quinta-feira, 21 de abril de 2016

PAIGC: Tópicos de reação ao discurso à Nação do Presidente da República


Discurso triunfalista

A rapidez e todo o alvoroço que se gerou para a convocação com caráter de urgência desta sessão extraordinária da ANP, por parte do Presidente da República, atraiu todas as atenções para a ANP.

Toda a Comunidade Política, Nacional e Internacional, foi chamada ao hemiciclo do Palácio do Povo para o que só podia ser um verdadeiro discurso sobre o “Estado da Nação”, ou seja, com um diagnóstico aprimorado sobre a situação política vigente, os grandes objetivos presentes e a estratégia para apaziguar as partes e a construção de uma verdadeira solução de compromisso e estabilidade.

Todavia, sem surpresas, o Presidente foi igual a si próprio e voltou a bater nas mesmas teclas e da mesma forma: acusou e ameaçou as mesmas entidades, para não variar o PAIGC, colocou-se do lado dos 15 e do PRS, não foi capaz nem se preocupou em tranquilizar a população e muito menos assegurar a defesa dos princípios democráticos.

Lamentamos a constatação do ódio e profundo nervosismo patenteados num momento em que se aguardava tranquilidade e ponderação, capazes de transmitir confiança e segurança ao povo guineense.

Afinal os únicos propósitos do Senhor Presidente da República eram os da sua autoproclamação como vencedor jurídico desta contenda, com o pronunciamento do Supremo Tribunal de Justiça, através do acórdão n.º 3/2016.

Sabendo como quase todos já sabem como foi conseguido este acórdão e o nível de envolvimento do Senhor Presidente da República na aquisição dessa decisão, podia pelo menos poupar o país de mais este espetáculo deplorável e de baixa qualidade.


Construção jurídica Portuguesa

Um terço do discurso foi para uma argumentação jurídica despropositada e ridícula. Para além de se estranhar que o Presidente da República assuma este nível de implicância numa abordagem tão técnica, também se referia a uma construção jurídica estranha e distante.

Os sistemas jurídicos aceitam inspirações e mesmo algumas comparações e por isso a recorrente utilização do termo “comparado”, contudo este deve sempre beneficiar de distanciamento e isenção, o que nunca pode ser o caso quando se trata de aspetos constitucionais sobre o qual já existem disputas muito concretas.

É que a constituição não é só uma questão de direito, mas fundamentalmente de escolhas políticas. Ora, após tão longos meses de disputa por parte de atores políticos e o direto envolvimento de instâncias da soberania, é inusitado que o Primeiro Magistrado da Nação ignore tão descaradamente a necessidade de observância do principio de objetividade e clara existência dessa formulação no nosso edifício jurídico.

Esta posição do Senhor Presidente da República é mesmo chocante e de provocação pois para além de dar pouca importância ao facto da Guiné-Bissau ser um estado independente desde Setembro de 1973, fá-lo em prejuízo de uma organização política constituída pelos Combatentes da Liberdade da Pátria que deram a vida por essa causa e que agora o colocaram no assento do poder.

Aliás deveras evidente pois ao menos podia tentar esconder essa sua euforia e satisfação ao reconhecer na cadeira do governo, nada menos que um Combatente da Liberdade da Pátria de Primeira montra, companheiro de Amilcar Cabral, o camarada Carlos Correia.


Ausência de soluções

Por demais e há muito identificado e reconhecido como o promotor da crise, este Presidente da República nem se preocupa em disfarçar que não dispõe de soluções. Limita-se a lançar mais achas á fogueira numa cega determinação em causar o caos e esperar alguma forma de benefício para a sua saga de construção do poder absoluto e tirano.

Nesse particular, o discurso foi um autêntico martírio, qual peça dantesca sobre o purgatório eterno, proclamando o sofrimento e convocando a todos para se juntarem na sua celebração.

Há uma passagem do discurso do Presidente que ameaça claramente os deputados (leia-se ao PAIGC) com as únicas opções seguintes: render-se a evidência da sua vitória, reconhecendo a existência de um novo quadro parlamentar consubstanciado numa nova maioria ou então haverá a desordem e a violência, que ele também espera que o seja favorável. Mesmo para este Presidente foi mau demais.


Pedido de constituição de uma nova maioria

Este pedido reiterado do Senhor Presidente da República da constituição de uma nova maioria parlamentar que lhe permita a formação de um governo de sua iniciativa é ao fim de contas o regresso à casa de partida. Foi e continua a ser o grande propósito de toda esta luta e de toda esta confusão.

O Presidente está desde há muito decidido a se fazer dotar de um novo quadro constitucional que lhe permita ser o dono único e absoluto do poder na Guiné-Bissau, a exemplo da sua referência vizinha. O ideal seria que se fizesse a revisão constitucional para lhe oferecer esse quadro mas, enquanto tal não chega, vai ter de forçar outras soluções e nem o pronunciamento claro e inequívoco do Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão n.º 1/2015 o desencoraja.

