sexta-feira, 30 de abril de 2010
Samora Machel - O exclusivo mundial do jornal 'Lusófono'
DESASTRE DE MBUZINI - O QUE DIZ O RELATÓRIO DA COMISSÃO DE INQUÉRITO?
Cerca de 16 anos após o desastre de aviação que vitimou o primeiro presidente moçambicano, Samora Machel, a campanha de desinformação em torno das causas que provocaram a queda da aeronave presidencial não dá sinais de abrandar. O parecer da comissão de inquérito que investigou o acidente ocorrido em Mbuzini, na África do Sul, a 19 de Outubro de 1986 tem sido sistematicamente ignorado.
O exemplo mais recente dessa campanha foi a alegação infundada de que o presidente da República, Joaquim Chissano, teria participado num plano destinado a provocar a queda do Tupolev-134A.
Antes, surgira a notícia de que Samora Machel teria sobrevivido ao acidente, e que posteriormente alguém, nunca identificado, lhe teria dado uma injecção letal.1
Na realidade, Samora Machel teve morte instantânea, ficando irreconhecível, razão pela qual a urna contendo os seus restos mortais permaneceria encerrada durante as cerimónias fúnebres. Só foi possível identificar o cadáver mediante a aliança de casamento, que ostentava o nome da viúva, e através da prótese dentária, conhecida por ponte, que dentistas haviam recentemente colocado em Samora Machel para corrigir a falha de nascença que tinha nos dentes incisivos.
Ironicamente, por ter pretendido apurar as causas da morte de Samora Machel - numa altura em que a campanha de desinformação começava a ganhar corpo - o chefe da missão de médicos cubanos em Moçambique viria a ser expulso do País por ter ordenado aos patologistas da sua equipa que procedessem à autópsia do cadáver sem a autorização nem o conhecimento prévio das autoridades moçambicanas.
Conforme estipula a Organização Internacional de Aviação Civil (ICAO), o país onde ocorre um desastre de aviação tem a responsabilidade de investigar as causas do mesmo, nomeando para o efeito uma comissão de inquérito. O país de registo da aeronave, segundo a Convenção de Chicago, pela qual se rege a ICAO, tem o direito de nomear observadores junto da comissão de inquérito.
Tal como refere o relatório da comisssão de inquérito ao desastre de Mbuzini, tanto Moçambique, país de registo da aeronave, como a União Soviética, pais de fabrico, foram convidados a participar nas investigações, tendo-lhes sido concedido o “direito de estarem representados nas sessões de audiência, a acarear testemunhas e a apresentar elementos de prova.”2
Moçambique e a União Soviética tomaram parte na elaboração do relatório factual sobre o acidente. Todavia, ambos os países viriam a excluir-se, por iniciativa própria, dos trabalhos da comissão de inquérito, tendo recusado prestar, mesmo que indirectamente, a colaboração pretendida.
Dado que a campanha de desinformação em torno das causas do acidente se ia avolumando mesmo antes de se ter dado início às investigações, a comissão de inquérito, indo ainda mais além do que é estipulado pela ICAO, convidou entidades estrangeiras independentes a tomarem parte nas investigações. Para além de técnicos da Aeronáutica Civil da África do Sul, a comissão de inquérito integrou as seguintes individualidades estrangeiras: Sir Edward Walter Eveleigh, britânico, ex-juiz do Tribunal de Recurso do Reino Unido; Frank Borman, norte-americano, ex-piloto de aviação, engenheiro de aeronáutica, comandante da missão espacial Apolo 8, e presidente do Conselho de Administração da Eastern Airlines; e Geoffrey Wilkinson, britânico, ex-piloto de aviação, engenheiro de aeronáutica, e inspector-chefe da Divisão de Investigações de Acidentes junto do Ministério dos Transportes do Reino Unido.
Presidia a comissão, Cecil Margo, juiz de carreira, e ex-piloto de aviação durante a Segunda Guerra Mundial, e com vasta experiência no campo da investigação de desastres aéreos. Das comissões de inquérito a que Cecil Margo havia presidido, destaca-se a que investigou as causas do desastre em que perdeu a vida o secretário geral das Nações Unidas, Dag Hammarskjold, na Zâmbia em 1961.
