sexta-feira, 1 de junho de 2012

AMNISTIA INTERNACIONAL sobre a GUINÉ BISSAU



Introdução

Várias semanas após um golpe militar que depôs o governo civil na Guiné-Bissau, a Amnistia Internacional continua preocupada com os ataques continuados aos direitos humanos e a supressão das liberdades, incluindo a liberdade de expressão e de imprensa, reunião e circulação.

As medidas repressivas impostas para silenciar as críticas ao autodenominado Comando Militar que tomou controlo da capital Bissau, e aos seus apoiantes civis, mantêm-se em vigor. As manifestações foram proibidas e o Comando Militar emitiu repetidos avisos aos que tentam protestar. Várias pessoas, principalmente membros do governo, de alguns partidos políticos e de grupos da sociedade civil permanecem escondidos desde o golpe, temendo pelas suas vidas. A Amnistia Internacional continua a recear pela segurança destas pessoas e apela à sua protecção. A organização está também preocupada por os meios de comunicação social só conseguirem funcionar sob uma censura rigorosa e desde que não critiquem as autoridades militares e os seus apoiantes.

A Amnistia Internacional apela às autoridades civis e militares para que, sem demora, reponham e garantam as liberdades fundamentais e parem de perseguir todos os funcionários governamentais depostos e os que pacificamente exigem o restabelecimento do estado de direito. A organização exorta as autoridades a absterem-se de recorrer à força para dispersar manifestações pacíficas e a libertarem todos os que foram detidos no seguimento do golpe.

O golpe

Na noite de 12 de Abril de 2012, os militares levaram a cabo um golpe, assumiram controlo de Bissau e atacaram as residências do ex-Primeiro-Ministro e candidato presidencial Carlos Gomes Júnior e do Presidente da República interino, Raimundo Pereira , e prenderem-nos. Seguiu-se a perseguição de figuras políticas, incluindo a maioria dos ministros do governo e membros da sociedade civil. Temendo pelas suas vidas, a maioria destas pessoas refugiaram-se nas delegações diplomáticas em Bissau, onde permanecem passado mais de um mês. As autoridades militares declararam que o golpe de 12 de Abril foi motivado pela presença das forças armadas angolanas no país, as quem acusaram de serem parte de uma trama da autoria do governo do ex-Primeiro-Ministro Carlos Gomes Júnior, visando acabar com as forças armadas da Guiné-Bissau, e que foram forçadas a defender-se . O governo angolano negou a acusação.

Dois dias antes do golpe, o Ministro dos Negócios Estrangeiros angolano tinha anunciado em Bissau a retirada das tropas angolanas, tendo em conta as críticas crescentes e as acusações das forças armadas e alguns políticos guineenses, principalmente alguns dos candidatos derrotados nas eleições presidenciais de 18 de Março de 2012.

Vários partidos políticos da oposição apoiaram publicamente o golpe, incluindo o Partido da Renovação Social – PRS, e alguns dos candidatos derrotados na primeira volta das eleições presidenciais realizadas no dia 18 de Março de 2012. Uma segunda volta entre o candidato do partido no poder, o Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau – PAIGC, Carlos Gomes Júnior, que tinha anteriormente obtido a maioria dos votos mas não tinha conseguido uma maioria absoluta, e o candidato em segundo lugar, o líder do PRS, Kumba Ialá, foi marcada para o dia 29 de Abril.

As eleições tinham sido declaradas livres e justas por observadores internacionais e nacionais. Contudo, cinco dos candidatos derrotados queixaram-se de que as eleições tinham sido fraudulentas e Kumba Ialá anunciou então que não participaria na segunda volta das eleições. Em tal eventualidade, de acordo com a Constituição da Guiné-Bissau, Carlos Gomes Júnior seria então automaticamente proclamado presidente.

