terça-feira, 22 de setembro de 2015
GUINÉ-BISSAU-42º ANIVERSÁRIO DA INDEPENDÊNCIA: PAIGC ferido e em crise ameaça estabilidade do País
Reportagem da Agência Lusa
A Guiné-Bissau é um dos países mais pobres do mundo porque, desde a década de 1980, há uma elite no PAIGC que procura "safar-se em vez de safar o país", aponta o ex-ministro Delfim da Silva. "Desde Cabral, o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) teve sempre um discurso ético", mas "a partir dos anos 1980, o que passou a funcionar foi cada um safar-se e não safar o país".
Um "salve-se quem puder", em que uns "apareceram milionários de repente" ao lado dos que "nada tinham", descreve Delfim da Silva, histórico membro do PAIGC, por várias vezes ministro, mas hoje docente de filosofia, sem atividade política.
"O vértice da classe política, os dirigentes, procurou ficar rico", esquecendo os outros, e assiste-se a antagonismos: combatente contra combatente. "Perderam-se os valores morais" e foi assim que se quebrou o consenso no PAIGC e que se quebrou o consenso étnico gerado durante a luta pela libertação, nascendo conflitos, uns atrás dos outros, numa espiral que perdura até hoje, refere.
Delfim recorda o momento em que Ansumane Mané foi à televisão com um pão, no início da guerra civil em 1998, para explicar o que o movia contra o presidente Nino Vieira. "Há este pão todo, mas nós só temos um pedacinho, enquanto uma elite fica com quase tudo", queixava-se o chefe dos militares, recordado por Delfim.
A imagem é um dos símbolos que invoca para ilustrar a divisão entre combatentes: todos lutaram pela libertação, mas uns enriqueceram ilicitamente, outros ainda hoje estão pobres.
Delfim da Silva destaca ainda outra "situação gravíssima": "o caso `17 de outubro` de 1985, em que o vice-presidente do Conselho de Estado, coronel Paulo Correia, e o Procurador-Geral da República, Viriato Pã, foram executados juntamente com outros quatro oficiais por suposto envolvimento numa conspiração contra o Estado.
Muitos outros foram detidos e julgados.
"Houve uma repressão terrível. Esse caso levou dezenas de quadros e antigos combatentes para a prisão. Criou feridas gravíssimas que fazem-se sentir hoje em dia". Foi um caminho tortuoso até chegar à atualidade. E hoje, dentro do PAIGC, "há uma guerra complicada", mas ninguém sabe "porque estão a guerrear-se, uma vez que não há referências, não há valores. É um salve-se quem puder" -- tal como no passado.
"Não havendo referências, lutam por pequenas coisas. As pessoas estão em guerra há muitos anos por pequenas coisas".
Para Delfim não há dúvidas: o país está como está por causa da crise no PAIGC. Não só, mas sobretudo por causa disso".
O PAIGC precisa de uma "profunda reforma interna", mas não precisa de mais regras. "Não basta haver regras, é preciso uma liderança" e Delfim da Silva acredita que Domingos Simões Pereira "tem condições impor regras de conduta no plano ético e moral. E no plano político", acrescentou.