Os membros da comissão de inquérito chegaram a conclusões por unanimidade, sendo de salientar que tanto Moçambique como a União Soviética não rejeitaram o grosso do relatório final, para além de terem autenticado o relatório factual o qual contem dados de primordial importância, por si só comprovativos de que o desastre de Mbuzini se deveu a erro humano.
Voo fatídico
De acordo com o relatório da comissão de inquérito, a tripulação do Tupolev, em desrespeito do estatuído pela Aeronáutica Civil de Moçambique, não elaborou um plano de voo. No entanto, da leitura do registo de bordo, conclui-se que o navegador, à partida do aeródromo de Maputo, havia indicado o número errado de passageiros, isto é, um número inferior àquele que de facto transportava a bordo da aernoave.3
Trata-se de um erro grave, se se considerar que a forma como um avião descola assim como o combustível necessário para um determinado voo é calculado em função do peso que a aeronave transporta.
A tripulação informou a torre de controle do aeródromo de Maputo de que a autonomia do voo do Tupolev seria de 4 horas. Na realidade, o avião só dispunha de combustível para 3 horas e 45 minutos.4
Um outro erro, relaciona-se com a indicação, no registo de bordo, de que a Beira seria o aeródromo alternante, na eventualidade da aeronave ter de abortar uma aterragem em Maputo por quaisquer motivos, como por exemplo mau tempo, falta de energia ou situação de insegurança. Todavia, a aeronave não dispunha de combustível
suficiente para chegar à Beira.
Segundo o relatório, “o combustível necessário para um desvio de Maputo para a Beira, incluindo as reservas, seria de 4730 kg. A estimativa de combustível de que o avião dispunha quando se deu o acidente era de 2400 kg. Ou seja, faltavam no mínimo 2200 kg de combustível para o avião poder efectuar o trajecto Maputo-Beira.” Frisa o relatório: “O avião não teria conseguido chegar à Beira, a uma distância de 387 milhas náuticas.”5
A comisssão de inquérito não conseguiu apurar os motivos que teriam levado o comandante da aeronave a não reabastecer o Tupolev presidencial antes de iniciar o voo de regresso de Mbala para Maputo, ou a efectuar uma escala técnica, para esse fim, ao longo do mesmo percurso.
A pessoa que talvez pudesse esclarecer essa dúvida teria sido o mecânico de bordo e que havia sobrevivido ao acidente. Porém, a parte soviética não permitiu que ele comparecesse perante a commissão de inquérito, não obstante ter sido oficialmente solicitado a fazê-lo. E, neste capítulo, seria interessante poder-se também esclarecer em que é que o Sr. Sérgio Vieira, ministro da Segurança à altura do acidente, se baseou para afirmar ser “falso” e “propaganda do apartheid” que o avião não dispunha de combustível suficiente para chegar ao aeroporto alternante.6
É que, os dados recolhidos tanto pela parte moçambicana como pela parte soviética durante a fase preliminar das investigações, e que consta do relatório factual assinado pelos três países comprovam a versão final do relatório da comissão de inquérito relativamente à falta de combustível suficiente para a aeronave poder atingir o aeródromo da Beira.7
As caixas negras
Os registos magnéticos das comunicações mantidas entre a aeronave e a torre de controle do aeródromo de Maputo, referentes aos útlimos 30 minutos do voo, permitiram apurar que a tripulação do Tupolev presidencial havia desrespeitado as regras elememtares da navageção; ignorado instruções dadas pela referida torre; para além de ter revelado uma surpreendente falta de brio profissional.
