sábado, 5 de março de 2016

OPINIÃO


Os Guineenses sabem identificar as causas da crise que se vive no País, e sabem reconhecer quem realmente é/são o (os) principal (ais) impulsionador (es) desta crise. Admite-se, porém, alguns desvios na identificação do (os) autor (es).

A crise existe, porque foi provocado. Ela agora reclama uma solução, como é óbvio, que tem de ser encontrada de modo a cessar de prejudicar o coitado povo Guineense que merecia mais do que a maneira como os políticos estão a exercer poderes que lhes são delegados pelo próprio povo.

O Presidente da República, enquanto primeiro magistrado da nação, e garante do regular funcionamento das instituições democráticas, com desígnio de solucionar a crise, ainda que muito tardio, optou pela via do diálogo, como fora antes, recomendado pela sociedade civil e a classe política Guineense e ainda pela comunidade internacional, como forma de ultrapassar a crise, que de resto ele não é ingênuo.

O diálogo é uma “arma” forte que deve ser sempre utilizado, isoladamente ou em simultâneo com outros meios para resolver conflitos de interesses, dificuldades que as interpretações suscitam assim como para ultrapassar problemas de que natureza for. No diálogo tem de ter necessariamente cedências das posições de forma a garantir equilíbrio, cedência das posições é um dos pressupostos indispensáveis para um diálogo eficaz e que conduz consequentemente para um acordo sólido.

Mas quando diálogo, sozinho, revelar ineficaz por qualquer razão e, se existir outros meios que possam ser utilizados para resolver a crise, não há nenhum “pecado” em conciliar tais meios com o diálogo ou se for preciso abdicar dele uma vez que revela inapta para produzir os efeitos pretendidos.

Analisemos agora certos aspectos da crise Guineense.

Realizou-se várias secções de diálogo as quais foram todas inconclusiva,e pelas posições das partes e rumo que o mesmo está a tomar, neste momento, revela que, não obstante ser uma poderosa arma, ela é neste momento inapta para conduzir a um acordo sólido, pelo que não seria razoável e prudente da parte do Presidente da República continuar a teimar por esta via, quando existe outras formas de resolver esta crise.

Continuar obstinado apenas por esta via que não leva a solução nenhum, cada dia que passa sem que esta crise seja ultrapassada consubstancia um preço alto que o povo não merece pagar. Obstinar por esta via, o Presidente da República deixa de ser garante da estabilidade e de regular funcionamento das instituições democráticas, que deveria ser.

Dizem, incluindo o Próprio Presidente da República, que esta crise é meramente política e que deve ser resolvida apenas politicamente, como se o assunto não tivesse soluções jurídica. Ora vejamos:

Primeiro, depois de Grupo dos 15 deputados incorrerem na indisciplina partidária e consequente expulsão do partido e que depois vieram a ser retirados mandatos na assembleia com o fundamento de superveniente perda de elegibilidade, segundo comissão permanente da A.N.P., este invocou fontes jurídicas como fundamento da decisão, logo está-se perante uma situação que requer interpretação jurídica, de saber se realmente há ou não superveniente perda de elegibilidade, em caso afirmativo, apurar se é a Comissão permanente ou o plenário da A.N.P., que compete retirar mandatos aos 15 deputados.

Segundo, Retirado os mandatos dos 15 deputados, nos seus lugares, foram investidos outros deputados com plenos poderes e não como substituição que se faz em caso de incompatibilidade de cargo de deputado com outras funções ou impedimentos de qualquer ordem. Até prova em contrário, os novos deputados estão em efetividade de funções tal e qual estão outros deputados, sem prejuízo das providencias cautelares que supostamente possam paralisar tal efetividade de funções.

Terceiro, no acordo de incidência parlamentar, o Presidente da República propôs adoção do principio de retorno das partes ao status quo ante, isso pressuporia anulação da decisão que retira mandatos aos 15 deputados. Como é que seria possível num Estado de Direito Democrático, que se rege pelo princípio de legalidade, aceitar que um acordo político anule uma decisão jurídica? e os novos 15 deputados que foram investidos, será anulado o empossamento, com que fundamento de base?

Quarto, O Presidente da República tem em mãos, neste momento, duas moções, uma de rejeição do programa do governo que implicaria queda do governo e outra de aprovação de programa do governo. É evidente que uma destas moções ou ambas são ilegais e inconstitucionais, sendo que em relação à aquela que rejeita Programa do Governo é juridicamente inexistente, porquanto fora aprovada depois de suspensão dos trabalhos da A.N.P., pelo seu Presidente e, quanto a moção que aprova Programa do Governo, esta só seria ilegal e inconstitucional se as leis Guineense não reconhecer poderes aos novos 15 deputados investidos. Não é um acordo político, que vai agora anular aquela que fora aprovada nos termos da nossa legislação, não se pode compaginar com tais ilegalidades com propósitos beneficiar certo grupo.

Solução para este problema passa necessariamente pelo S.T.J., enquanto tribunal constitucional na Guiné Bissau, que fará uma interpretação jurídica e proferirá uma decisão vinculativa que deve ser respeitada pelas partes. Se a solução desta crise passar pelo S.T.J., à semelhança da jurisprudência deste tribunal em relação a declaração de inconstitucionalidade ao decreto que nomeava Baciro Djá, Primeiro-Ministro, passaremos a saber se as leis Guineenses preveem ou não o estatuto de deputados independentes, em caso afirmativo, saberemos a quem compete entre comissão permanente e o plenário da A.N.P., retirar mandatos aos deputados.

Solução política servirá apenas para este caso em concreto e nada impedirá que situações do gênero volte a verificar-se no futuro, ao passo que uma decisão do tribunal servirá da jurisprudência para eventualmente casos que possam surgir.
Não remeter este problema para tribunal, revela de certa forma, da parte daqueles que dizem que o problema é meramente política, receio de perder a causa. O Presidente da República não deve ter tal receio e deve acabar de vez com o comportamento complacente que o próprio vem demonstrando em relação a um ínfimo grupo em detrimento do povo Guineense que está a sofrer com esta crise.

Bem-haja a Guiné-Bissau!

Hélio Correia
Estudante da Universidade de Lisboa- Faculdade de Direito.