quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Do Nobel da Paz ao retorno à constitucionalidade


Talvez pela memória dos feitos de Amilcar Cabral, os guineenses na generalidade têm a fácil tentação de idolatrar figuras públicas e centrar numa ou noutra personagem, toda a expectativa da resolução dos nossos crónicos problemas! É nessa base, que se centra todas as expectativas já publicamente manifestadas, a volta do Nobel da Paz, Dr. José Ramos Horta.

Apesar do nobre gesto de prescindir da sua vida pessoal para rumar até um dos países mais pobres do mundo, com vista a tentar angariar consensos e construir uma paz duradoura, não podemos nunca esquecer que o Nobel da Paz está na Guiné-Bissau mandatado por uma instituição chamada Organização das Nações Unidas, cujos trâmites de funcionamento escuso aqui detalhar, mas já é do senso comum que o caminho que as Nações Unidas traçou e defende para a resolução dos conflitos na Guiné-Bissau, principalmente o que culminou no último golpe de estado, passa obrigatoriamente pelo “entendimento entre os guineenses”.

Já sabemos que o guineense comum, principalmente os mais jovens, entendem-se no que concerne à rejeição de golpes de estado, no repúdio à opressão militar a que estão submetidos e na rápida restituição da Ordem Constitucional. Claramente, os que não se entendem e fazem uso da ignorância e prepotência dos criminosos travestidos de Forças Armadas, são os fracos políticos da nossa praça, que não conseguem meios para a sobrevivência, que não passa pela ocupação de um cargo no poder político. Se houvesse cargos renumerados para todos e ainda sobrar algum dinheiro para sustentar os vícios dos militares, garanto-lhes que a Guiné-Bissau encontraria rapidamente a paz e o sossego!

Voltando ao Dr. José Ramos Horta, sabemos que foi bem acolhido e aceite pelas partes beligerantes, podendo isso significar que cada uma das partes já criou as suas expectativas em relação à essa figura, esperando que ele venha a ser o garante da resolução dos respetivos interesses pessoais e/ou partidários. O que importa ter em conta, é justamente esses interesses das partes beligerantes e o roteiro que Ramos Horta foi mandatado a seguir pelas Nações Unidas... Tendo em conta esses elementos, facilmente percebemos que o Nobel da Paz não vai ter vida facilitada na Guiné-Bissau e chego a ter reservas, quanto ao facto dele conseguir melhores feitos que Joseph Mutaboba.

Os fatores que jogam a favor de José Ramos Horta, é o fato dele ser uma figura nova no país, portanto não ter ainda criado anticorpos no seio político e militar, como aconteceu com o seu antecessor, o peso social de um Nobel da Paz e, ainda, o fato de ter participado na resistência timorense e conhecer formas de negociação com figuras militares pouco instruídas…

Se parece fácil ao Ramos Horta conjugar posições e esforços das instituições como ONU, OUA, CPLP e CEDEAO, na definição de uma estratégia ou roteiro comum para a resolução dessa crise na Guiné-Bissau, o principal problema, repito, serão os interesses das partes beligerantes, políticos e militares. Nenhuma das partes abdicará facilmente da possibilidade do controlo do poder, se possível até, de forma absoluta.

O PAIGC, como maior partido e o mais votado nas últimas eleições, apesar de se encontrar neste momento em desvantagem no que concerne ao controlo do poder, quererá rapidamente tirar proveito do evidente défice de popularidade de que os golpistas hoje sofrem, consequência de um claro agravamento das condições sócio-económicas da população e quererá avançar o mais rapidamente possível para as eleições legislativas e presidenciais, de forma a retomar o poder na sua plenitude...

Por outro lado, os golpistas transicionistas, ainda em transe com o controlo do poder e as possibilidades de negócios obscuros que esse mesmo poder os proporciona, tudo farão para prolongar indefinidamente o período de transição, com esquemas e argumentos falaciosos, condicionando sempre a realização das eleições ao levantamento das sanções dos parceiros económicos e a possibilidade de financiamento externo. A verdade é que, com esses financiamentos na posse deles, rapidamente surgirão novos elementos e argumentos com o objetivo de protelar o retorno à ordem constitucional, o máximo tempo possível…

Outra dor de cabeça para a ONU/OUA/CPLP e CEDEAO, será a gestão do regresso à Guiné-Bissau de Raimundo Pereira, Carlos Gomes Gomes Júnior e outras personagens exiladas antes e depois do último golpe de estado, garantindo-lhes o exercício de todos os seus direitos e deveres como qualquer cidadão guineense, sem serem vítimas de perseguições militares ou políticas… Só dessa forma poderemos falar de um verdadeiro retorno a Ordem Constitucional.

Cá estaremos atentos ao desempenho do Dr. José Ramos Horta, às manobras e aos esforços de entendimento dos que se dizem políticos guineenses.

Jorge Herbert