Convem frisar que a reprodução dos registos magnéticos do Cockpit Voice Recorder - uma das chamadas caixas negras - foi efectuada, por imposição da comissão de inquérito, num país neutro, nomeadamente a Suíça, e na presenca das três partes - África do Sul, Moçambique, e União Soviética. Os registos magnéticos obtidos na Suíça foram posteriormente analisados, tendo a comissão de inquérito retido uma cópia do original. Quanto ao Digital Flight Data Recorder (DFDR), já que havia dois DFDR idênticos, a comissão de inquérito reteve um deles, tendo-se procedido, em Moscovo, à análise dos respectivos registos a partir do segundo DFDR. Isto exclui, à partida, a hipótese dos sul-africanos terem adulterado tais registos. Além do mais, como atrás se referiu, tanto Moçambique como a União Soviética certificaram a
autenticidade dos dados obtidos desses registos, e que constam
do relatório factual.
Assim, apurou-se que a tripulação do Tupolev não havia ajustado o altímetro de bordo de acordo com as coordenadas (QNH) fornecidas pela torre de controle do aeródromo de Maputo. Na prática, isto traduziu-se na leitura errada da altitude, levando a tripulação a assumir que a aeronave seguia a uma altitude muito mais elevada do que aquela em que na verdade se encontrava.8
A tripulação do Tupolev ignorou ainda as instruções dadas pelo operador de serviço na referida torre de controle, de acordo com as quais a aeronave deveria permanecer a 3000 pés de altitude até que se avistassem as luzes da pista de aterragem. Todavia, o avião desceu abaixo dessa altitude sem que se pudessem observar as luzes da pista, nem tão pouco as da cidade de Maputo, não obstante o facto da voo ocorrer de noite e com alguma nebulosidade. 9 Tal descida foi efectuada sem que a tripulação tivesse notificado a torre de controle, embora as instruções desta
para o operador de rádio (OR) de bordo fossem explícitas, conforme se pode ler no seguinte excerto da transcrição do CVR (a hora é TMG, e a aeronave é identificada pelo respectivo número de matrícula, isto é, C9-CAA, sendo a torre de controle designada por TC):
1902:02 TC: C9-CAA. Informe quando avistar as luzes da pista
ou então quando atingir os 3000 pés.
1902:16 OR: Recebido. O C9-CAA vai agora descer dos 3500 pés
para os 3000 pés. A próxima informação será prestada ao se avistarem as luzes da pista.
1902:28 TC: Recebido.10
Lê-se, a páginas 93 e 94 do relatório, que a transcrição obtida a partir do gravador de comunicações da cabine (o já citado CVR) “foi notável pelo facto da lista de tópicos a verificar dentro da cabine de voo não ter sido uma única vez conferida, nem tão pouco os aparelhos de ajuda à navegação identificados.” E acrescenta: “O Manual de Voo da URSS para este tipo de aeronave, ao abrigo do qual o C9-CAA devia ter funcionado, é preciso quanto
à atribuição de tarefas aos vários membros da tripulação, para além de incluir, de forma detalhada, o tipo de perguntas e respostas constante da lista de tópicos a verificar, as quais fazem parte dos procedimentos internacionais de navegação aérea. O não cumprimento, por parte da tripulação, das regras estabelecidas, reflectiu negativamente na cabine:
1902:02
TC: C9-CAA. Informe quando avistar as luzes da pista
ou então quando atingir os 3000 pés.
1902:16
OR: Recebido. O C9-CAA vai agora descer dos 3500 pés
para os 3000 pés. A próxima informação será prestada ao
se avistarem as luzes da pista.
1902:28
TC: Recebido.10
Lê-se, a páginas 93 e 94 do relatório, que a transcrição obtida a partir do gravador de comunicações da cabine (o já citado CVR) “foi notável pelo facto da lista de tópicos a verificar dentro da cabine de voo não ter sido uma única vez conferida, nem tão pouco os aparelhos de ajuda à navegação identificados.” E acrescenta: “O Manual de Voo da URSS para este tipo de aeronave, ao abrigo do qual o C9-CAA devia ter funcionado, é preciso quanto à atribuição de tarefas aos vários membros da tripulação, para além de incluir, de forma detalhada, o tipo de perguntas e respostas constante da lista de tópicos a verificar, as quais fazem parte dos procedimentos internacionais de navegação aérea.
O não cumprimento, por parte da tripulação, das regras estabelecidas, reflectiu negativamente na capacidade do comandante da aeronave em manter, dentro da cabine de voo, um nível adequado de disciplina.”