A Liga Guineense dos Direitos Humanos – LGDH e a maioria dos grupos da sociedade civil, assim como o partido no poder, PAIGC, e outros partidos políticos condenaram veementemente o golpe, enquanto que os cidadãos comuns protestaram nas ruas. A comunidade internacional foi também unânime na sua condenação e apelou ao restabelecimento do estado de direito e à reposição do governo legítimo, incluindo o Presidente interino e o Primeiro-Ministro, e apelou para a libertação destes; à conclusão do processo eleitoral e ao respeito pelos direitos humanos; e ameaçou impor sanções aos responsáveis pelo golpe e aos seus apoiantes. A comunidade internacional rejeitou ainda qualquer governo resultante do golpe.

Organizações internacionais, instituições financeiras e países individuais cortaram todo o auxílio humanitário não essencial ao país e a União Africana suspendeu a Guiné-Bissau até o legítimo governo ser reposto. No dia 3 de Maio, a União Europeia proibiu a entrada em território comunitário, e congelou os bens, a seis pessoas “responsáveis de ameaçarem a paz, segurança e estabilidade da Guiné-Bissau”. Duas semanas mais tarde, a ONU impôs também aos líderes militares uma proibição de viajarem.
Embora a Constituição não fosse formalmente suspensa, a Assembleia Nacional Popular e todas as instituições estatais ficaram paralisadas. Uma semana após o golpe, o Comando Militar e os seus apoiantes civis acordaram um período de transição de dois anos e iniciaram negociações para a formação de um governo de transição. O Comando Militar rejeitou as exigências da comunidade internacional de um regresso à legalidade constitucional.

A mediação da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) para resolver a crise política e restabelecer a ordem constitucional continuou e resultou, em 3 de Maio de 2012, num acordo de uma transição de um ano, que excluía o regresso dos líderes depostos, a ser conduzida por um dos candidatos presidenciais derrotados, Serifo Manuel Nhamadjo, nomeado presidente interino pelo Comando Militar. No dia 16 de Maio, ele nomeou Rui Duarte Barros, um economista e ex-ministro das finanças, para o cargo de primeiro-ministro. A CEDEAO comprometeu-se também a enviar tropas para a Guiné-Bissau, para assegurar uma transição pacífica e o primeiro contingente chegou a Bissau a 17 de Maio de 2012, no mesmo dia em que tomou posse o novo primeiro-ministro.

A LGDH e outras organizações da sociedade civil, assim como vários partidos políticos, condenaram publicamente o acordo, acusaram a CEDEAO de legitimar o golpe e declararam que não reconheciam o novo governo. Implícita ou explicitamente, a comunidade internacional indicou também que não reconhecia o novo governo e continuou a apelar para negociações substantivas para repor a ordem constitucional.

No dia 18 de Maio de 2012, o Comando Militar e os partidos políticos seus aliados assinaram um Acordo Político que define a agenda política das autoridades de transição. Entre outras medidas, os signatários acordaram em fazer aprovar pela Assembleia Nacional Popular uma lei amnistiando os autores do golpe de 12 de Abril de 2012. Essa lei perpetuaria a impunidade que prevalece para as violações dos direitos humanos cometidas pelas forças armadas, assim como a instabilidade política em que o país vive há mais de uma década.

O golpe agravou a instabilidade e fragilidade política da Guiné-Bissau e acentuou a tensão entre as autoridades militares e civis e constituiu um revés para os ténues avanços democráticos e de direitos humanos conquistados nos últimos anos. Durante anos, a paz, segurança e estabilidade na Guiné-Bissau têm sido ameaçadas por uma impunidade total perante violações dos direitos humanos pelas forças armadas, incluindo os atrasos nas investigações ao homicídio de figuras políticas e militares desde 2009, a necessidade urgente de reformar as forças de segurança, incluindo o exército, que de há longa data interfere na política, e suspeitas de que vários oficiais do exército e outros oficiais estão envolvidos em tráfico internacional de drogas. Golpes, tentativas de golpe e revoltas de militares têm afligido o país desde a sua independência de Portugal, em 1974, e tornaram-se mais frequentes após 2000.

