terça-feira, 1 de março de 2016

EXCLUSIVO DC: DSP - Análise das causas da situação política prevalecente e os caminhos para a saída da actual crise


Introdução

O presente memorando é elaborado com o intuito de elucidar os parceiros internacionais, particularmente a missão do Conselho de Segurança das Nações Unidas, sobre as causas da situação política prevalecente na Guiné-Bissau, na perspectiva do PAIGC, partido histórico e libertador, e a visão deste para a sua resolução completa e definitiva. Há entretanto de reconhecer que os vários ciclos de crise e conflitos internos já vêm de há muito, precedem à própria independência do país, pelo que a compreensão da actual carece de algum conhecimento histórico e a contextualização do momento político que se vive.

Pequena Resenha Histórica / Contextualização

A Guiné-Bissau é um pequeno país, hoje com cerca de 2 milhões de habitantes, que conquistou a sua independência através de uma guerra de libertação que durou onze anos (1963 a 1974), conduzido pelo PAIGC sob a liderança do carismático líder Amílcar Cabral. Este intelectual e visionário africano, filho de pais cabo-verdianos mas nascido na Guiné, foi capaz de conceber e estruturar em simultâneo, através do PAIGC, as independências da Guiné e de Cabo Verde, para além de ter passagens por Angola e ligações ao MPLA, uma visão pan-africanista e o conceito global de alianças e afirmação internacional.

Cabral foi um homem à frente da sua época, com ideias muito claras sobre como atingir os objectivos fixados. Mas, apesar de muito admirado pelos companheiros da luta, há registos que alegam ter tido de enfrentar muitas incompreensões, nomeadamente de cabo-verdianos que o consideravam mais empenhado no processo de luta na Guiné e pelos guineenses que entendiam que dava primazia aos seus “conterrâneos” cabo-verdianos. Esta situação levaria a que o seu assassinato a 20 de Janeiro de 1963 (meses antes da proclamação da independência), fosse formal e politicamente responsabilizado ao Regime Colonial Português que ele combatia, mas materialmente atribuído aos camaradas do próprio PAIGC. Começava aqui a longa história de indisciplinas internas feitas de traições, intrigas, desconfianças, golpes e complôs.

Para citar somente alguns casos:

Nino Vieira, o lendário Comandante, quem proclamou a independência do país e que liderou o primeiro golpe de estado a 14 de Novembro de 1980, foi assassinado em 2009 de forma bárbara e atroz;

Desde então, contam-se às dezenas, os momentos de tensão, ruptura política ou conflito interno que levaram a execuções, assassinatos e a uma quase guerra civil em 1998.

Ultrapassado esse período e após o curto mandato, turbulento e desestruturado do Presidente Koumba Yalá (também terminado num golpe de estado), os guineenses se diziam prontos a virar a página e começar uma nova história, feita de paz e tranquilidade, até porque, argumentam, os velhos da luta já estavam deixando espaço aos mais novos.

Contudo, outros fenómenos, novos e até aqui estranhos à realidade guineense marcavam a sua aparição no cenário social e político na Guiné-Bissau, obviamente com novos actores e com outros mecanismos de estruturação: o crime organizado, a lavagem de capital, o tráfico de influências e o narcotráfico. Começa o processo de renovação das intrigas internas, o compl e a montagem sistemática de golpes para controlar o partido e através do partido aceder a posições de influência que permitam proteger o negócio obscuro e o crime organizado.
O
actual Presidente do Partido, no seu manifesto político em preparação do VIII Congresso do partido apresentara uma importante tese, baseada nos ensinamentos de Amílcar Cabral (a Ideologia da Unidade e Luta) sobre a importância de esclarecer e “limpar” o jogo político para daí emergir os fundamentos de uma verdadeira administração.

