A uma semana das presidenciais antecipadas, o ex-primeiro-ministro guineense Carlos Gomes Júnior fala ao SOL. O líder do PAIGC admite que Bissau tem um défice de imagem, mas fala em estabilidade e crescimento. Aos 62 anos, Carlos Gomes Júnior deixa a chefia do Governo e é o candidato do partido do poder nas eleições presidenciais de 18 de Março, antecipadas após a morte a 9 de Janeiro do chefe de Estado Malam Bacai Sanhá.
As presidenciais de 18 de Março podem também ser vistas como um referendo ao seu legado enquanto primeiro-ministro. Sente-se confortável com isso?
Não penso que estas eleições possam servir para julgar a minha actuação enquanto primeiro-ministro. Mas, se o eleitorado assim o entender, estou confortável com o legado que deixo enquanto primeiro-ministro. Apesar de alguns incidentes menores, como os ocorridos no final do ano passado, hoje a Guiné-Bissau vive um período de paz e estabilidade, reconhecido aliás não apenas pelos guineenses, mas também por diversas instituições internacionais.
As greves na administração pública repetem-se, e em Dezembro o país voltou a viver momentos de agitação militar. A Guiné-Bissau está hoje melhor do que quando a encontrou?
A Guiné-Bissau está hoje um país melhor, embora muito exista ainda para fazer. O meu Governo investiu muito na função social do Estado. Existiram aumentos salariais e registou-se uma subida do salário mínimo nacional. Existe hoje em dia um maior controlo da despesa pública, e o esforço que o País está a fazer é reconhecido pelas instituições internacionais. Repare, em quatro anos passamos de um crescimento negativo de - 2,8% para um crescimento positivo que oscila entre os 4,5% e os 5,2%. Tudo isso foi feito com muito esforço de todos. A agitação de que fala é residual e decorre de algo que temos vindo a resolver aos poucos. Queremos fazer uma reforma condigna da Segurança e das Forças Armadas que possa valorizar os nossos militares e dignificá-los enquanto pilar essencial da nossa sociedade, do nosso País e da nossa independência.
Pretende abandonar por completo a actividade executiva ou poderá a Guiné-Bissau vir a ter um Governo de iniciativa presidencial?
Eu acredito e defendo a separação de poderes. E embora o partido seja o mesmo (PAIGC), a chefia do Governo estará nas mãos de uma pessoa muito competente, em quem deposito toda a minha confiança. Claro está que isso facilita o diálogo entre as instituições e eu enquanto chefe de Estado estarei atento, colaborante e dialogante, mas é ao Governo que compete governar. O meu papel como primeiro-ministro acabou e entendi que posso ser muito mais útil ao meu país na Presidência da República. É também por isso que me candidato.
Quem gostaria de ver suceder-lhe na chefia do Governo?
A escolha caberá aos meus camaradas do partido e os seus militantes. Como lhe referi, defendo a separação de poderes e quando for eleito chefe de Estado deixarei igualmente a liderança do PAIGC. O partido tem quadros competentes, com experiência, e o passado tem mostrado que, quando a hora chega, sabem não apenas escolher o melhor mas rodearem-se dos melhores. Não estou preocupado com a minha sucessão, estou optimista com o futuro do meu país.
Quais as suas prioridades para a Presidência?
Quero, acima de tudo, contribuir como elemento agregador e pacificador do meu povo. Serei o seu primeiro representante, no país e no exterior. Sei que a imagem externa da Guiné-Bissau reflecte uma realidade que não é a mais exacta e correcta. Os guineenses vivem tempos difíceis – um pouco como acontece em todo o mundo, incluindo Portugal – mas acredito que a nossa vontade como Povo vai superar os desafios que enfrentamos. Todos somos chamados a esta tarefa e eu, enquanto Presidente da República, tudo farei para que amanhã o meu povo possa viver melhor.
A oposição afirma que a sua candidatura é inconstitucional pelo facto de um primeiro-ministro não poder ser demitido por um Presidente interino, nem por poder alguém acumular os cargos de primeiro-ministro e Presidente. Como responde?
Essa é uma falsa polémica e uma falsa questão que está a ser trazida por alguns elementos da oposição para tentar incendiar a campanha e confundir o povo. O acesso de qualquer guineense ao mais alto cargo do país é constitucionalmente garantido. Irónico seria se isso não fosse permitido a alguém que ocupava até há pouco tempo a chefia do Governo. As instituições nacionais competentes já se pronunciaram pela legalidade da minha candidatura e até mesmo reputados constitucionalistas internacionais – como o Dr. Jorge Miranda – confirmaram a legalidade da minha candidatura. Estou sereno e confiante e sei que isto também não passa de manobras de alguma oposição, porque sabem que o PAIGC e eu próprio estamos em condições de vencer e logo à primeira volta.
Dados os conhecidos problemas com a actualização dos cadernos eleitorais, acredita estarem reunidas condições para uma eleição livre e justa?
Nesse aspecto, nós estamos à vontade. Fomos a primeira força política a apelar para que o prazo dos 60 dias fosse alargado para permitir que os cadernos eleitorais fossem actualizados e que fossem registados os novos eleitores. Será uma eleição livre e justa, com vários observadores internacionais a atestá-la, algo que sempre defendemos. Queremos olhar a Guiné-Bissau para o futuro e não estar presos ao passado. A 18 de Março há uma nova oportunidade para o país e para o seu povo e sabemos que esta não irá ser desperdiçada.