Os efeitos do golpe têm sido sentidos na economia e na vida social. Os meios de comunicação social e as organizações da sociedade civil estimam que até 10.000 pessoas fugiram de Bissau após o golpe, embora o êxodo tenha agora diminuído. Os deslocados colocam inevitavelmente pressão sobre as comunidades rurais, já fracas e empobrecidas. Foram reportadas faltas de alguns alimentos e abastecimentos médicos básicos e receiam-se epidemias, especialmente de cólera. A Amnistia Internacional foi informada de que o preço de um saco de 50 kg de arroz, um alimento base, aumentou de 20.000 para 25.000 francos CFA desde o golpe. Receia-se que venham a sentir-se faltas de alimentos, pois a estação da sementeira será perdida devido à falta de sementes. Devido ao golpe, os agricultores não têm conseguido vender as suas culturas de caju, a sua principal fonte de rendimento, no mercado internacional.

Violações dos direitos humanos após o golpe

Os direitos humanos foram uma das primeiras baixas do golpe. A liberdade de expressão, circulação e reunião foi reprimida. Foram também cometidas outras violações dos direitos humanos, incluindo prisões arbitrárias, detenção em regime de incomunicabilidade, maus-tratos e perseguição a políticos e suas famílias e apoiantes e aos que se opuseram e protestaram contra o golpe e pacificamente apelaram para o restabelecimento da ordem constitucional. Ninguém fez justiça por estas violações. Num comunicado de imprensa emitido em 17 de Abril de 2012 , a Amnistia Internacional expressou preocupação pela segurança e integridade física dos detidos e outros e apelou às autoridades militares para que libertassem todos os detidos e protegessem e respeitassem os direitos humanos, incluindo o direito à liberdade de circulação, reunião pacífica e expressão.

Prisões e detenções arbitrárias

Pouco depois do golpe, a Amnistia Internacional foi informada de que as forças armadas tinham prendido civis, assim como soldados, que se opunham ao mesmo. Contudo, foi difícil confirmar a informação, pois as autoridades militares não publicaram dados sobre o número de pessoas presas, a sua identidade ou paradeiro, apesar de apelos nesse sentido de organizações nacionais e internacionais, incluindo o Conselho de Segurança da ONU . A Amnistia Internacional continua portanto a desconhecer o número de pessoas que foram detidas no seguimento do golpe e se continuam detidas.

O Comando Militar apenas confirmou a prisão e detenção de Carlos Gomes Júnior e Raimundo Pereira, justificando-a como sendo para a segurança deles. Os dois homens foram presos nas suas respectivas casas por militares na altura do golpe e foram levados para quarteis militares em Bissau, antes de serem transferidos, no sábado, dia 14 de Abril, para o quartel de Mansôa, situado a cerca de 60 km a norte de Bissau, onde ficaram incomunicáveis durante a maior parte do seu período de detenção. Segundo a informação comunicada à Amnistia Internacional, foram mantidos numa pequena cela, sem água nem casa de banho e infestada de mosquitos. Dois dias após a sua detenção, uma delegação da Cruz Vermelha conseguiu visitar os dois detidos e entregar-lhes medicamentos.

Funcionários de direitos humanos da UN Integrated Peacebuilding Office for Guinea-Bissau (Missão Integrada da ONU para Apoio à Paz na Guiné-Bissau – UNIOGBIS) puderam também visitar os dois detidos no dia anterior à sua libertação. À excepção dessas duas ocasiões, foi negado aos detidos o contacto com as suas famílias e advogados. Durante a sua visita, nem a delegação da Cruz Vermelha nem a da UNIOGBIS conseguiram ver outros detidos, incluindo soldados e civis presos em Dezembro de 2011, acusados pelo exército de tentativa de golpe de estado.
Em 27 de Abril de 2012, Carlos Gomes Júnior e Raimundo Pereira foram libertados da custódia militar e enviados para o que parece ser um exílio forçado. Foram primeiro levados para Abidjan, de onde viajaram de avião para Portugal, duas semanas mais tarde, impossibilitados de regressar ao seu país.

