sexta-feira, 23 de março de 2012

O ponto de não retorno

"Ola António Aly Silva,

Aproveito o ensejo para saudar-lhe, desejando que esteja de boa saúde, junto dos seus. Não vou aqui tecer grandes considerandos, em relação ao seu trabalho no blogue, por estar certo, que só mantendo um forte carácter, é-se capaz, ao fim destes anos todos, de continuar a informar e formar toda uma comunidade.

Ainda que aqui e acolá não concorde com algumas opiniões, há que reconhecer o mérito a quem de direito. Em relação ao seu "post" - Desde Quando?, agradecer-lhe a oportuna e esclarecida análise. Não sendo um especialista em direito, envio-lhe a minha análise, em forma de reacção.

Saudações desde Lisboa
Bem haja


"Realmente, estas eleições Presidenciais de 18-03-2012 que se justifica pela vacatura do cargo de Presidente da República, poderia ser objeto de um case study. A começar pelo posicionamento do atual primeiro-ministro, em declarar-se como o candidato natural do Partido no Governo, a todos os condicionalismos gerados dentro do mesmo Partido, passando pelos inúmeros artigos de opinião que se emitiram, a respeito da constitucionalidade ou não de tal candidatura.

Registo com alguma consternação, o facto de ler artigos de gente formada na área, que deveria ter o cuidado de exercer sempre a intelectualidade com o devido distanciamento, sob pena, de passar-se a ser visto como pseudointelectuais. Falou-se e procurou-se invocar inúmeros artigos da Constituição da República, nos art. 65º, art. 71º nº 4, para invocar e a meu ver, algumas vezes corretamente, a inconstitucionalidade da candidatura do atual primeiro-ministro, porquanto ser membro de um órgão de soberania, e derivar das limitações funcionais do Presidente República Interino em demitir ou aceitar a demissão do Primeiro-ministro.

Sem querer entrar em questões de índole jurídica, deixando-a para os entendidos, levanto as seguintes questões: Nos candidatos aprovados ao pleito eleitoral de 18-03-2012, não existe um candidato independente que é Presidente Interino da Assembleia Nacional Popular? Não é a Assembleia Nacional Popular outro órgão de soberania (art. 59 nº 1 CR)? Alguém questionou esse fato?

Não existe um candidato independente que é Ministro do atual Governo? Não é o Governo também outro órgão de soberania? Alguém o demitiu? Alguém aceitou a sua demissão? É constitucional a mesma? Quer me parecer que em questão de jurisprudência, para não dizer senso comum, se por razões de constitucionalidade, uma candidatura não deve ser aceite, todos os outros nas mesmas condições deveriam ser objeto do mesmo juízo.

Quero crer, que os nossos ditos especialista e formados em matéria de direito e de direito constitucional, teceram considerandos, baseado numa interpretação exclusiva de direito, com imparcialidade e sem prejuízo de qualquer dos candidatos. Ou não terá sido assim? “Ampus”.
Mas, eis que, o Supremo Tribunal de Justiça valida dez (10) candidaturas, rejeitando outras por manifestas ilegalidades. Enumerou-se as ilegalidades das candidaturas rejeitadas, mas alguém conhece algum acórdão, invocando as razões para a validação das outras dez candidaturas? Não houve uma providência cautelar contra uma candidatura? Alguém sabe do seu destino?

Votou-se pela candidatura do primeiro-ministro, havendo um empate dos Juízes do STJ. O desempate confirmou-se com o voto da Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Fundamentou-se o voto? Aquando da candidatura do malogrado Presidente Nino Viera, o processo não foi o mesmo?
Mas tudo continuou bem pelo Reino da Dinamarca, e entramos em Campanha eleitoral.

Alguém viu ou ouviu algum debate televisivo ou radiofónico entre os candidatos? Alguém viu algum conteúdo programático de algum candidato? Ouviu-se sim, uma mão cheia das baboseiras do costume, cada um reclamando ser o garante da estabilidade ou da paz, como se a estabilidade e a paz fossem um conceito em si, ou fossem, quiçá, dotados de alguma varinha de condão que nunca usaram antes nas funções desempenhadas, aguardando pelo momento certo, ou seja, o cargo máximo da magistratura, para salvarem o País.

