quinta-feira, 6 de setembro de 2012
João Bernardo Honwana: "O Povo guineense deve encontrar formas de entendimento"
Os Guineenses devem resolver os seus próprios problemas - defende João Bernardo Honwana. O povo guineense deve encontrar formas de entendimento que o ajude a construir o futuro que quer, defendeu ontem, em Maputo, João Bernardo Honwana, antigo representante do Secretário-Geral das Nações Unidas naquele país, orador principal da palestra subordinada ao tema “a relação civil-militar na Guiné-Bissau: uma reflexão em torno do processo de pacificação e estabilização”.
João Bernardo Honwana esteve dois anos na Guiné-Bissau, como representante do secretário-geral da ONU. Disse não ter muita certeza de que os modelos defendidos pela Comunidade Internacional para a crise naquele país membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) são efectivamente aplicáveis e funcionais para a situação que neste momento se vive, insistindo que cabe aos guineenses resolver os seus próprios problemas. Observou que a comunidade internacional ainda não foi capaz, até aqui, de fazer aceitar à massa pensante guineense os valores da paz e da democracia, diferentemente do caso moçambicano, por exemplo.
“Não há soluções fáceis para um problema como a Guiné-Bissau”, disse, sublinhando que enquanto a situação prevalecente continuar a beneficiar os actores políticos do país, não será fácil a aplicação duma solução efectiva por parte da comunidade internacional. Para o antigo representante do SG da ONU, tanto a Comunidade Económica de Desenvolvimento dos Países da África Ocidental e Oriental como a CPLP poderão ser bem sucedidos na resolução do problema guineense, caracterizado por fortes e constantes divergências entre os militares e o poder político.
Para já, a Comunidade Internacional está divida na abordagem da crise que o país atravessa. Enquanto a CEDEAO apoia claramente o golpe militar de 12 de Abril último, que depôs o Presidente Raimundo Pereira e o primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior, a CPLP está do lado dos golpeados. João Bernardo Honwana disse que a CEDEAO, que tem como gigante económico a Nigéria, acha que não é possível voltar-se ao status quo anterior e que um eventual regresso de Carlos Gomes Júnior ao país não irá resolver o problema. A CPLP, por seu turno, apoia o restabelecimento das autoridades constitucionais.
As forças armadas intervieram no golpe militar de 12 de Abril para impedir que Carlos Gomes Júnior ganhasse a segunda volta das eleições. O antigo representante do secretário-geral das Nações Unidas afirmou que é preciso que haja uma visão sobre a importância da realização das eleições, de modo a se projectar o futuro do país. Mas para o orador, se se mantiver a tendência actual na Guiné-Bissau, qualquer eleição que vier a ter lugar será ganha por Carlos Gomes Júnior, pois dispõe de recursos que podem determinar a sua vitória. Ressalvou, contudo, que realizar eleições na Guiné-Bissau desfasadas do contexto interno em si, não será a solução para o problema.
João Bernardo Honwana afirmou que enquanto em Moçambique, por exemplo, os moçambicanos perceberam e assumiram, com a ajuda da comunidade internacional, que para a sua sobrevivência, a paz era a única solução, na Guiné-Bissau não existem incentivos claros para a pacificação e reconciliação. Disse ser fundamental que a Comunidade Internacional chegue a consenso sobre os passos que devem ser seguidos para se ultrapassar a crise na Guiné-Bissau.
“Não temos preferências na Guiné. Estamos à procura de elementos para terminar a guerra”, disse, sublinhando, entretanto, a importância da abrangência da solução que vier a ser encontrada. Na sessão reservada ao debate da exposição feita por João Bernardo Honwana, várias questões foram levantadas, umas em jeito de perguntas, outras sob a forma de comentários e contribuições. Um docente do ISRI quis saber mais do antigo representante das Nações Unidas na Guiné-Bissau a percepção que tem sobre o tráfico de drogas envolvendo os militares.