Além disso, nove dias após o golpe, no dia 21 de Abril, o Secretário de Estado para os Veteranos da Guerra de Libertação (Antigos Combatentes da Liberdade da Pátria), Brigadeiro-General Fodé Cassamá, o seu motorista Domingos Imbale e o seu assessor Sabino Pinto Sanca foram presos por soldados na cidade de Farim, na região nortenha de Oio, onde se encontravam na altura do golpe. Foram alegadamente presos na rua, espancados, atados, atirados para um camião militar e levados para destino desconhecido. Alguns dias mais tarde, descobriu-se que o Brigadeiro-General Fodé Cassamá tinha sido transferido para o quartel de Mansôa, e entretanto os seus auxiliares tinham sido libertados. Fodé Cassamá foi também libertado no dia 27 de Abril. Aparentemente, o Comando Militar suspeitava que ele estava a planear um contragolpe.

A Amnistia Internacional foi também informada da prisão de um homem, Octávio Morais, proprietário de um hotel em São Domingos, uma cidade no norte do país, na fronteira com o Senegal, no dia 15 de Abril. Segundo a informação recebida pela Amnistia Internacional, um grupo de soldados que tinham estado a comer no hotel de Octávio Morais, espancaram-no e levaram-no. Um dia após a sua prisão, desconhecia-se o seu paradeiro ou as razões para a sua prisão. A Amnistia Internacional e a LGDH não conseguiram apurar o que lhe aconteceu; o Comando Militar não emitiu qualquer informação sobre este caso.

Perseguição e assédio contra políticos e activistas que se opõem ao golpe

Após o golpe, instalou-se um clima de medo e incerteza em Bissau. Os ministros e outros funcionários governamentais, defensores dos direitos humanos e membros de grupos da sociedade civil foram forçados a esconder-se nas horas seguintes ao golpe militar, temendo pelas suas vidas. Alguns conseguiram sair do país e permanecem no estrangeiro. A maioria refugiou-se em delegações diplomáticas estrangeiras no país, onde ministros e outros funcionários governamentais permanecem, ainda receosos de saírem. Alguns activistas da sociedade civil deixaram o seu refúgio ao fim de alguns dias, outros algumas semanas mais tarde. Alguns permanecem escondidos, pois continuam a ser procurados pelas autoridades militares. O presidente da LGDH, Luís Vaz Martins, e Filomeno Cabral, outro membro da LGDH e secretário-geral da Confederação Geral dos Sindicatos Independentes da Guiné-Bissau – CGSI-GB), assim como vários outros activistas de direitos humanos e membros da sociedade civil tinham já recebido ameaças de morte anónimas, por telefone, após as eleições de Março. Eles tinham criticado publicamente os candidatos derrotados que se tinham queixado de falsificação dos resultados eleitorais.

A Amnistia Internacional continua preocupada com a segurança de Desejado Lima da Costa, o presidente da Comissão Nacional de Eleições; assim como de Iancuba Ndjai, o líder do Partido da Solidariedade e Trabalho e porta-voz da Frente Nacional Anti-Golpe – FRENAGOLPE, uma plataforma de partidos políticos e grupos da sociedade civil, formada com o objectivo de contestar o golpe. Eles continuam a ser procurados pelos militares e permanecem escondidos.

