Que isto fique bem claro: se, por exemplo, me for permitido escolher um sítio para nascer novamente (não sei é em que circunstâncias isto pode acontecer...) não hesitaria um nanosegundo: a Guiné-Bissau. E de preferência no Quebo. Não trocaria este País por nenhum outro.
Comemorámos mais um aniversário da nossa independência – o 38º. Eu, para ser sincero, não tenho motivos nenhuns para comemorar, tirando o facto de continuar vivo, a ver e a rir das tropelias e dos malabarismos que se fazem para, dizem, sairmos deste lamaçal curiosamente (ou não) por nós criado e onde nos atolámos desde há muito. Pior do que tudo isto é não sabermos como sair do lodo. Tendemos a criar mais lama sobre a... lama!
Mas, de que independência estamos a falar quando falamos em 38 anos? Da nossa, claro. Sim, mas a nossa independência significará tudo menos independência. Somos dependentes em quase tudo; continuamos, orgulhosamente sós, com os nossos fantasmas. Fantasmas que há 38 anos afrontam tudo e todos, despejando um ódio que ninguém sabe donde saiu - se das entranhas ou das profundezas do nosso ser.
Aqui, neste País, tudo o que se faz de realizações fica limitado ao nosso próprio perímetro: pequeno, bolorento, preto-e-branco e às vezes cinzento. Um perímetro partilhado, ainda assim, por muito poucos. Isso forjou-me a têmpora – e é nessa minha quase-solidão que se forjou aquilo que muitos apelidam de coragem, outros de loucura. Isto parece uma espécie de panóplia em que não se pensa mais nada, que se tem em cima sem sequer se dar conta disso. E eu? Eu vou em frente, faço o que tenho a fazer, o resto não interessa para nada.
Por cá, somos desfolhados lentamente, uma folha por dia, até ao fim. Até se ficar nú. Às vezes até parece que as coisas que (muito) poucos de nós combatemos não existem, que é apenas um delírio na nossa mente. É um estado de espírito que não podemos permitir-nos. É um risco, baixar-se a guarda. Há que estar atento, e eu faço por isso.
Preservo-me e sei como. Nesta inútil batalha em que tenho a certeza de reencontrar o papel de derrotado há algo que não devo descurar. E saber. Tenho a certeza absoluta – pelo que me chega - que estou a ser visto, ando a ser vigiado. Mas não conseguem monitorar-me. Aqui, tudo tornou-se loucura e obsessão. Aprendi, assim, a reconhecer até aquela raiz que penetra na terra nos olhares de quem decidiu olhar de frente certos poderes, ainda que saiba as consequências.
Há que encontrar algo que faça carburar o País. Qualquer coisa. O Ultra-nacionalismo, o anarquismo, a desobediência civil, eu sei lá que mais. Qualquer coisa, mas não - nem por sombras! - um cabide onde nos pendurarmos a comer o pó dos dias e à espera de dias piores...
(*) Maravilhoso, mas com sabor a fel.
António Aly Silva