domingo, 29 de dezembro de 2013

TAP/SÍRIOS - Portugal e a Guiné-Bissau, o olhar de Seixas da Costa


AUTOR: EMBAIXADOR FRANCISCO SEIXAS DA COSTA
FONTE: O INFORMADOR

O embarque forçado de dezenas de cidadãos sírios num avião da TAP, sob pressão das autoridades guineenses, constituiu um ato da maior gravidade e representou um gesto de clara hostilidade para com Portugal. A questão, contudo, tendo uma indiscutível dimensão bilateral, não pode deixar de ser tratada, em prioridade, no quadro internacional, perante o qual deve ficar bem claro que a administração de facto que domina Bissau age à margem das normas mínimas que um qualquer Estado deve respeitar na ordem externa.

A acrescer às acusações de cumplicidade no narcotráfico, o governo saído do golpe militar anti-constitucional projeta agora esta nova imagem delinquente e isto não pode passar impune perante a comunidade internacional. Nenhum argumento de realpolitik deve sobrepor-se à necessidade de Portugal dever estar, neste caso, na primeira linha de mobilização de vontades para promover a condenação de um Estado pária que é como a Guiné-Bissau de hoje se apresenta ao mundo.

Portugal pode e deve também retirar todas as consequências, no plano bilateral, das inaceitáveis, por desrespeitosas, declarações de responsáveis guineenses face à legítima expressão de indignação formulada pelas suas autoridades (e era importante que se soubesse que decisões o nosso governo tomou já nesta matéria), mas só se fragilizará se se continuar a deixar envolver numa “guerra” de argumentos através da qual a parte guineense procurará criar fórmulas sucessivas de diversão, iniciadas com o caricato “relatório” sobre o incidente e prolongadas agora com “questão” as dívidas da TAP.

A condenação essencial que é importante garantir para este ato de pirataria – e é como ato de pirataria que o assunto deveria ter sido tratado por Lisboa desde o primeiro momento – é, naturalmente, no campo multilateral. Com firmeza e sem tibiezas, nomeadamente sem se deixar impressionar pelos apelos apaziguadores da comunidade dos interesses, que não podem nunca sobrepor-se aos princípios que sempre compete a Portugal defender na ordem externa, o nosso país deveria ter ido muito mais longe do que até agora se sabe ter ido no processo de denúncia e isolamento das autoridades guineenses, quer no plano multilateral europeu (mas não só), quer no âmbito da mobilização da solidariedade por parte da CPLP, que curiosamente não se viu nem ouviu. Mas, de facto, não tendo hoje Portugal, na prática, um representante diplomático junto da organização – inacreditável situação a que a nossa comunicação social não presta a menor atenção – como poderia o nosso país utilizar o quadro lusófono como uma das frentes para tratar devidamente este assunto?

Com pena, temo que nos deixemos enredar num processo que, com o passar dos dias, e com a prestimosa ajuda das agências portuguesas de comunicação – que, nos últimos dias, ajudam Bissau a “plantar” entrevistas, declarações e até “notícias” na nossa imprensa – , acabará por “beneficiar o infrator” ou, pelo menos, deixar passar impune esta falta. Espero bem estar enganado…