Por vários dias após o golpe, os soldados que pretendiam prender ministros e outros funcionários deslocaram-se a suas casas e, não os tendo encontrado, espancaram e ameaçaram os seus familiares, associados e empregados, vandalizaram as suas casas, roubaram bens e levaram os seus carros oficiais e particulares. Na manhã após o golpe, soldados que foram a casa de Fernando Gomes, Ministro do Interior e fundador da LGDH, que já tinha desaparecido e se tinha escondido, espancaram um dos seus empregados, a única pessoa que se encontrava na casa, vandalizaram a sua casa e levaram os seus carros.
No dia 14 de Abril, soldados foram a casa de Dulce Pereira, uma cantora local que tinha condenado publicamente o golpe, e bateram-lhe.

Desde o dia 8 de Maio, circula em Bissau uma lista anónima que contém os nomes de 38 pessoas, incluindo os ministros depostos, membros do PAIGC, activistas da sociedade civil, membros do parlamento e empresários que são acusados de responsabilidade, em graus variados, pelos assassinatos políticos ocorridos desde 2009. Embora a maioria dos que constam da lista já estejam escondidos, a existência e divulgação pública de uma lista desta natureza põe as suas vidas ainda em maior risco. Tanto quanto a Amnistia Internacional saiba, as autoridades militares não tomaram medidas para descobrir a identidade dos autores da lista nem emitiram qualquer declaração em como actividades deste tipo colocam vidas em risco e não serão toleradas.

Liberdade de expressão e de imprensa

Todas as estações de rádio privadas foram encerradas imediatamente após o golpe de estado militar e permaneceram silenciadas por cerca de 48 horas e apenas a emissora nacional, Rádio Nacional da Guiné-Bissau, foi autorizada a proceder a emissões intermitentes, essencialmente para emitir os comunicados do Comando Militar. As estações de rádio privadas reabriram na manhã de domingo, dia 15 de Abril. Contudo, como criticaram o exército, na mesma noite foi de novo ordenada a interrupção das suas emissões. Na noite do dia seguinte, as autoridades militares reuniram-se com as emissoras privadas e ordenaram-lhes que voltassem a emitir os seus programas, mas avisaram-nas de que não deviam criticar os forças armadas nem o golpe, nem divulgar manifestações, para não criar o pânico e a insegurança, e ameaçaram-nas com o encerramento e outras medidas, que não especificaram, caso desobedecessem. Perante a censura que lhes foi imposta, pelo menos uma estação de rádio, a Rádio Pindjiquiti, decidiu permanecer encerrada.

Um jornalista, António Aly Silva, foi preso na manhã de 13 de Abril, por mencionar no seu blog que o Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas era o autor do golpe. Foi levado para o quartel da Amura e agredido com a coronha de uma arma e foi-lhe cortada uma orelha. Foi libertado nessa noite. Contudo, as autoridades militares confiscaram, entre outros bens, o seu computador, telemóvel e câmera.

Outros jornalistas foram incomodados quando tentavam dar cobertura às manifestações em Bissau. No dia 17 de Abril, quatro jornalistas, incluindo o correspondente da Rádio Difusão Portuguesa (rádio nacional portuguesa), foram brevemente detidos por soldados quando faziam a cobertura de uma manifestação. Os soldados levaram também as suas câmeras, gravadores e microfones, embora mais tarde os tivessem devolvido.

Liberdade de reunião – manifestações

O Comando Militar proibiu todas as manifestações e emitiu repetidamente ordens reiterando a proibição e ameaçando tomar “medidas severas”, que não foram especificadas, contra os manifestantes que protestassem contra o golpe e apelassem ao restabelecimento da ordem constitucional. Manifestações espontâneas e pacíficas de mulheres e jovens, realizadas pouco depois do golpe, foram reprimidas por soldados.

No sábado, dia 14 de Abril, um grupo de mulheres e jovens concentrados no exterior do Parlamento para exigir a libertação do ex-Primeiro-Ministro e do Presidente interino, foi dispersado por soldados com recurso a gás lacrimogéneo. Na altura, oficiais do exército e partidos políticos aliados estavam reunidos para discutir o estabelecimento de um governo.

