domingo, 14 de fevereiro de 2016
Diabos engarrafados e outros seres míticos em defesa das florestas da Guiné-Bissau
Um homem que um dia acampou numa floresta sagrada do Boé, leste da Guiné-Bissau, levou sem querer, fechado numa garrafa, um pequeno diabo de volta para casa, conta-se nas aldeias guineenses.
Foram tantos os infortúnios que lhe aconteceram a ele e a quem o rodeava que todos tiveram que se mudar para outras terras, para bem longe daquela espécie de demónio. Superstições como esta ainda são contadas com frequência para preservar as florestas que a população classifica como sagradas, um saber ancestral que uma Organização não-governamental (ONF) holandesa quer preservar.
Estas histórias estão em risco de desaparecer, alerta Annemarie Goedmakers, dirigente da Chimbo, que lhes pretende dar um novo fôlego. A associação de origem holandesa tem como objetivo proteger o meio-ambiente, centrada no estudo e vigilância dos chimpanzés guineenses, e mereceu agora apoio da União Europeia para um projeto que pretende também proteger os valores culturais e promovê-los como produto turístico.
No interior da Guiné, sem estradas, nem comunicações, sujeitas ao isolamento, as populações podem ter diferentes entendimentos em relação à gestão de recursos, consoante as suas crenças e etnias, mas ninguém desafia o conceito de floresta sagrada. "Sobre as florestas sagradas todos estão de acordo, devem ser preservadas, mas é importante que se faça algo já, porque os mais novos começam a perder este conceito", refere Goedmakers.
Os jovens "pensam que os mais velhos só relatam contos sem importância sobre espíritos. Nós queremos juntar todas as histórias, promovê-las e unir as pessoas em torno da preservação da natureza", sublinha. Caso contrário, os mais novos podem baixar a guarda e florestas inteiras podem ser devastadas -- os incêndios que resultam de descuidos na renovação de pastagens e o corte ilegal de madeira têm provocado um recuo das florestas no país.
Além dos residentes que têm plena consciência do valor ambiental em causa, há muitas pessoas "que de facto acreditam nas histórias, nas superstições". "Não é diferente do que acontece noutros sítios no mundo, nomeadamente em locais onde há nascentes de água", destaca Annemarie Goedmakers.
No Boé, a missão de preservação que estas crenças encerram "é ainda mais importante que noutros sítios, porque a terra em redor destas florestas [sagradas] é inóspita. Se se perdem estes locais, deixa de haver água para a população" -- que se estima em redor das 12 mil pessoas.
O projeto que agora arranca vai ter a duração de dois anos e parte da estrutura já montada através da Chimbo -- com comités de aldeia que fazem vigilância das florestas adjacentes. Estes membros ativos recebem algumas remunerações pelo trabalho regular que desenvolvem e ainda pelos serviços de guia e cozinha, com pratos locais, aos turistas atraídos sobretudo pelos chimpanzés -- visitantes ainda em número residual, sobretudo estudantes.
"Mas o principal interesse deles em relação aos turistas tem a ver com o contacto o resto do mundo, que é muito difícil", devido ao isolamento da região. Os visitantes podem contar com um acolhimento afável, hospitalidade, natureza em estado bruto com observação de espécie selvagens e "nenhuma Internet, o que por vezes é muito bom", refere Annemarie.
Além do registo e divulgação das histórias locais, entre as iniciativas propostas pelo novo projeto está também a realização de um festival cultural do Boé, a cada quatro anos.
No final, espera-se que a auto estima da população saia reforçada e que a atividade cultura e proteção ambiental sejam reconhecidas formalmente a nível internacional. Lusa