VIII Congresso do PAIGC

O VIII Congresso, realizado em Cacheu, acontecera num ambiente já de elevada tensão, após um golpe de estado que afastara tanto o Presidente do partido (então Primeiro Ministro e Candidato a Presidente da República) como dois dos Vice-Presidentes, um dos quais, exercendo então as funções de Presidente da República de transição. O Congresso de Cacheu, como passou a ser designado, colocou frente a frente, um projecto de salvação do partido e resgate da sua linha ideológica, revistando os seus fundamentos e princípios, e uma intenção desesperada de controlo da direcção do partido para daí se voltar a assaltar o Estado e manter o status quo.

Apresentaram-se inicialmente oito candidatos à liderança do partido mas, com o debate das propostas e a discussão das estratégias, já no decorrer do Congresso, ficaram reduzidas a 3, com 5 ex-candidatos, incluindo o actual Presidente da República a renunciarem a sua apresentação para se alinharem com a candidatura que seria então eleita, a do DSP, actual Presidente do Partido.

Regressado a Bissau, após o conclave de Cacheu que durou doze dias, o PAIGC transpirava frescura e irradiava a esperança de todo um povo. Tinha todavia uma forte oposição das então autoridades da transição, com o próprio Presidente da Transição à cabeça dessa oposição (oriundo do PAIGC, dissidente por ter apoiado o golpe de estado contra o seu próprio partido e também apoiado a ala que perdera o Congresso) e o governo, maioritariamente formado por membros do maior partido da oposição, o PRS de Koumba Yalá, mesmo que já sob nova liderança.

Foi assim que todos os prazos foram reduzidos para a apresentação das candidaturas à Presidência da República e às eleições legislativas, obrigando o partido (cuja sede se situa na maior praça da capital e no ponto de concentração de todas as manifestações) a trabalhar durante o carnaval, muitas vezes madrugada adentro para conseguir cumprir os requisitos legais e políticos a tempo de participar dos pleitos eleitorais.

Apesar de toda esta contrariedade e todos os obstáculos que se colocaram à sua frente, o PAIGC ganhou as eleições legislativas com maioria absoluta (57 dos 102 lugares da sua Assembleia Nacional Popular) e elegeu o seu candidato a Presidente da República. O povo tinha finalmente renovado a sua confiança histórica no PAIGC e parecia finalmente reunirem-se as condições objectivas para o de facto prometido virar de páginas e uma nova fase na vida do país e do seu povo.

O Presidente

O Presidente eleito tinha tido o apoio do PAIGC e presumivelmente pertencia aos quadros do partido, tendo feito campanha com o slogan de “garantir a estabilidade governativa e assegurar o mandato do governo”, algo nunca antes registado. Ora, logo após a proclamação dos resultados que o confirmavam como Presidente da República, começaram a surgir sinais perturbadores: numa reunião organizada no partido para agradecer às demais formações políticas que o apoiaram na segunda volta, o PR fez a primeira demonstração de força, literalmente, ao bater com o punho na mesa e prometer que iria requisitar todos os dossiers de exploração dos recursos naturais, para o seu controlo.

Esse gesto, prontamente minimizado pela Direcção do partido estabeleceu um novo marco no posicionamento do PR eleito; mais de uma dúzia de viagens ao estrangeiro antes da tomada de posse, o que implicava a incapacidade para empossar o governo. Viagens nas quais se faz acompanhar por elementos do partido não designados pela direcção e durante as quais começa a discutir e a assumir compromissos ligados à governação; no discurso de investidura, afirma não ser responsável pela formação desse governo por não ter participado na escolha dos seus membros; críticas ao governo logo no primeiro trimestre do exercício.

Num momento em que toda a população expressava confiança e reconhecimento sobretudo pelos salários a serem pagos a tempo e com recuperação dos atrasados, pela energia eléctrica pela primeira vez assegurada em permanência, pelas aulas que iriam chegar ao fim, pelas medidas para salvar o ano agrícola, pela prevenção da Cólera e logo de seguida do Ébola e, sobretudo pela aprovação unânime do Programa do Governo e do Orçamento Geral do Estado na Assembleia Nacional Popular, o Presidente afirma ser pouco ou quase nada e diz que “a unanimidade mata a democracia”.