Efectivamente, em vez de cumprir com as referidas tarefas nos derradeiros momentos do voo, a tripulação ocupava-se de outras coisas. Por exemplo, o co-piloto escutava, através do rádio de Alta-Frequência de bordo, o noticiário e um programa musical transmitidos por uma estação emissora de língua russa. O mecânico de bordo, em conversa com os restantes membros da tripulação, referia-se à hospedeira moçambicana de bordo em termos ofensivos à dignidade de uma mulher, a ponto de a parte soviética ter encarecidamente solicitado à comissão de inquérito que omitisse da transcrição do CVR as palavras obscenas por ele proferidas. O comandante da aeronave mantinha uma conversa amena com os restantes membros da tripulação, contando peripécias de voos anteriores para Lusaka, e um outro de Milão para Varsóvia, durante os quais as aeronaves não haviam sido reabastecidas, o que causara alarme e apreensão entre alguns dos membros das respectivas tripulações.
A sete minutos da hora prevista de aterragem, o comandante e o mecânico de bordo estão mais preocupados em encomendar cervejas e Coca-Cola do bar da aeronave do que a cumprir com os regulamentos atinentes à fase deaterragem. O seguinte excerto extraído do CVR é disso elucidativo:
1912:48
Mecânico: Para aqui, três cervejas e uma coca.
Comandante: São três cervejas, não é?
Mecânico:Sim, e uma coca para cada um.
Comandante: Muito bem.
E quando faltavam cinco minutos para a aterragem, as cervejas e as Coca-Colas voltam a ser tema de conversa na cabine do avião:
1915:30
Mecânico: Duas para cada um, ou quê?
Comandante: Não, três cervejas e uma coca para cada
um. Trouxeram o mesmo para cada um de nós?
1916:37
Mecânico: Três cervejas e uma coca para cada um.
1916:43
Comandante: Óptimo.
O alegado rádio-ajuda falso
A cerca de 10 minutos da hora prevista para a aterragem, o Tupolev efectuou uma viragem prematura à direita. Numa tentativa de estabelecer as razões dessa viragem, a comissão de inquérito concluiu “não haver qualquer fundamento na teoria de que a aeronave teria sido desviadada sua rota por meio de um rádio-ajuda falso (VOR) ou qualquer outro aparelho.”11
Ficou provado que o rádio-ajuda do aeródromo de Maputo funcionou normalmente antes, durante e depois da queda do Tupolev. Os registos do DFDR não indicaram qualquer interferência vinda de outro rádio-ajuda falso de idêntica frequência à do rádio-ajuda do aeródromo de Maputo, mas de potência superior, conforme foi alegado.
Aliás, o voo TM103 das LAM, proveniente da Beira, seguia em direcção ao aeródromo de Maputo aproximadamente à mesma hora em que o Tupolev se encontrava no espaço aéreo moçambicano, tendo entrado no raio de acção do rádio-ajuda de Maputo e captado o respectivo sinal. O relatório salienta que além disso o voo TM103 não se desviou da sua rota, como seria de esperar, se de facto existisse o tal rádio-ajuda falso.
A comissão de inquérito concluiu que o mais provável foi que a tripulação do Tupolev teria, inadvertidamente, sintonizado o rádio-ajuda do aeródromo de Matsapha, na Suazilândia, cuja frequência de 112,3 Mhz é, de facto, bastante próxima da de Maputo, ou seja, 112,7 Mhz.
Dado que a região de Mbuzini se situa no enfiamento em direcção ao aeródromo de Matsapha, a commissão de inquérito recorreu a um simulador de voo Boeing-737 para se certificar de que de facto a viragem prematura à direita teria sido resultante do sinal emitido pelo rádio-ajuda instalado no aeroporto suázi. Os resultados obtidos compro-varam isso mesmo. No entanto, a parte moçambicana rejeitou o recurso a um simulador de voo, alegando que “o simulador B-737 não era um substituto adequado.”12
A parte soviética alegou que o Tupolev não poderia ter captado o sinal do rádio-ajuda de Matsapha devido a obstruções provocadas pela montanha de Bembegazi.
