Anos '80. Bissau fervilhava de entusiasmo e a cidade ainda ostentava o título da mais limpa capital da costa ocidental de África. Todos os amigos da minha geração viviam em Bissau. Na altura havia torneios e campeonatos de basquetebol no ringue do Banco Nacional e de ténis no Alto Bandim. Aprendia-se karaté, jogava-se bilhar na sede da UDIB e dominó no café Império. Convivíamos com malucos como o Jacob e o Eustáquio, enquanto que o governo os escondia dos visitantes, anestesiando-os primeiro antes de os atirarem para as caixas abertas das carrinhas, rumo ao que agora resta do hospital 3 de Agosto (antigo hospital Militar).
Hoje, a outrora Praça do Império – rebaptizada de ‘Praça dos Heróis Nacionais' (este nome no entanto caíra desde logo em desuso), era o local de encontro de todos os namorados de Bissau e arredores. Era, de resto, o local da capital onde havia mais meninas bonitas por metro quadrado. Era normalmente aqui onde as miúdas davam resposta aos pedidos de namoro e, por que não dizê-lo, o local que escolhiam para ‘calçar os patins' a esses mesmos namorados. Valia tudo, menos arrancar olhos.
Também frequentávamos a ‘bolanha' dos coqueiros, caçando pássaros e pescando, fugindo da catana do ‘Nho Morna' – isto já para não falar dos peixes que ‘pescamos’ na residência do embaixaor de Portugal em Bissau. Fizemo-lo apenas por pura traquinice, diga-se em abono da verdade. Volvidos muitos anos, Bissau hoje está acabrunhada. Perdera o título da mais limpa e ostenta agora sabe-se lá o quê (a mais escura, suja, desfigurada - escolha o leitor).
Nas bolanhas, quantas vezes não paramos para apreciar o espectáculo lindo que era ver as ‘badjudas' nos seus trajes menores, lavando roupa ou aguardando a sua vez para, da fonte, acarretar água. Porém, Bissau hoje não existe para além do mapa e alberga 400 mil almas revoltadas, cada uma com a sua dor.