Estes elementos fizeram o partido despertar para a realidade de que “este Presidente da República não é do partido e nunca foi. Serviu-se simplesmente do partido para atingir os seus objectivos pessoais e os do seu grupo”. Mas, como é que um homem que não é do partido chega ao ponto de ser escolhido como candidato do partido ao mais alto cargo da magistratura? Como pôde ter escapado a todos os controlos, a todos os filtros do partido? Questiona-se de dentro e de fora.

Muitos elementos concorrem para a explicação dessa situação, o maior dos quais a fragilidade que o PAIGC vivia após o golpe de Estado de 12 de Abril de 2012. Recorde-se que uma das culpas apontadas a Carlos Gomes Júnior era a de ter-se imposto como candidato presidencial sem dar hipóteses aos demais. Essa situação, levou então às dissidências e ao surgimento de 2 candidatos independentes oriundos do PAIGC. Para evitar essa situação e dado o exíguo do tempo que havia para se tomar tal decisão, o procedimento mais fácil e que assegurava alguma transparência era colocar urnas e deixar que o Comité Central escolhesse.

Mas nesse processo de escolha, outro factor foi determinante, a rejeição da candidatura do próprio Carlos Gomes Júnior que se apresentou a partir do seu exilo em Portugal. O Comité Central estimou que não haveria condições de assegurar o seu regresso em segurança e participação nas eleições, situação que foi prontamente aproveitada pelo José Mário Vaz para instrumentalizar o Carlos Gomes Júnior contra a nova liderança do partido e pedir o seu apoio.

Mas que razões pode ter o presidente para se opor desta forma ao partido ao qual formalmente pertence?

Importa recordar que, para justificar a sua decisão de demissão do governo a 12 de Agosto passado, o Presidente da República enumerou entre outros os seguintes elementos: incapacidade de cooperar com o Presidente do partido; a Corrupção e o Nepotismo. Ora o Presidente do Partido evocou a necessidade de provar a sua inocência e preservar o seu bom nome, pelo que, perante tamanha gravidade das acusações solicitou ao partido que indicasse um substituto para as funções governativas mas que instruísse através da sua bancada parlamentar a abertura de um inquérito e a realização de auditorias aos fundos e contas públicas. Estes requisitos foram logo observados e hoje já existe um relatório da Comissão de Inquérito e em curso o processo de auditoria às contas públicas. Desses instrumentos já são conhecidos muitas evidências que dão conta do envolvimento do Presidente da República em vários actos de desvio de fundos públicos e participação criminosa de vária natureza sendo que as acusações eram uma forma de encobrimento, pois quando questionado pela Comissão sobre as acusações proferidas, respondeu por escrito que não se lembrava de as ter feito e posteriormente que não reconhecia a competência da Comissão para esse propósito.

Hoje se sabe que o Presidente beneficiou da deriva que o partido enfrentava, para comprar a sua chegada ao Congresso e, apesar de formalmente assinar a aliança que apoiou a actual direcção, na verdade o seu aliado era o opositor com quem tem vínculos e compromissos muito profundos, ao ponto de hoje estar e se assumir como refém desse grupo.

O Presidente da República vem agora repetir o mesmo quadro já anteriormente protagonizado pelos mesmos actores (hoje designados por “os 15” - correspondendo aos 15 deputados do partido que votaram contra o programa do mesmo) durante o mandato de Malam Bacai Sanhá (Presidente da República), em oposição à governação de Carlos Gomes Júnior (Primeiro-ministro). Trata-se com efeito de pessoas que escolheram o golpe e a intriga política, através de argumentos de cariz religiosa, regional e étnica, para se manterem sempre à tona e tirar dessa situação o melhor proveito. Pessoas que não se identificam nem com os princípios do partido nem com os objectivos supremos da nação mas que por tanto o repetir, assumem que os seus interesses devem ser colocados por cima dos interesses colectivos e os da nação.