Em face disso, a comissão de inquérito, com a anuência da Aeronáutica Civil da Suazilândia, solicitou à parte moçambicana que se efectuasse um voo experimental, seguindo o mesmo trajecto do
Tupolev, a fim de se tirarem as dúvidas. Moçambique não autorizou o voo.
Porém, como refere o jornalista Robert Kirby do Mail & Guardian, por sinal piloto-aviador, “dois aviões Mirage da Força Aérea Sul-Africana efectuaram um voo não oficial de modo a poderem testar o sinal que a parte soviética alegava não ter sido possível ao Tupolev captar. Os dois Mirage informaram que o sinal havia funcionado com precisão à mesma altitude utilizada pelo Tupolev. Mais tarde,
dois cargueiros pertencentes a duas companhias de aviação
independentes confirmaram o mesmo.”13
De salientar que o rádio-ajuda de Matsapha havia sidoinstalado recen- temente, estando a funcioanr em regime experimental, tendo a Aeronáutica Civil da Suazilândia emitido um Aviso à Navegação (NOTAM) nesse sentido.
Em declarações à comissão de inquérito, a parte moçambicana indicou que “provavelmente, a tripulação do Tupolve-134A não tinha conhecimento do NOTAM”. Todavia, a comissão de inquérito lembrou à parte moçambicana que a mesma aeronave, por sinal transportando Samora Machel a bordo, havia aterrado em Matsapha no decurso de uma visita de Estado que o então presidente moçambicano efectuara à Suazilândia a 25 e Abril de 1986.
A comissão de inquérito sublinhou que “a única função de um rádio-ajuda VOR é indicar o azimute, isto é, a direcção no plano horizontal. O VOR não é um guia para se efectuar uma descida e não faz com que uma aeronave desça. Apenas um ILS [Sistema de Aterragem por Instrumentos] poderia fornecer tal ajuda, mas não existe sequer a mínima indicação de um ILS falso.” E o relatório acrescenta:
“De qualquer modo, tal como está claramente indicado na transcrição do CVR, não estava a serrecebido qualquer sinal ILS isto porque a aeronave encontrava-se fora do raio de acção do ILS de Maputo.”14
A haver um VOR falso, diz ainda o relatório, “a trajectória da aeronave teria sido curvilínea. Todavia, a reconstituição da trajectória de voo do C9-CAA, efectuada em Moscovo, demonstra
que a mesma foi em linha recta.”15
Para além do mais, demonstra a comissão de inquérito com base na reprodução dos registos magnéticos do voo, a aeoronave, após ter efectuado a viragem prematura à direita, não estava a ser guiada por nenhum rádio-ajuda, mas sim pelo sistema Doppler.
E para que não restassem quaisquer outras dúvidas quanto à operacionalidade do rádio-ajuda do aeródromo de Maputo, a comissão de inquérito apurou, junto do técnico responsável pelos instrumentos de navegação do referido aeródromo, que “o VOR funcionou normalmente durante o seu turno de serviço, que era das 20h00 (horade Maputo, ou seja, antes do acidente) do dia 19 de
Outubro até às 06h00 do dia seguinte.” O mesmo técnico referiu que “havia um monitor na torre de controle que daria um sinal de alarme caso o VOR tivesse sido desligado,”16 o que não aconteceu.
As causas do acidente
Tendo demonstrado cientificamente a não existência de um rádio-ajuda falso, e da irrelevância do mesmo na consumação do acidente, a comissão de inquérito responsabilizou a tripulação do Tupolev C9-CAA pelo desastre de Mbuzini. Tal como vem referido na página 109 do relatório: ”A causa do acidente foi devida ao facto da tripulação não ter cumprido com os requisitos para uma descida por instrumentos, mas continuou a descer ao abrigo das regras de um voo visual, no escuro e com alguma nebulosidade, isto é, sem ter contacto visual com o solo, abaixo da altitude minimamente segura e da altitude mínima que lhe havia sido atribuída, para além de ter ignorado o sinal de alarme dado pelo GPWS.” [Ground Proximity Warning System – Sistema de Aviso de Proximidade do Solo].
