crimes que ultimamente têm acontecido na Guiné-Bissau. Se queremos estar num Estado de Direito, não podemos pactuar com a impunidade. É esse o nosso apelo à comunidade internacional, para que ajude a Guiné-Bissau, de uma vez por todas, a entrar num ciclo de normalidade.
- Teme que as eleições sejam adiadas?
Não só o adiamento das eleições, como adiar de novo a Guiné-Bissau. O Governo de transição não tem poderes constitucionais para envolver-se na governação. Tem de ser um Governo que saia do veredicto popular das eleições.
Até quando vamos continuar com o Governo de Transição? Quantos projetos foram adiados ou inviabilizados porque os parceiros não têm confiança? É necessário que os políticos se sentem à mesa e discutir o que queremos para a Guiné-Bissau.
Depois de 40 anos de independência, não podemos continuar com um país adiado, adiar o desenvolvimento do país, adiar o futuro dos jovens, continuar a não ter credibilidade internacional.
- É candidato às presidenciais de março?
Estou à espera da segunda volta das presidenciais de abril de 2012, que ganhei com toda a transparência. Essas eleições foram validadas pelo STJ da Guiné-Bissau, foram reconhecidas pela comunidade internacional como sendo livres, justas e transparentes. Agora marcam umas eleições de raiz. Não tenho problema em ir às urnas. Fala-se de que ganhei as eleições e que agora tenho medo de ir às urnas. Não, de forma nenhuma. Não quero ser obstáculo ao desenvolvimento do país. Para não criar um clima de instabilidade no país, aceitei ir de novo às eleições, se bem que não tenha adversários como tive em 2012. Acho que posso ir. Se as pessoas querem dar outro ciclo de transparência, estou disponível para colaborar.
- Quem vai representar a sua candidatura?
Em princípio, já tenho um diretor de campanha que está no terreno, que é Botche Candé. Estamos neste momento a analisar com os outros quadros do partido quem será o mandatário. Mas os advogados já estão a tratar dos papéis necessários, que serão, depois, depositados no STJ.
- Quais são as suas verdadeiras motivações?
O que me move é o desenvolvimento da Guiné-Bissau. Amílcar Cabral traçou dois objetivos: a conquista da independência nacional e o programa maior, o desenvolvimento sustentado da Guiné-Bissau. Se sou reconhecido como empresário de sucesso, interna e externamente, tenho a obrigação de criar condições de estabilidade para que o país se desenvolva, para que a comunidade internacional acredite. Posso mobilizar empresários e instituições para investir na Guiné-Bissau, país que tem potencialidades, como ficou demonstrado nos anos da minha governação. A Guiné-Bissau não é um país pobre. Demonstramos que, só com recursos internos, era possível honrar as dívidas do país, pagar os salários na Função Pública e moralizamo-la. Demonstramos, em pouco tempo, que a Guiné-Bissau já estava a afirmar-se na comunidade internacional como um Estado de Direito. Conseguimos o perdão da dívida, criar a confiança junto dos parceiros. (…) Isso quer dizer que a Guiné-Bissau tinha já outras perspetivas de desenvolvimento.
- O Congresso do PAIGC começa amanhã. Como vê o processo de preparação do congresso?
De forma atabalhoada. O presidente do partido, segundos os estatutos, é um órgão e há toda a necessidade de concertação para haver uma orientação. Não queremos ser uma barreira ou entrave para o partido, mas pensamos que, se a direção entendeu que tinha condições para fazer o congresso sem o presidente do partido, só lhes tenho a desejar boa sorte.
- Quer dizer que não foi tido nem achado na preparação do congresso?
Até hoje, infelizmente não.
- Vai impugná-lo depois? Tudo isso torna-o ilegítimo?
Vou discutir a situação com os outros membros do partido para ver que medidas tomaremos. Estamos a aguardar.
- Que balanço faz dos anos de governação?
É altamente positivo. Em 2002, no Congresso realizado na UDIB, quando assumi a liderança do PAIGC, e tanto o partido como o país estavam numa situação de grande crise. Tínhamos acabado de sair da guerra fratricida de 1998/99 e havia toda a necessidade de um trabalho aprofundado para reerguer o partido e relançar o país. Sou empresário, e tinha grandes projetos a iniciar. Tive de suspender tudo. Entreguei as empresas à minha mulher e aos meus filhos, que conseguiram assegurar as empresas e eu fui responder o apelo do partido.
- Como se pode perceber o PAIGC, os muitos interesses que existem no partido?
Num partido grande, como o PAIGC, surgem sempre outras tendências. Faz parte da democracia ouvir as pessoas. Em 2004, quando fomos às eleições legislativas, conseguimos 45 dos 100 mandatos. Em 2008, conseguimos 67 mandatos. Isso quer dizer que não foi só o partido que votou na figura e na equipa do Carlos Gomes Júnior. Todo um povo começou a ver que havia uma esperança no fundo do túnel. O partido está, neste momento, dividido, porque há várias sensibilidades. A reunião magna vai dar possibilidade a cada um de apresentar o seu programa e objetivos para o partido. Amílcar Cabral dizia que o mais capaz é que deve estar à frente dos destinos do partido e do Estado. Esperemos que saia uma nova liderança que dê confiança e que aposte seriamente na unificação do partido e na estabilidade do país.
- E quem gostaria de ver à frente do partido?