Guiné-Bissau: da independência pelo partido único à abertura democrática

O Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, fundado em Setembro de 1956 por Amílcar Cabral e outros 5 seus companheiros, desenvolveu uma luta exemplar, tanto na mobilização popular e pela bravura da guerra de libertação, como no capítulo diplomático como ainda e sobretudo pela ideologia política que estabeleceu como fundamento da sua acção. Meses antes da proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau, Amílcar Cabral falou nas Nações Unidas apresentando o quadro da luta como sendo a de um país com parte do seu território ocupado por potencias estrangeiras, o que levaria a uma missão do Conselho de Segurança a visitar o território libertado e constatado a capacidade organizativa que o PAIGC havia podido desenvolver. O evento da independência, proclamado nas matas do Boé mesmo já acontecendo sem a presença do líder, prometia o surgimento de uma nação próspera e desenvolvida e os primeiros anos da independência, sobretudo após o 25 de Abril e o reconhecimento de Portugal, foram anos intensos de cooperação internacional e importantes programas de desenvolvimento.

A nova administração, convencida da firmeza do projecto ideológico até aqui estabelecido estava completamente focalizada na industrialização do país (esse era o conceito e definição de desenvolvimento) levando ao surgimento de importantes projectos como o Complexo Industrial de Cumeré, a fábrica de montagem de Citroen (Nghaye), Várias fábricas de transformação de produtos agrícolas, uma companhia de transportes aéreos que cobria também as ilhas de Cabo Verde, uma empresa de navegação marítima, etc, etc… Esta visão do desenvolvimento certamente negligenciou a componente humana e ignorou as profundas rupturas e disfunções sociais ainda prevalecentes e que os anos da guerra de libertação só agravaram. Foi assim que a 14 de Novembro, o país foi surpreendido com um movimento das forças armadas baptizado como “Movimento Reajustador” e que introduzia no mapa político nacional a figura do golpe de estado. Camaradas de trincheira viram-se de repente confrontados com a necessidade de escolher entre a coerência aos princípios da unidade Guiné - Cabo verde e a adesão à nova filosofia definida como a defesa dos direitos nacionais dos guineenses, capitaneada pelo mais lendário dos nacionais da luta. Esta contradição e a dificuldade da escolha que se impunha alimentou durante muito tempo esse projecto e camuflou a profundidade da ruptura social que estava acontecendo no país. A necessidade de defender as conquistas revolucionárias justificava mais prisões, mais assassinatos, mais divisões, tanto no seio do Estado, como sobretudo, dentro do próprio partido.

Em 1989, resultado da já intensa pressão das Instituições de Bretton Woods, no processo de implementação das reformas económicas estruturais, sentiu-se a necessidade de se acompanhar de reformas políticas, o que levaria à queda do artigo 4º da Constituição e a abertura ao surgimento de outras forças políticas. Se noutras realidades esta abertura significou sobretudo vencer a resistência dos defensores do partido único desejosos de conservar o controlo absoluto do poder, aqui ainda se acrescia à necessidade de combinar a “despolitização das forças armadas” e a “desmilitarização do PAIGC”. Ou seja, após 33 anos de existência, o partido tinha de afastar quem quisesse continuar a carreira militar, ao mesmo tempo que as Forças Armadas, 26 anos depois, não deviam admitir actividades político partidárias. Hoje, quando ouvimos a discussão em realidades que nos são muito familiares sobre a necessidade de abolição das células do partido nos locais de trabalho, damos conta da celeridade com que esses assuntos foram tratados no nosso contexto, certamente com implicações ainda por discernir completamente. Foi a altura em que surgiu o fenómeno “Koumba Yalá” e o PRS (Partido da Renovação Social) que, se apercebendo da contradição que o PAIGC tinha de enfrentar, e o impacto que essas medidas teriam na etnia balanta (estimado em cerca de 80% dos efectivos militares) vai se posicionar para receber todos os militares recém afastados da vida política, assim como os políticos que ainda queriam ter alguma cobertura militar. Mais um factor de ruptura social estava criado a acrescer aos demais.

