sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Luís Vaz Martins: 'Narcotráfico afecta direitos humanos na Guiné Bissau'


Em declarações à imprensa à margem da I Conferência Internacional Sobre Políticas de Drogas nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), que terminou Quinta-feira na cidade da Praia, em Cabo Verde, Luis Vaz Martins defendeu que a situação vigente fica a dever-se à fragilidade das instituições, agravada pela situação política que o país vive devido à permanente interferência dos militares.
“As instituições são frágeis e há um problema de responsabilização, não só no que se refere a crimes relacionados com o narcotráfico como no que toca aos de motivação política, nomeadamente homicídios” pontuou aquele activista social.

Na interpretação de Luis Vaz Martins, essa realidade “tornou-se mais evidente desde o Golpe de Estado (ocorrido a 12 de Abril de 2012)”, mas a esperança, perspectiva, é que esses problemas se resolvam com o regresso do país à normalidade a partir das eleições previstas para 16 de Março do corrente ano.

O povo não merece

“Sabemos que o que se está a passar em relação ao narcotráfico na Guiné-Bissau ocorre a um nível macro, mas entendemos que apelidar o país de narco-Estado não é a melhor forma de resolver o problema porque, ao fazê-lo, estamos a criar mais problemas que o próprio narcotráfico”, defendeu o presidente da LGDH.

Em jeito de chamada de atenção visando contrariar a estigmatização de que considera estar o seu país a ser vítima, Luís Vaz Martins entende que é necessária prudência na identificação e designação de certos fenómenos, uma vez que, na sua opinião, o povo guineense não merece o sofrimento porque está a passar. “Toda a sociedade guineense está a lutar para que a problemática da droga seja abordada sob outros ângulos, uma vez que o país, com as instituições que tem, passa por uma fase bastante delicada que está a ser aproveitada pelos barões da droga”, referiu.

Neste ponto, o presidente da LGDH voltou a invocar a questão da ausência de responsabilização daqueles que se dedicam ao narco-tráfico, promovida, na sua leitura, por pessoas que “assaltaram os poderes cimeiros da República e os órgãos de decisão para institucionalizarem o negócio criminoso da droga”.

“Acredito que esta é apenas uma fase que a Guiné-Bissau está a atravessar e que vai ultrapassar assim que se normalize a situação política, mas em circunstância alguma aceitamos o termo narco-Estado para designar a o nosso país”, enfatizou.

De qualquer forma, na opinião de Luís Vaz Martins, as implicações do fenómeno do narcotráfico na vida dos cidadãos guineenses são evidentes e graves, afectando de forma negativa a observância dos direitos humanos naquele país.

“O tráfico de drogas tem contribuído negativamente para a afirmação da democracia e esteve presente no último Golpe de Estado” afirma peremptoriamente o activista dos Direitos Humanos, considerando que “quando, devido ao narcotráfico, não consegue afirmar-se e criar condições de bem-estar, realizar a justiça em nome do povo e garantir a segurança dos cidadãos, essa criminalidade está a conduzir o Estado ao falhanço.

A omnipresença dos militares

Essa é a situação concreta que a Guiné-Bissau está a viver, diz o presidente da LGDH, que atribui as responsabilidades, não apenas aos autores do Golpe de Estado de 12 de Abril de 2012 como, igualmente, aos militares que, no passado, estiveram na base de outros momentos de instabilidade política que o país viveu.

“Acreditamos que essa é a realidade porque a Guiné-Bissau fez um percurso muito complicado na sua ascensão à independência, tendo o seu território sido palco de uma luta de libertação muito renhida que não lhe permitiu preparar-se para uma boa transição”, defendeu Luís Vaz Martins, lembrando que tanto nessa fase como depois da independência e posteriormente, foram os militares que sempre dirigiram o país.

A omnipresença dos militares no poder na Guiné-Bissau é algo que não pode ser negado, segundo aquele activista dos Direitos Humanos, que destaca o longo período, de quase duas décadas de liderança, de Nino Vieira e, após o golpe que o depôs, a interferência permanente e activa dos homens dos quartéis, “que se assumem como donos da história”, na vida política do país.

“Por isso, pensamos que os militares têm uma forte quota de responsabilidade, se bem que tendo contado sempre com a cumplicidade de uma classe política pobre e sem argumentos que lhes permite ter uma posição muito nefasta de per- turbação da vida pública na Guiné- Bissau” afirma Luís Vaz Martins.

Processo anormal

O presidente da LGDH comentou igualmente, “com preocupação”, a morosidade e a desorganização que tem marcado o processo de recenseamento eleitoral de cidadãos guineenses que está a decorrer, nomeadamente em Cabo Verde, tendo em vista a constituição dos cadernos para as eleições de Março próximo.

Luís Vaz Martins enalteceu o forte interesse que os seus conterrâneos estão a manifestar em relação ao recenseamento e às consequentes eleições, afirmando esperar que essas expectativas não fiquem frustradas pelos constrangimentos que se vêm registando.

O esforço da representação consular da Guiné-Bissau em Cabo Verde no sentido de levar o recenseamento a outros pontos do arquipélago, apesar de só dispor de um kit, também foi destacado como “positivo” pelo presidente da LGDH, que receia, no entanto, que um número significativo de potenciais eleitores fique por recensear.

“Todo este processo, mesmo ao nível do território da Guiné-Bissau, está a funcionar com uma certa anormalidade porquanto se tinha previsto 21 dias para o recenseamento mas foi necessário, no entanto, alargar o prazo”, indicou Luís Vaz Martins, para quem o prazo suplementar pode não ser suficiente para recensear todos os 800 mil potenciais eleitores guineenses.

As consequências poderão vir a ser uma nova dilatação do prazo de recenseamento e o consequente adia- mento das eleições, na perspectiva do activista guineense, para quem o principal resultado seria a perpetuação do regime militar vigente na Guiné-Bissau.

“É uma situação que nos preocupa imenso porque é urgente pôr um ponto final neste clima de ditadura militar que se tem vivido, marcado por perseguições, restrições às liberdades civis fundamentais, nomeada- mente de manifestação e expressão, espancamentos de cidadãos e, inclusivamente, assassinatos, além da inoperância absoluta do aparelho do Estado”, conclui Luís Vaz Martins.

Orlando Rodrigues correspondente em Cabo-Verde do jornal angolano «O País»