"A China conheceu nos anos sessenta um grupo de quatro membros do seu potente Partido Comunista, entre os quais a mulher do Próprio Presidente Mao Tsé-Tung, que marcou a história mundial por ter querido aprofundar e radicalizar a revolução que tinha sido abalada pelo fracasso do plano económico Grande Salto em Frente (1958-60). Este fracasso levou à morte pela fome de milhões de chineses. Este grupo ficou conhecido na história por Bando dos Quatro e dirigiu com os guardas vermelhos, na sua maioria quase- adolescentes, a grande Revolução Cultural.
Em 1976, após a morte de Mao, os membros desse grupo foram detidos e condenados pelos excessos da revolução que de cultural teria muito pouco pois destruíram a intelectualidade chinesa, acusada de conivência com o pensamento ocidental. As penas foram severas, pena de morte para os dois principais líderes, entre os quais Jiang Qing, a mulher de Mao, e vinte anos para os restantes. A pena de morte foi posteriormente comutada pela pena de prisão perpétua.
Na Guiné-Bissau, na sequência das eleições presidenciais antecipadas de 18 de Março de 2012, um novo grupo se formou para contestar essas eleições e recusar participar na sua 2ª volta. Esse grupo é formado por cinco candidatos e é dirigido pelo segundo candidato mais votado, Kumba Yala, antigo Presidente da República. Os outros membros do grupo, com excepção de um deles que não ocupou ainda nenhum cargo relevante, são individualidades que marcaram a política do país ao mais alto nível, antigo Presidente da República Interino, antigo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Presidente de Assembleia Nacional em exercício (com mandato suspenso para eleições).
Este grupo de personalidades de peso na política guineense poderão vir a ser designadas na história do nosso país como Bando dos Cinco caso as suas reivindicações vierem a ter efeitos por elas desejados. Uma coisa será certa, a história irá se lembrar dos seus excessos, não de revolução, como foi o caso do Bando dos Quatro, mas de reacção.
Este Bando dos Cinco apresentou-se à imprensa no dia 20 de Março, antes da publicação dos resultados provisórios da 1ª volta pela CNE, para denunciar fraudes no acto eleitoral e exigir novo recenseamento eleitoral. Por estas duas razões o Bando dos Cinco anunciou não se apresentar na 2ª volta e exigir a anulação do escrutínio. No dia 23 de Março, numa nova conferência de imprensa, o bando ameaçou recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça para impugnar o acto eleitoral em curso.
Se analisarmos de perto os argumentos apresentados, se de facto houve fraudes elas poderão ser verificadas e comprovadas pelas instâncias legais criadas para o efeito, nomeadamente a CNE e o Supremo Tribunal de Justiça. Neste caso a renúncia a participar na 2ª volta só seria compreensível depois do veredicto destas instâncias. A democracia é também confiança na capacidade das instituições democráticas arbitrarem as contendas.
Se se parte do princípio que as instituições não são válidas e se decide por elas antes de se pronunciarem sobre as queixas a elas dirigidas, pode-se perguntar para quê servem e, mesmo, em última instância, para quê apresentar as queixas. É um excesso, nesse caso de reacção, invocar fraudes, apresentar queixa sobre elas em instâncias legais e, antes do veredicto, decidir não se apresentar às urnas na 2ª volta. Isto significa tomar uma decisão antes que as instâncias habilitadas para tal se pronunciassem sobre a legalidade ou ilegalidade das queixas apresentadas, da sua dimensão, da sua correcção e mesmo, quiçá, da eventual anulação do acto eleitoral.
O segundo argumento apresentado tem a ver com o recenseamento eleitoral que devia ser feito e não se fez. As razões invocadas pelo Bando dos Cinco já vinham expressas anteriormente num ópusculo de Delfim da Silva intitulado «Guiné-Bissau. Que é fazer política? Pensem por favor». Estas razões são válidas na medida em que não abona em nada à democracia ter uma parte do eleitorado fora do jogo democrático por razões que se prendem com ineficácia e mesmo por prazos exíguos que poderiam ter sido alterados havendo consenso.
Foi exactamente isso que faltou e não se pode vir agora imputar as responsabilidades a este ou àquele quando a sua obtenção teria que ser um processo de concertação colectiva e de cedências mútuas. O que não foi feito, para nosso pesar. Se a exigência de um novo recenseamento fosse uma condição sine qua non para uma real representatividade democrática destas eleições presidenciais antecipadas, como está a ser defendido pelos cinco candidatos, deviam tê-lo exigido à partida e não fazer cedências sobre esse princípio.
O que se devia esperar de um grupo tão afeiçoado a essa representatividade seria a recusa de participar na 1ª volta das eleições. Certamente uma tal posição teria mudado muito o curso dos acontecimentos. Após a participação activa na 1ª volta vir invocar a ausência de um novo recenseamento para não se apresentar na 2ª volta soa a excesso, a excesso de reacção, por falta de ponderação e argúcia.
Caros senhores membros do Bando dos Cinco, não sei se se dão conta do mal que estão a fazer ao país neste momento e a exasperação que estão a provocar junto dos eleitores guineenses.
O autor destes comentários pede-vos algum discernimento se for ainda possível. Confiar nas instituições democráticas e esperar pelo seu veredicto antes de uma decisão precipitada. Só podem ganhar com a negação da recusa à participação na 2ª volta. Não é nada certo que o vosso candidato perca, até porque se trata de um homem carismático, e com capacidade provada de arrastar multidões. Ele parece ter agora maior maturidade e poder, enfim, vir a pôr em prática algum programa credível de democracia e desenvolvimento. Esperemos.
Por outro lado, se o candidato mais votado na 1ª volta tiver obtido a sua votação por fraude, como é acusado, é de se esperar que os eleitores na 2ª volta o irão penalizar, e ele correria o risco de descer abaixo dos 49%. Assim o vosso candidato teria grande chance de vir a ser o novo Presidente da Guiné-Bissau. Se assim for, só podemos desejar-lhe de avanço força e razão suficientes para presidir bem o nosso país, que realmente muito precisa.
EETF- Bissau, 27/03/12"