Em 1998 irrompe um conflito armado que acaba opondo os exércitos do Senegal e da Guiné-Conacry, solicitados por Nino Vieira, ao essencial do exército guineense, no rescaldo do qual (1999) este é derrotado e escolhe partir para Portugal em exílio. Koumba Yalá sobe ao poder mas no fim de 3 anos de exercício é deposto por um golpe de estado considerado sui-generis porque alegadamente perpetrado por seus apoiantes que assim se antecipam ao verdadeiro golpe em preparação pela insustentabilidade do regime que estabelecera. E desde então, tem sido isso, golpes e contragolpes até 2012 altura em que se depôs o Presidente de Transição Raimundo Pereira e o seu Primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior, ambos ainda em exílio em Portugal.

PAIGC

A história do PAIGC se confunde em muitos aspectos com a da Guiné-Bissau devido às mais que muitas intersecções e coincidências nos autores e nas épocas. De partido libertador a promotor da abertura democrática, líder da oposição e de volta ao poder, o PAIGC passou por muitas transformações mas mantém-se em grande medida o indicador principal da situação política e social no país.

É reconhecido pela qualidade da luta que desenvolveu para a independência, mantendo uma larga vantagem na preferência dos guineenses mas, como todo o movimento libertador, também facilmente responsabilizado por tudo o de menos positivo que aconteça ao país. A configuração sociológica do PAIGC é uma perfeita miscelânea de culturas, religiões, pertenças étnicas e sobretudo agora de gerações o que explicará certamente que o processo de reforma e rejuvenescimento tenha de ser conduzido com cuidados e muita paciência.

O reverso desta medalha é o facto de atrair a adesão de muita gente com o exclusivo interesse de utilizar o partido para o acesso ao poder não se identificando verdadeiramente com os seus princípios e nem sempre disponíveis a respeitar a disciplina interna e as regras instituídas.

Qual a Crise

Em Julho de 2015, após um ano de convivência difícil entre o Governo e o Presidente da República, este anuncia a existência de uma crise profunda que impedia o normal funcionamento das instituições não vendo outra solução possível que não fosse a demissão do governo. Comunidade Internacional, Sociedade Civil, todos os partidos com assento parlamentar (num primeiro momento, antes do afastamento do PRS) afirmaram não concordar com essa avaliação do Senhor Presidente da República e alertaram para o risco do Presidente acabar de facto criando a crise que estava anunciando. Nenhuma diligência logrou demover o Senhor Presidente da República do seu propósito e a 12 de Agosto, após uma comunicação feita ao país através da qual se justificava pela existência de corrupção generalizada e pelo nepotismo, o Presidente da República decretou a queda do governo.

Seguiram-se divergências sobre a modalidade de nomeação do novo executivo até que o Presidente decidiu por sua iniciativa escolher um militante do PAIGC e dar posse ao seu governo. Essa nomeação foi contestada pelo PAIGC e o Supremo Tribunal de Justiça que na Guiné faz a vez de Tribunal Constitucional aprova um acórdão dá por inconstitucional a decisão do Presidente da República.

O mesmo acórdão esclarece que tendo sido o PAIGC o vencedor das eleições legislativas, só o PAIGC, em observância dos seus estatutos incumbia a formação do governo e o exercício da governação. A interpretação tácita desse pronunciamento é indiscutivelmente o facto de que retornava ao Presidente do PAIGC o direito de chefiar o governo.

Seguiram-se contactos com representantes da CEDEAO e um mediador desta autoridade regional até uma Cimeira desta organização em Dakar, acabando por resultar num compromisso que se pode resumir nos pontos seguintes: 1) O Presidente do PAIGC aceita abdicar de se apresentar ao cargo de Primeiro-ministro, mas indica o substituto em observância dos Estatutos do PAIGC; 2) o Presidente aceita sem reservas a nova designação e a composição do executivo; 3) estabelece-se um pacto de estabilidade para assegurar a tranquilidade para o resto do mandato.