De um lado, o candidato primeiro-ministro, justifica como pode, a razão de ser o candidato contra os malfeitores do partido. Dizer que se candidata às Presidenciais, para que as forças do mal não derrubem o governo do P.A.I.G.C. é no mínimo, redutor. No entanto, do outro lado da barricada, apesar de se esperar clarividência, foi o que se viu. Zero. Niente. Usou-se e abusou-se da crítica fácil, sem procurar debater alternativas credíveis. Quanto às propostas e promessas, outro desfasamento. O que se prometeu, em geral, tem mais a ver com funções governamentais do que com as presidenciais, o que com muita pena, demonstra a impreparação de muitos dos nossos, que se dizem políticos.

Por fim o dia do voto. Dia 18-03-2012. Abro aqui um parêntesis para saudar o povo pela sua forma ordeira e urbana em que exerceu o direito ao voto. Logo nas primeiras horas, candidatos houve, que acenaram com a bandeira de ilegalidades e suposta fraude. Ora, alguém apresentou alguma prova do que acabara de afirmar? Não tinham delegados nas mesas de voto? Não é normal haver um contacto com os delegados representativos de cada candidato a fim de alavancar do normal funcionamento das mesas de voto?

Essas irregularidades foram transmitidas por quem e com que fundamentos? Ou tratou-se do nosso velho “ouviu dizer”? Se houve irregularidades, apresentam-se queixas com provas. Criticar ou levantar suspeições sobre o ato eleitoral, sem apresentar dados que os fundamente, é no mínimo, constrangedor para quem o faz, porém revelador.

Os observadores internacionais deram o seu parecer, salientando a normalidade e legalidade das eleições, exortando os candidatos a assumirem postura democrática, aceitando e reconhecendo a vontade popular expressa no escrutínio.

E começam a surgir alguns dados sobre o resultado da consulta popular. E que dados!
Sabia-se, desde o início do processo, que o candidato primeiro-ministro teria uma votação expressiva, havendo no ar a possibilidade duma vitória clara. Dos restantes candidatos, esperou-se que fosse o candidato Henrique Rosa a fazer frente, beneficiando do dispersar de votos dentro do P.A.I.G.C em Serifo Namadjo. Kumba Yalá, foi por alguns, visto como corredor de fora, isso para não falar em Baciro Djá ou Afonso Té.

Que nem a tartaruga na fábula de Esopo, Kumba Yalá ultrapassa num ápice os candidatos Serifo Namadjo e Henrique Rosa, provocando uma segunda volta, tirando a vitória a Cadogo Jr. Surpreendeu muita boa gente. Chegamos então ao facto improvável para muitos, de ter Cadogo Jr. Vs. Kumba Yalá numa segunda volta.

Se quisermos analisar estas eleições presidenciais antecipadas, por vacatura, poderemos identificar e escrutinar de forma evidente a incomensurável lista de infelicidades, disfuncionalidades e irregularidades de todo um processo de transição, que poderia ter sido um sucesso. Poderia, se se tivesse observado as regras da democracia. Não o foi. Levantando-se agora as mais (i) legitimas suspeitas sobre todas as suas intrínsecas complexidades.

No entanto, chegamos ao Ponto de Não Retorno.

Urge saber, uma vez que, não poderão mais assobiar para o lado, muito menos adoptar a postura da avestruz, o que irão fazer os candidatos com maior expressão eleitoral. Irá Baciro Djá, mas principalmente Serifo Namadjo e Henrique Rosa apoiar que candidato na segunda volta? Dar-se á a mão à palmatória apoiando Cadogo Jr? Apoiarão Kumba Yalá? Será Kumba Yalá, a figura que entendem como capaz de gerar consensos, procurando ser o garante da tão propalada paz e estabilidade nacional, usando uma boa magistratura de influência? Kumba Yalá já foi Presidente da Republica com os resultados que todos conhecemos.

Afirma-se existir fortes indícios (indícios?) de irregularidades apontando o dedo acusador à C.N.E. Exige-se a nulidade da consulta popular, clamando por um novo recenseamento eleitoral. Por acaso, antes da apresentação das candidaturas, algum candidato desconhecia as condições excepcionais de todo este processo? Alguém foi coagido a apresentar a candidatura? Haja postura. O clima é tenso. Os dados estão certamente lançados. A ver vamos. Haja coragem. Haja esperança.
Jair A."