Temos de apostar na pessoa mais capaz. O presidente do partido, segundo os estatutos, será o futuro chefe do Governo. Temos de apostar no mais capaz. Neste momento há várias pessoas na corrida, mas têm de, em primeiro lugar, pensar nas perspetivas do que podem fazer. Domingos Simões Pereira, por tudo aquilo que fez - fez, aliás, parte da minha equipa, e só não continuou porque foi chamado para as funções de secretário executivo da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). Apostamos seriamente nele e na equipa que certamente estará a acompanhá-lo. Deu provas, durante as funções à frente da CPLP, é um quadro conhecido e reconhecido internacionalmente, e, por isso, não temos dúvida nenhuma, sem menosprezar a capacidade dos outros. Temos de apostar em quem é capaz de relançar o partido e relançar a confiança internacional na Guiné-Bissau.
- Qual o rumo a seguir pelo partido? Qual o modelo que defende para a escolha de um primeiro-ministro?
Aprovamos os estatutos do partido no congresso de Gabu e é o que está vigente. Temos de ser coerentes. Deixemos os quadros e os juristas do partido analisar as coisas em função dos objetivos do partido. Somos membros da Internacional Socialista (IS) e basta ver a experiência dos partidos congéneres (que é igual - o presidente do partido é candidato a primeiro-ministro). Não vale a pena estar a fazer disputas académicas, que não levam a lado nenhum.
- Militares em Buba à sua procura e até revistaram carros das Nações Unidas. Como vê a situação?
São acidentes de percurso que, infelizmente, na Guiné-Bissau, começam a ser já demasiados e por isso é que fizemos a carta à ONU e aos outros organismos internacionais para analisarem friamente a situação na Guiné-Bissau e o que esperam das eleições que vamos fazer. Esse tipo de comportamento não é normal. Não é a primeira vez que esses acidentes acontecem.
Eu já fui alvo de quatro tentativas de assassinato. Na primeira tive de me refugiar na sede das Nações Unidas (em 2007). Nos acontecimentos de 01 de abril (2010), em que pela primeira vez na história de África o povo saiu à rua para exigir a libertação imediata do primeiro-ministro, a 26 de dezembro (2010) e a 12 de abril (de 2012). A Guiné-Bissau precisa urgentemente de fazer a reforma no setor da Defesa e Segurança, de umas Forças Armadas republicanas e que obedeçam ao poder político. Uma pessoa não se pode sentar de manhã e, à noite, resolver tomar uma decisão (golpes de Estado dos militares). Se se está num Estado de Direito, com responsabilidades junto da comunidade internacional, temos de criar instituições credíveis, para que se possa fazer uma cooperação séria com os parceiros de desenvolvimento.
- Enquanto presidente do PAICV como vê a eleição do novo líder parlamentar do partido (Otávio Lopes) e a questão dos sírios que embarcaram para Lisboa a partir de Bissau e o incidente em Buba?
São situações extremamente graves. Isso demonstra como a situação se aproxima de caos, em que cada um tenta saltar do barco e fazer as cosias à sua maneira. O PAIGC é um partido maduro, tem dirigentes com experiência e a Guiné-Bissau tem de começar a ultrapassar este tipo de situações. Em relação aos sírios, ao incidente com a TAP, é extremamente grave e completamente inadmissível num Estado de Direito. Se virmos o que aconteceu a 11 de setembro (de 2001) nos Estados Unidos, como é que se pode meter passageiros que foram identificados de forma caótica a entrar num voo internacional. Não é normal. O Governo deveria ter pedido desculpas às autoridades portuguesas, tentaria sentar-se à mesa e arranjar outra forma de controlo de maior segurança. Ao fim e ao cabo, quem está a ser penalizado é o povo da Guiné-Bissau. São os nossos emigrantes, que são obrigados a dar uma volta grande para chegar ao país com os seus parcos recursos.
- Quando vai regressar à Guiné-Bissau?
Está tudo dependente da vontade política do próprio Governo de transição e das garantias que as Nações Unidas têm de dar antes de regressar.
- Que tipo de garantias?
Não só de segurança ao cidadão Carlos Gomes Júnior mas também para os eleitores e cidadãos guineenses. Não quero uma segurança exclusiva para mim. O problema é que, num Estado de Direito, não se pode estar a governar um país desta forma. Se pensarmos que a comunidade internacional vai desembolsar 20 milhões de dólares para a realização de mais umas eleições, elas têm de ser credíveis. Não sendo credíveis, a comunidade internacional tem de rever como as eleições vão ser controladas. E as Nações Unidas têm de enviar uma força de interposição que controle as eleições e garanta a segurança da população, para que possa votar livremente. Se não votar livremente e em consciência, não vejo a necessidade de fazer uma eleição atabalhoada como estamos a fazer.
- E em relação ao incidente em Buba? Estava presente em Buba?
(Risos) Estava numa conferência internacional realizada em Vera Cruz, no México. Cheguei no sábado à noite (à Cidade da Praia). Não sei como posso estar no México, a 18 a 20 horas de voo, e estar, ao mesmo tempo, em Buba.Só se for um fantasma. São situações que levam a uma análise patética em pleno século XXI.
- Pode ser interpretado como um aviso dos militares, do género “estamos atentos”?
Eles conhecem bem o Carlos Gomes Júnior. Não respondo a subordinados. Sou o chefe, sou o primeiro-ministro legítimo da Guiné-Bissau. Não tenho medo de assumir as minhas responsabilidades. LUSA