A primeira disposição foi logo cumprida mas as duas restantes ficaram comprometidas pois o Presidente não aceitou até ao presente a confirmação (nomeação) dos Ministros designados para a Administração Interna e para os Recursos Naturais, e ainda ser desnecessário pacto de estabilidade pois o assunto já estava ultrapassado.

Todo o mundo percebeu na mesma altura que o Presidente, tendo ficado sem argumentos para manter o impasse estava a procura de novo mecanismo para bloqueio. Consegue mobilizar o PRS para o seu projecto e então associa os 15 deputados do PAIGC e provoca a rejeição do programa do governo na ANP na primeira votação a 23 de Dezembro. Todavia, o PAIGC toma as medidas necessárias para a expulsão dos militantes rebeldes e pede a sua substituição na ANP, prontamente aceite pela Comissão Permanente. Começa aqui mais uma batalha jurídica que deverá terminar de novo no Supremo Tribunal de Justiça com o esclarecimento sobre o direito aos mandatos.

Nisto, se apercebendo da fragilidade dos seus argumentos, pois contrariamente a Portugal, aqui o Regimento da ANP foi expressamente alterada para eliminar a possibilidade de se ter deputados independentes, para além de outros dispositivos constitucionais e regimentais, o Presidente da República enceta outro caminho, desta vez falando de diálogo e compromisso propondo ignorar toda a decisão judicial, sempre reclamando a necessidade de salvaguardar o direito o interesse dos 15 que arrastou (ou ambos se arrastaram) e os do PRS que se transformou na sua grande alavanca política. E eis a situação que mantém o país parado e em risco de mais uma deriva e colapso político, porque um homem e o conjunto da sua cobiça e compromissos quer ficar com tudo contra o interesse de todos.

Qual a saída ?

A actual direcção do PAIGC tem sido muito flexível e disponível ao diálogo mas há regras e dispositivos estatutários que não pode violar, sob pena de poder provocar alguma implosão interna de consequências imprevisíveis para o partido e para todo o país. A expulsão dos 15 ex-militantes foi decidida pelo órgão jurisdicional do partido (O Conselho Nacional de Jurisdição) um órgão independente que só presta contas ao Congresso. Apesar disso, esta decisão judicial foi submetida à avaliação política do Comité Central que expressou a sua aprovação através de 288 votos a favor contra uma abstenção dentre os 289 presentes.

Perante esta situação e a determinação em reconhecer a competência das instituições e respeitar as leis, o PAIGC só consegue ver a seguinte saída para a presente crise:

Todas as partes em contenda assumirem o respeito do veredicto saído dos Tribunais, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça quanto aos mandatos;
Respeitar a separação dos poderes e não interferir no funcionamento da Assembleia Nacional Popular, reconstituída em função do veredicto descrito no ponto anterior;

Reconhecer o direito que assiste ao PAIGC, enquanto vencedor das eleições legislativas (com maioria absoluta) a formar o governo e a criar as condições de governabilidade;

Exortar contudo aos partidos políticos a estabelecerem um acordo ou um pacto para o apaziguamento das tensões e criação de um clima de paz e estabilidade para o resto da legislatura e para se avançar com as reformas políticas necessárias, tais como a Constituição da República e a Lei Eleitoral. Nesta senda, encorajar o PAIGC a voltar ao formato inclusivo que teve o mérito e a coragem de promover no início da legislatura e que permitiu tão importantes ganhos ao país;

Criar um mecanismo de regulação das diferenças de interpretação das leis fundamentais e a criação de consensos políticos alargados, a favor da paz e da reconciliação nacional.

Eis os elementos que se afiguram relevantes para a compreensão da actual situação da Guiné-Bissau e as pistas para se encontrar uma solução consistente e funcional. Qualquer tentativa de forçar outra lógica e modalidade de solução, sobretudo branqueando a legalidade e a competência das instituições é contraproducente e irrealista pois premeia a infracção e fragiliza todo o edifício, politico democrático assim como o jurídico e constitucional.

Bissau, 26 de Fevereiro de 2016

O Presidente do PAIGC
Domingos S. Pereira