No dia seguinte, uma manifestação pacífica, marchando na direcção do Parlamento, foi também violentamente dispersada por soldados antes de chegar ao Parlamento. Manifestantes foram agredidos com armas por soldados e dois homens ficaram feridos. Um foi alegadamente esfaqueado na perna por um soldado e teve que ser levado ao hospital para tratamento.

No dia 16 de Abril, uma manifestação, planeada pela Plataforma Política das Mulheres de forma a coincidir com a chegada da delegação da CEDEAO, foi abandonada quando soldados chegaram ao local onde umas vinte pessoas já se tinham concentrado. Outra manifestação, organizada pelo Movimento da Sociedade Civil para a tarde desse dia, dispersou quando apareceram dois camiões com soldados. Encontravam-se numa área da Avenida dos Combatentes da Libertação da Pátria cerca de 50 pessoas quando os soldados chegaram. Quando os manifestantes estavam a dispersar, soldados apanharam e espancaram três deles, mas não os prenderam.

O Comando Militar emitiu então um comunicado, proibindo as manifestações em todo o país e dizendo que as manifestações seriam severamente reprimidas. Isto repetiu-se quatro dias mais tarde, quando a LGDH e o Movimento da Sociedade Civil anunciaram que estavam a planear uma manifestação para o dia 20 de Abril, que foi então cancelada. Foram emitidos mais avisos quase diariamente.

No dia 11 de Maio, o Comando Militar emitiu outra ordem, proibindo uma manifestação organizada pela FRENAGOLPE para o dia seguinte, avisando que os que desafiassem a ordem do Comando Militar seriam considerados responsáveis por aquilo que acontecesse durante as manifestações. Perante a situação, a manifestação foi cancelada. A FRENAGOLPE tinha convocado a manifestação para protestar contra o apoio da CEDEAO ao Comando Militar e contra a nomeação de Serifo Nhamadjo como presidente interino do país.

Liberdade de circulação

Inicialmente foi imposto o recolher obrigatório, proibindo as pessoas de permanecerem nas ruas entre as 21h00 e as 07h00. Este foi entretanto levantado. Além disso, pouco depois do golpe e pelo menos durante uma semana, soldados foram alegadamente colocados em pontos estratégicos de Bissau e bloquearam estradas por toda a cidade, mandando parar carros sistematicamente e revistando-os.

As autoridades militares impediram também pessoas de saírem do país. No dia 9 de Maio, a Presidente do Supremo Tribunal, Maria do Céu Monteiro Silva, foi impedida de sair do país. A Amnistia Internacional foi informada de que tinha concluído o check-in no aeroporto e, quando estava prestes a embarcar, os soldados impediram-na. Três dias mais tarde, o Ministro da Justiça, Adelino Mano Queta, que se tinha refugiado numa embaixada, foi também impedido de sair do país. Ele tinha enviado outra pessoa ao aeroporto para fazer o check-in em seu nome, mas essa pessoa foi informada de que o ministro não estava autorizado a viajar.

Entretanto, no dia 9 de Maio, o Comando Militar emitiu uma lista de 58 pessoas que não estavam autorizadas a sair do país. A lista inclui a maior parte dos ministros depostos e outros funcionários governamentais, parlamentares, membros do PAIGC e outros partidos políticos e empresários locais.

Obrigações nacionais e internacionais

A Constituição da Guiné-Bissau, em vigor desde 1993, garante os “direitos humanos e liberdades fundamentais”. A liberdade de expressão, incluindo a liberdade de imprensa, é garantida pela Constituição e pela legislação nacional.
Segundo a Constituição, todos os procedimentos constitucionais e legais relacionados com direitos humanos fundamentais devem ser interpretados em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. A Constituição define ainda as Forças de Defesa e Segurança como apartidárias e com a missão de defender a soberania e integridade territorial do país, sendo-lhe proibido interferir na vida política.