É deveras preocupante que o presumível juiz de uma partida decida arbitrar a sua causa e não se compromete a aplicar as leis tal como elas são. Já se afirmou que na democracia, “o povo é quem mais ordena”, mas é preciso adicionar e vincar que isso significa que em democracia participativa, é o resultado das eleições que fixa o quadro representativo – a distribuição de competências e responsabilidades. A ninguém é dado querer substituir o povo nessa decisão.

Parece evidente que o Presidente espera poder argumentar que há um novo quadro de facto, aliás já avança uma proclamação de que o PAIGC é só formalmente maioritário. Diz-lhe pouco que essa formalidade seja de competência exclusiva do povo exercida exclusivamente no rescaldo do pleito eleitoral.

Na verdade, o que o Presidente espera ser de facto o novo quadro é contar com apoios seguros no Supremo Tribunal de Justiça para não protagonizar uma segunda derrota sobre um mesmo assunto. Até lá, vai tomando a precaução de sugerir que seja a ANP a oferecer-lhe o quadro de atuação e não uma exposição direta.


Líder da oposição ou fiel da balança

O discurso do Presidente da República foi sem nenhuma sombra de dúvidas o de um líder da oposição, que há muito contava aceder ao poder (neste caso ao controlo da governação) que não o tendo conseguido pelas urnas, agora vê reforçada essa possibilidade pela via do golpe parlamentar.

O Presidente tinha de saber que o seu papel é o de fiel da balança e nessa condição tem mesmo de fazer leituras e análises objetivas, mesmo que não coincidam com os seus interesses pessoais e institucionais. Factos: 1) o nosso sistema de governo é o semi-presidencial de pendor parlamentar com absoluta separação de poderes – “não compete ao presidente da república avaliar a bondade deste dispositivo, ele é o reflexo da vontade soberana do povo guineense”.

O Português pode ser melhor, mas esta é a escolha dos guineenses; 2) Nas últimas eleições legislativas, 5 partidos foram escolhidos para o parlamento – O PAIGC para governar e os restantes, PRS, PCD, UM e PND para fiscalizarem a ação governativa. Não compete a ninguém alterar este quadro, aliás como alterar o quadro? 3)O Presidente da República não é parte do jogo político partidário e não se pode assumir como tal.

As sucessivas menções às greves e convulsões sociais não são favoráveis ao Presidente da República pois essas estão associadas à crise por ele despoletado e que criou dificuldades de cobertura financeira pelo governo. Por outro lado, todos conhecem a proximidade e mesmo envolvimento do Senhor Presidente nas ondas de contestação.


Se situações de força maior, objetivamente produzidas e não por simples vontade de um ou mais atores, obrigarem a alguma alteração do quadro, espera-se a constatação fria e ponderada do fiel da balança e a produção de soluções que reponha esse quadro ou, a devolução da palavra ao povo.

Notas positivas e aconselhamento

Registamos como positivo o facto do Senhor Presidente da República ter escolhido uma mensagem à Nação para terminar toda a saga de pressão sobre os órgãos. Pena eu não a tenha aproveitado de forma mais positiva e pedagógica;

Apesar de usar o termo “formal”, o Presidente da República reconhece que há um partido maioritário, resultante das últimas eleições. Assim, a tentativa de referir a uma nova configuração é um detalhe forçado para alimentar a esperança dos acólitos;

O PR remete para a ANP a procura de soluções para a crise, se possível com base no diálogo e em compromissos. Fá-lo ao seu estilo e no meio de ameaças e acusações mas não deixa de ser importante o reconhecimento dessa separação de poderes e competências;


Aconselhamento:

O Presidente da República não pode ser nem deve se sentir pressionado a tomar medidas que satisfaçam a grupos ou representações. Todo o povo Guineense é que aguarda ancioso por um desfecho de paz e tranquilidade;

Assim, as análises do Presidente têm de ser frias e bem ponderadas para que ao serem proferidas representem uma grande esperança para todos;

A leitura politica tem de ser despida de sentimentos pessoais ou de grupo, mas objetivas e gerais – das eleições resultaram uma configuração parlamentar. É obrigação de todos respeitar e proteger esse quadro. Faltando elementos objetivos para o efeito, o Presidente deve dar conselhos a favor da reposição desse quadro o que, não sendo possível obriga à devolução da palavra ao povo. Isto não é uma opção mas uma obrigação.

Maior controlo sobre as ações dos colaboradores. Há dias um conselheiro do PR veio ameaçar aos militantes do partido e dirigentes em plena reunião do Comité Central com menções de recurso às armas e o controlo da justiça entre outros.