Um outro interveniente questionou, na ocasião, sobre as razões porque Angola enviou suas tropas para treinar as forças armadas guineenses, contra posição da CEDEAO. Foi também levantada a questão da liderança política naquele país que, segundo interveniente, foi perdida logo a seguir à proclamação da independência, ou não soube, desde logo, estabelecer as regras. Segundo opinião expressa no encontro, ao se pretender fazer uma comparação sobre o processo moçambicano e guineense, há dois momentos importantes que devem ser sublinhados. Segundo esta opinião, enquanto o processo moçambicano de pacificação foi caracterizado pelo diálogo (ultrapassando-se em larga medida as diferenças que existiam entre as partes), na Guiné-Bissau não houve essa aposta.
O processo de consolidação da unidade entre os guineenses ficou inacabado, com a morte de Amílcar Cabral. Enquanto em Moçambique e em Angola, por exemplo, as forças armadas continuaram subordinadas ao poder político depois das independências destes países, na Guiné-Bissau elas se sentiram alienadas. As fragilidades criadas nos princípios da independência naquele país não permitiram o poder político avançar para um processo de pacificação com sucesso. Enquanto em Moçambique, uma das principais políticas seguidas pela Frelimo logo depois da proclamação da independência nacional esteve fortemente voltada ao apoio e assistência às camadas vulneráveis, na Guiné-Bissau não houve nada disso. A paz não pode ser construída com gente esfomeada.
“Na Guiné não há nada. Encontramos o tráfico”, disse um interveniente. Um outro interveniente disse estar esperançado de que a presidência de Moçambique à CPLP venha a ajudar a Guiné-Bissau a encontrar uma solução consistente e efectiva para os problemas que o seu povo vive, ou no mínimo impulsionar as partes ao diálogo.
No esclarecimento às questões suscitadas, João Bernardo Honwana disse que a questão da droga na Guiné-Bissau é um elemento fundamental, mas não está na origem do problema. Porém, acaba sendo um elemento que não deve ser descurado. É um elemento que entra para o problema, por causa da fragilidade das instituições do país. Segundo o antigo representante do secretário-geral das Nações Unidas, alguns estudiosos dizem mesmo que a Guiné-Bissau se está a transformar num narco-Estado, onde o futuro do país começa a ser seriamente hipotecado devido à existência de grupos de narcotraficantes.
Mas os operadores do narcotráfico, disse João Bernardo Honwana, já começam a considerar a Guiné-Bissau um país muito desorganizado, de tal maneira que já não serve os seus interesses. Observou que a situação é tal que quase que ninguém está limpo na Guiné-Bissau. “Se quisermos ser rigorosos em termos de droga, na Guiné-Bissau ninguém está limpo”, disse. Sobre Angola, João Bernardo Honwana referiu-se ao acordo de cooperação assinado entre os dois países ao abrigo do qual os angolanos contribuiriam para a transformação do exército da Guiné-Bissau, criando incentivos de desenvolvimento para uma sobrevivência com dignidade das suas chefias militares do país.
A outra razão apontada pelo orador é de ordem económica. Disse, por exemplo, que o porto de Buba, de águas profundas, pode permitir o escoamento de produtos mineiros do “hinterland”. Mas também há a destacar o sentido de solidariedade por parte de Angola, por ser a Guiné-Bissau um país membro da CPLP. João Bernardo Honwana afirmou, no entanto, que faria mais sentido que Angola e a Nigéria se juntassem para ajudar no desenvolvimento da Guiné-Bissau, como países africanos e no quadro da cooperação sul-sul, do que se posicionarem divergentes. Disse que a Guiné-Bissau possui condições para ser economicamente um país viável. No que diz respeito à fragilização da liderança política do país, disse ter sido uma situação que se registou logo após a separação entre o PAICV e o PAIGC.
Na altura em que os dois movimentos estavam unidos, os cabo-verdianos é que tinham maiores níveis educacionais e rapidamente ascenderam a altos cargos de comando. Os guineenses ficaram relegados para tarefas consideradas não para intelectuais, como pegar em armas e combater. Terá sido por causa das diferenças que Nino Vieira realizou o golpe contra Luis Cabral, numa clara contestação à alegada submissão dos guineenses aos cabo-verdianos. A palestra foi promovida pelo ISRI no âmbito do processo de ensino-aprendizagem e das actividades de extensão.