sexta-feira, 27 de abril de 2012

OPINIÃO: O país não anda nem desanda, preso num impasse: o poder castrense sabe que já perdeu e anda a fazer contas

Por: António Rodrigues[*] Para onde vai um golpe militar que já não tem para onde ir e tem tudo para correr mal? Na Guiné-Bissau, a enésima sublevação do poder castrense não conseguiu o que os militares pensavam e está estacada no meio de uma ponte suspensa – indecisos os actores do próximo passo a dar. A partir daqui estão reunidas as condições para que tudo dê para o torto. Talvez seja por isso que o rosto por trás da intentona, ao que tudo indica o do chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, António Indjai, teime em não se revelar publicamente como tal e continue a falar pela boca do seu director de gabinete, denominado porta-voz do Comando Militar, o tenente-coronel Dabo Na Walna. Tal como no livro de Joseph Heller “Catch-22”, também os militares se viram agora numa situação armadilhada para a qual, tendo em atenção o (pouco) de-senvolvimento dos últimos dias, só podem sair a perder. Se recuarem – repondo a ordem constitucional, libertando o presidente interino Raimundo Pereira e o primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior, restituindo-os aos seus cargos e deixando que as eleições presidenciais de 18 de Março tenham, finalmente, a segunda volta (com a disputa entre Carlos Júnior e Kumba Ialá, os dois candidatos mais votados na primeira) –, não só abdicam da aura de intocáveis como perdem parte da capacidade de condicionar o poder civil que mantinham desde a independência do país em 1975. A ameaça de um golpe militar que sempre pairava sobre qualquer governante guineense como espada de Dâmocles cessa de existir. Haverá outras espadas – um país não muda de um dia para o outro –, mas menos suspensas. Se insistirem em levar o golpe para a frente – procurando substituir o poder eleito nas urnas por um Conselho Nacional de Transição fantoche, feito de formações políticas pouco representativas aliadas ao PRS (fundado por Kumba Ialá, a quem o PAIGC e Angola acusam de ser o inspirador do golpe) –, terão de haver-se com uma força de interposição internacional que acabará por ganhar o braço-de-ferro e, no fim, o resultado será o mesmo: os militares serão obrigados a abdicar dos trunfos que sempre mantinham na manga para ganhar os jogos de influências. Habituados a resolver tudo pelas armas, com uma hierarquização inerente que permite manter um nível de organização razoavelmente elevado num país que ainda dá os primeiros passos ao nível das instituições políticas e judiciais, os militares subestimaram as mudanças em termos internacionais que são aquelas que deveriam ter tido mais em conta neste golpe militar. Primeiro, a intolerância da comunidade internacional para os golpes de Estado vem a acentuar-se nos últimos anos. Bastava ver a reacção da CEDEAO e da ONU em relação ao golpe no Mali para saber que o clima era pouco propício a tais desideratos. A conjuntura não é favorável a acções externas às instituições democráticas. Segundo, porque Portugal, a caminho das quatro décadas do fim do império, mais ou menos liberto da culpa colonialista e com um ministro dos Negócios Estrangeiros interessado em afirmar a CPLP como uma verdadeira organização internacional activa e não apenas uma de facto, assumiu uma posição inequívoca de condenação do golpe e de apoio incondicional aos representantes eleitos do povo guineense – aproveitando o facto de ter assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas para influenciar o órgão nesse sentido. Terceiro, porque na questão está envolvida Angola, que quer afirmar-se como potência na África subsariana e em quem o governo de Gomes Júnior confiava para reformar as forças armadas guineenses. A Luanda interessa-lhe fortalecer os laços com Bissau e ter um pé mais forte na região, onde já tem em Teodoro Obiang, o ditador da Guiné Equatorial, um aliado (os equato-guineenses contam com o apoio de Angola para conseguir aderir à CPLP). Por: António Rodrigues, Editor internacional do jornal "i".