Senhores governantes guineenses: muitos de vós não me conhecem - muitos conhecem-me bem - mas não perdem nada com isso. Aproveito igualmente para vos dizer que nunca morri de amores pela vossa governação. Estou mesmo longe, muito longe mesmo do termo «amor». Não imaginam a vontade que tenho de dizer aos meus amigos e colegas uma coisa tão simples e ao mesmo tempo bonita como isto: «Eu amo os governantes do meu país». Mas não posso. Ou, melhor, vocês não me deixam.
À atenção do (ainda) governo da Guiné-Bissau
Eu, cidadão deste país, portanto guineense, que sinto ter a obrigação de vos conhecer (assim mesmo e sem medo da expressão), vejo-me igualmente na obrigação de vos dirigir algumas palavras. Assim, sem mais delongas, vou direito ao que venho. Leiam e ponderem, só isso. 30 anos de independência deitaram por terra toda a esperança neste país. Vi tudo desmoronar como um castelo de cartas. Por momentos, até pensei que um milagre fosse possível. Digo isto com uma grande mágoa porque, afinal, fomos sempre dirigidos pelo Homem, cuja capacidade de pensar antes de agir é uma lei própria da natureza. Caso contrário, seríamos animais.
Hoje ainda, a Guiné-Bissau vive às escuras, está sempre de mão estendida à espera de caridade alheia. As suas crianças, os seus jovens, estão encurralados e sabem que deixaram de puder contar com um futuro risonho. Muito menos ainda se podem dar ao luxo de sonhar. Hoje, na Guiné-Bissau, sonhar deixou de ser fácil e o diabo anda à solta. A incopetência grassa, a que se soma a falta de moral. É incrível como neste país ninguém parece querer aprender com os erros do passado. E o passado passou há bem pouco tempo...e o povo a levar por tabela.
Basta, meus senhores! Como também basta dar uma simples volta pelas artérias de Bissau, para se constatar a miséria a que este povo tem sido votado. Este regresso ao meu país - a quarta desde o golpe de Estado de 1998 que derrubou o lacaio, traidor e cobarde 'Nino' Vieira - deixou-me triste. Este país, cuja terra e povo venero, dilacerou-me o coração. Convém no entanto esclarecer que amo este país!. E, talvez por isso, sinto-me repelido por ele. Odeio-o mas volto a amá-lo. Esta relação de amor ódio ainda hoje persegue-me. Talvez seja por, desde muito novo, me dar conta de que estava - eu e outros jovens da minha geração - atrasado em relação ao resto do mundo. E não estava enganado. Volvidos muitos anos, vivo ainda hoje submetido a essa certeza triste e penosa: nunca acertarei o passo pelos tempos modernos. Aliás, a simples menção da palavra «tempos modernos» levanta no meu cérebro suspeitas imemoriais, dúvidas estranguladoras, incertezas dolorosas.
Na Guiné-Bissau, já ninguém parece querer saber de credibilidade a nível internacional, do Direito Internacional, das democracias liberais - que tenderão a perder se nada se fizer, ou se chegarem tarde. Com que cara vamos nós contar aos nossos filhos - hoje sem escola, a deambularem pelas ruas vendendo tudo o que não têm - de que houve (há, sim senhor) mecanismos de garantia da paz, de educação, de segurança? - Com que convicção vamos nós ensinar aos nossos netos de que existem valores supremos como a Justiça, o Direito, a Paz, a Democracia? - Com que confiança em mim próprio vou explicar aos meus amigos de que o Direito Internacional é verdadeiro direito, porque se inspira na Justiça e prevê sanções para os seus infractores? Tudo isto para referir que nesta como em todas as circunstâncias, a sina dos homens que querem ser justos só pode ser a de emprestar a sua voz aos que foram vencidos pela vida.
Hoje, na Guiné-Bissau, ninguém parece querer importar-se com nada! Não servem quem neles votou, estão-se nas tintas por quem, de facto, tem competência. Hoje, a Guiné-Bissau não tem nada: nem dinheiro, nem moral e muito menos ainda «peso» internacional. Resta ao seu povo um impressionante civismo e capacidade de resistência. O primeiro de todos, o grande Amílcar Cabral, viu a incompetência dos seus camaradas, aliados à cegueira do Estado Novo colonial roubar-lhe a vida. A Guiné-Bissau tornou-se num santuário para os corruptos, os incompetentes, os «barriduris di padja», os mentirosos, os delatores. Que cometem crimes, escapam à Justiça e, pior ainda, acabam reconduzidos em cargos onde outrora governaram a seu bel-prazer. Uma grande merda, é o que tem sido. Pior do que isto mesmo, só tentarem fazer-nos crer que essa merda é íntegra. Ah, já agora: Que não nos falte nada já que a nós nos calhou tudo!