quinta-feira, 19 de dezembro de 2013
OPINIÃO: Fernando Seara
Da Vaidade
Jornal: Diário de Notícias
Autor: Fernando Seara
1- As relações de Portugal com a Guiné-Bissau estão significativamente perturbadas em razão dos acontecimentos ocorridos com a "invasão" do avião da TAP. O Governo, em particular o MNE, e a transportadora aérea reagiram bem. E prontamente. E o mínimo que se exigiria, mesmo a um poder político precário, era a imediata identificação dos prevaricadores e a delimitação da respetiva liderança. O que mais me perturba, nestes tempos, é alguns julgarem que os "outros são parvos". É o exemplo de um tipo de vaidade contemporânea. Como acontece, em outro sentido, perante a opinião pública global, com o cidadão sul-africano que "falsificou a linguagem gestual" numa das cerimónias públicas de homenagem a Nelson Mandela e a sua desculpa "bem esfarrapada"!
Com efeito, e no momento em que escrevo, apenas sabemos que decorre um processo de inquérito na Guiné-Bissau. Eu diria que o Governo precário da Guiné-Bissau, se queria mostrar autoridade - que não legitimidade -, deveria ter identificado, de imediato, todos aqueles que violaram, grosseiramente, regras internacionais inequívocas. Ao não o fazer mostrou cumplicidade. Ao adiar confirmou a fragilidade do seu poder. Ao não concretizar qualquer medida demonstrou a crise de autoridade que o condiciona. E perturba. E, em rigor, o humilha.
E a um poder precário sem autoridade e sem a mínima influência não se poder conceder uma segunda oportunidade para remediar uma "má impressão". Tem de se agir com toda a firmeza. E não escutar nenhuma "viúva carpideira".
Tem de evidenciar que há hierarquia e valores e que esta hierarquia não pode vacilar perante atos graves, factos grosseiros e situações perigosas. E perante precedentes que, face à fragilidade dos poderes - ou em rigor dos poderes fácticos - se podem repetir. "Os Estados falhados" devem ser ajudados. Mas precisam de mostrar, sempre, que querem e merecem ajuda. Não podem os seus temporários titulares julgar os "outros" como "serenamente parvos" ou, eles próprios, serem "desculpáveis permanentemente". Julgando que o "encolher de ombros" é regra mesmo que perante um conjunto de lágrimas caídas como aqueles que brotam nos rostos de uma personagem de uma falhada telenovela. O que fica é uma decisão rápida e responsável do Governo da República. Mostra autoridade. Bem necessária nos tempos que correm e naqueles que se aproximam.
2- Entre o ensino de Eça e o gosto pela leitura há uma relação de compromisso. É pela palavra que Eça nos conquista. Pela minúcia da narrativa, pela finura da graça e pelo inigualável poder de efabulação. O recorte semântico e ficcional da escrita interage com a nossa própria capacidade de sonhar e adensa o nosso fascínio pela linguagem.
É, nesta perspetiva, que a escrita e a leitura da obra de Eça de Queirós se tornam consequentes. É na excecional criatividade do uso da palavra e na perfeição formal da prosa queirosiana que se mantém sempre atual. Ensinar a ler ou ler e ensinar Eça de Queirós, alteia o nosso legítimo anseio de cultivar a literacia nacional e estimular a vivacidade da língua portuguesa. Para além de qualquer relatório ou disputa política meramente semântica como aquelas que nos dominam e condicionam nos dias de hoje.
A narrativa de Eça de Queirós estende-se a uma crónica dos costumes, da cultura, da política, da civilização, dos movimentos sociais do século xix verdadeiramente notável.