Tanto a Constituição como a legislação nacional proíbem as prisões e detenções arbitrárias. Excepto em casos de flagrante delito , as prisões só podem ser efectuadas pela polícia, mediante um mandado emitido por uma autoridade judicial. As autoridades militares não têm o poder para prender civis nem pessoal militar, excepto por razões puramente militares.
A Guiné-Bissau é membro da ONU e assinou, ratificou ou aderiu a vários instrumentos internacionais e regionais que contêm normas de direitos humanos que salvaguardam a liberdade de expressão e de imprensa, reunião, associação e circulação e proíbem as prisões e detenções arbitrárias, assim como a tortura, os maus tratos e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes. Estes instrumentos incluem: O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o seu Protocolo Facultativo; o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais; a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.

Conclusões e recomendações

O golpe de 12 de Abril de 2012 isolou o país internacionalmente, conduziu a divisões internas ainda maiores e à perpetuação da interferência militar nos assuntos políticos do país. Aumentou também a instabilidade e constituiu um retrocesso nos ligeiros progressos alcançados no desenvolvimento, democracia e direitos humanos nos últimos anos.
O desafio agora enfrentado pela Guiné-Bissau é o de reconhecer que não podem existir paz, estabilidade e desenvolvimento a não ser que sejam sem demora instituídos o pleno respeito pelos direitos humanos e pela lei e ordem. Para o país reconquistar a estabilidade e progredir, assente no estado de direito, é urgentemente necessário rectificar as questões de direitos humanos.

Uma das razões para a recente instabilidade política, os golpes e as revoltas militares e os assassinatos políticos é que não é imposto um fim à impunidade e os direitos humanos não são protegidos. Até à data, os suspeitos autores de abusos de direitos humanos foram protegidos de acções judiciais por uma série de leis de amnistia e pela interferência dos militares no sistema judiciário e na política. Uma nova lei de amnistia ofereceria mais outra amnistia total aos soldados que cometeram violações dos direitos humanos.

A Amnistia Internacional opõe-se a amnistias ou medidas de impunidade similares que impedem o emergir da verdade, impedem que os responsáveis por violações dos direitos humanos sejam presentes à justiça e negam os direitos das vítimas e das suas famílias a procurar recursos judiciais e reparação, tal como estabelecido na legislação internacional.
A Amnistia Internacional apela às autoridades no sentido de:

 respeitar e proteger os direitos humanos;
 restabelecer e garantir, totalmente e sem demora, as liberdades fundamentais, incluindo a liberdade de expressão e de imprensa, a liberdade de reunião e associação e a liberdade de circulação;
 pôr termo à perseguição e assédio contra todos os funcionários governamentais depostos e os que, pacificamente, apelam à reposição do estado de direito;
 se absterem de recorrer à força para dispersar manifestações pacíficas,
 libertar todos os detidos no seguimento do golpe;
 não adoptar medidas políticas ou legais, tais como amnistias, que possam impedir a reparação às vítimas de violações dos direitos humanos ou impedir que os autores de crimes prestem contas;
 assegurar que as forças armadas regressem aos seus quartéis, permitindo à polícia retomar plenamente as suas funções de aplicação da lei.

A organização apela a investigações independentes e completas a todos os relatos de violações dos direitos humanos; e para que todos os autores de violações dos direitos humanos sejam presentes à justiça, em julgamentos que respeitem as normas internacionais para os julgamentos justos.
A Amnistia Internacional apela à comunidade internacional, e em particular aos que participam em negociações com os que se encontram no poder na Guiné-Bissau, para que coloquem os direitos humanos no fulcro de futuras negociações e acordos. A organização exorta a CEDEAO a assegurar o respeito pelos direitos humanos na Guiné-Bissau e a assegurar que as tropas que coloca na Guiné-Bissau não só se abstenham de cometer elas próprias abusos de direitos humanos como também protejam activamente os direitos humanos.

Índice: AFR 30/001/2012

Amnistia Internacional, Maio de 2012