Da leitura do seguinte excerto obtido da transcrição do VCR fica-se com uma ideia mais precisa daquilo que se passou. Ressalta, aliás, desse excerto, que entre os membros da tripulação reina a confusao. Tanto o comandante como o co-piloto assumem, erradamente, que há um corte de energia à cidade de Maputo e ao aeroporto pois não conseguem detectar as luzes da pista. Isto, não obstante o facto da torre de controle ter repetidas vezes dado autorização à aeronave para aterrar, atribuindo-lhe até o número da pista a utilizar, o que por si só significava a operacionalidade do aeródromo, incluindo a respectiva iluminação. No entanto, a tripulação insiste em saber sehá ou não energia, pois não consegue localizar nenhum vestígio do aeroporto.
*Moçambicano, tem-se dedicado à investigação da história contemporânea de Moçambique. Publicou recentemente um estudo sobre as origens da guerra civil no seu país, com o título, Mozambique - the tortuous road to democracy (Palgrave/Macmillan, Londres e Nova Iorque, 2000). O presente artigo baseia-se no manuscrito do seu próximo livro intitulado, Mbuzini, a 35ª vítima, a ser publicado com a chancela Brado Africano, de Maputo.
NOTAS
1. O Ilanga, jornal de língua zulu que se publica na África do Sul, foi o primeiro órgão de informação a dar esta notícia na sua edição de 27-29 de Outubro de 1986. O Sowetan Sunday World repetiria a alegação a 19 de Janeiro e novamente a 2 de Fevereiro de 2003.
2. ”Report of the Board of Inquiry into the Accident to Tupolev 134A-3 aircraft C9-CAA on 19th October 1986 - Pretoria, 2 de Julho de 1987 (ISBN 0621112399).”
Este o título original do relatório da comissão de inquérito a seguir citado como “Relatório”. Trata-se de um documento de 222 páginas, subdivido em duas partes. A primeira parte consiste do relatório propriamente dito, e a segunda dos comentários feitos ao mesmo pelas delegações de Moçambique e da União Soviética, assim como das respostas por parte da comissão de inquérito.
NOTAS
2. Relatório, op. cit., p. 10.
3. Idem, p. 106.
4. Idem, pp. 92, 121.
5. Idem, p. 35.
6. Sérgio Vieira, “Sobre a morte de um herói”, Domingo, 2
de Fevereiro de 2003, p. 8.
7. Relatório, op. cit., p. 58.
8. Idem, p. 50.
9. Idem, p. 89.
10. Idem, p. 104.
11. Idem, p. 109.
12. Idem, II Parte, p. 2.
13. Robert Kirby, “Don’t be led astray by the ‘decoy beacon’ theory”, Electronic Mail & Guardian, 19 de Junho 1998.
14. Relatório, op. cit., p. 114.
15. Idem, p. 115.
16. Idem, p. 116.
17. Idem, pp. 90-91.
18. Idem, p. 91.
TUPOLEV 134-A – Um historial negro
O primeiro Tupolev-134A foi construído em 1962, entrando ao serviço da aviação comercial em Setembro de 1967. Até 2002, haviam ocorrido 51 acidentes com aviões deste tipo de um total de 853 fabricados. Em 1986, ano do desastre de Mbuzini, ocorreram cinco acidentes. No acidente de 22 de Junho desse ano, a aereonave preparava-se para levantar voo, tendo a descolagem sido abortada nos últimos instantes. O segundo acidente ocorreu a 2 de Julho após ter-se verificado um incêndio no porão da bagagem. O terceiro acidente foi o deMbuzini, tendo o quarto ocorrido no dia seguinte, ou seja, a 20 de Outubro, igualmente no momento da aterragem. O quinto e último desastre de 1986 ocorreu também no momento da aterragem, tendo a tripulação feito a aproximação à pista errada. Este último acidente ocorreu no aeroporto de Berlim, e os restantes, excepto o de 19 de Outubro, em diversos aeródromos da União Soviética.
FONTE: Plane Crash Information
http://www.planecrashinfo.com