Dispõe de sondagens? A eleição poderá ficar resolvida à primeira volta?
Estamos muito confiantes que a 18 de Março a maioria dos eleitores vai escolher o PAIGC como força política mais votada e eleger-me como Presidente da República. As pessoas conhecem-me, conhecem o meu trabalho e a minha obra e os eleitores sabem que Carlos Gomes Júnior é o único candidato que lhes oferece a certeza de um futuro melhor.
Que palavras merecem os seus mais directos rivais Kumba Yalá, Henrique Rosa e Serifo Nhamadjo?
Eu respeito todos os candidatos. Quero fazer uma campanha pela positiva e estou a fazer essa campanha. Não entro em polémicas estéreis, mesmo quando criadas pelos meus adversários.
O país ainda não alcançou a desejada estabilidade. Como conta promovê-la na Presidência?
O poeta costuma dizer que o caminho faz-se caminhando. Hoje estamos melhores que ontem e amanhã estaremos melhores que hoje. Acredito que estas eleições serão determinantes, não apenas ao nível nacional mas também junto da comunidade internacional, para mostrar que a Guiné-Bissau caminha na senda do sucesso. E com o sucesso vem a estabilidade e a paz que todos queremos e desejamos.
Qual a sua relação actual com o CEMGFA António Indjai?
É uma relação cordial e de respeito.
Que balanço faz da colaboração angolana? Pretende vê-la reforçada?
Angola tem sido um bom amigo da Guiné-Bissau e esperamos e contamos com a sua leal colaboração. Sentimos que somos parceiros, unidos por um passado comum e com um futuro onde os dois, preservando as suas independências enquanto países, podem continuar a trabalhar nos vários domínios que até aqui temos desenvolvido. Queremos reforçar a cooperação internacional, não apenas com Angola, mas com todos os estados com os quais nos sentimos próximos e onde percebemos que os nossos objectivos são comuns.
Como é público, a Guiné-Bissau é hoje vista como um narcoestado por vários observadores externos. O que está a ser feito para alterar esta situação e que contributo conta prestar na Presidência?
A Guiné-Bissau tem desenvolvido um intenso combate a este flagelo e temos contado com o apoio das organizações internacionais. Temos determinação e temos vontade e o Governo que liderei deu um sinal claro nesse combate. Mas temos a consciência que estamos a lidar com um inimigo poderoso e sabemos que este não é um combate que vencemos sozinhos. Mas acredito que a comunidade internacional irá ajudar-nos a combater este flagelo.
Como se consegue ‘vender’ uma Guiné-Bissau com défice de imagem aos investidores estrangeiros?
Penso que aqui há duas palavra-chave: credibilidade e estabilidade política. Temos feito um esforço no sentido de consolidar as contas públicas e esse esforço tem tido resultados práticos e é reconhecido pelas instituições internacionais. Acredito que é uma questão de tempo até que novos investidores internacionais vejam que a Guiné-Bissau é um país de futuro e onde vale a pena investir.
Quais os grandes vectores para o desenvolvimento do país?
Continuamos a apostar na agricultura e nas pescas, que garantem a subsistência de inúmeras famílias guineenses. Mas não só. Acreditamos que o investimento estrangeiro será benéfico para o desenvolvimento da Guiné-Bissau. Há muito para fazer no país e estamos dispostos a arregaçar as mangas e trabalhar em conjunto com quem queira investir e apostar no futuro da Guiné-Bissau. Acreditamos que, com a estabilidade política e social, virão novas oportunidades de desenvolvimento.
Quais os maiores desafios?
Acima de tudo, acho que o maior desafio é o da estabilidade política e social no país. Assim que esta seja uma realidade que também seja percebida lá fora, da mesma forma que já é vivida e sentida pelos guineenses, acredito que a Guiné-Bissau se irá levantar. Temos o turismo para desenvolver, por exemplo, com o arquipélago dos Bijagós a ser um verdadeiro diamante em bruto para ser explorado. Outra das apostas vai ser o sector minério.
Como tem acompanhado a situação no vizinho Senegal?
O Senegal é um país irmão e tudo o que se passa no Senegal acaba sempre por afectar, directa ou indirectamente, a Guiné-Bissau. Temos boas relações de vizinhança com este país e pertencemos à mesma comunidade (UEMOA, União Económica e Monetária do Oeste Africano e CEDEAO, Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) e estamos sempre prontos a que tudo se faça para que entre vizinhos tudo corra bem. Acompanhamos com alguma preocupação o acto eleitoral que também decorre no país, mas sabemos que quem quer que seja que os senegaleses escolham será sempre um bom amigo da Guiné-Bissau. E isso para nós é o mais importante.
No quadro da Lusofonia, qual o estado das relações com Cabo Verde, Portugal e Brasil, e quais as expectativas para o futuro próximo?
Temos as melhores relações com os países que referiu e também com os nossos restantes irmãos lusófonos de Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e também com Timor-Leste. Acredito que todos juntos somos mais fortes e que o nosso passado e herança comum hoje liga-nos e identifica-nos no mundo. A CPLP está com um dinamismo extraordinário e orgulhamo-nos do trabalho que o guineense Domingos Simões Pereira tem estado a desenvolver. A língua Portuguesa tem força e voz no mundo. Trabalhamos juntos para que o futuro seja melhor e que nos possamos ajudar mutuamente.
Entrevista: Pedro Guerreiro
Jornal 'Sol', Lisboa