quarta-feira, 18 de março de 2015

LIVRO: As memórias do embaixador Francisco Henriques da Silva


"Da Lili da Parede à guerra na Guiné-Bissau

Recordo-me da menina mais espampanante, na altura areia de mais para qualquer camioneta, a Lili da Parede, uma louraça bem bronzeada, que andava um ou dois anos mais adiantada (creio que frequentava 0 6º, quando nós andávamos no 4º ou 5º) e que hoje dá pelo nome de Lili Caneças".

Quem assim escreve é o embaixador Francisco Manuel Guimarães Henriques da Silva, no livro "Guerra na Bolanha", hoje lançado pela editora Âncora, no seu programa sobre o fim do império colonial português. O diplomata nasceu em 17 de Dezembro de 1944, em Lisboa. E Maria Alice Custódio de Carvalho Monteiro, a Lili da Parede, em 4 de Abril desse mesmo ano, na Guarda. "Recordo-me das lições do falecido professor Marcello Caetano. O mestre subia à tribuna, ladeado por dois assistentes, Diogo Freitas do Amaral e Miguel Galvão Teles. Os 300 e tal alunos levantavam-se".

Estas são mais algumas linhas das memórias do embaixador Francisco Henriques da Silva, que nos fala dos anos da sua formação, da ida para a Guiné como alferes miliciano e do ingresso na carreira diplomática, que o levaria aos Estados Unidos, à França, ao Canadá, a Bissau, à Costa do Marfim, à Índia, ao México e à Hungria. Manuel Barão da Cunha, coordenador do Programa Fim do Império, escreveu uma nota prévia ao livro de 302 páginas hoje lançado e Mário Beja Santos redigiu o prefácio, no qual chama a atenção para as dificuldades que se poderiam sentir no regresso a casa, depois de dois anos de comissão de serviço no Ultramar.

Numa linguagem excepcionalmente fluente, ao alcance de qualquer um, Francisco Henriques da Silva conta-nos o seu nascimento na Avenida Rovisco Paes, junto ao Instituto Superior Técnico, a breve passagem pelo Bairro Azul, a ida para o Restelo, as sessões de cinema no São Jorge e outras salas, o nível da Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, do Teatro Experimental de Cascais e do Teatro Estúdio de Lisboa, de Luzia Maria Martins e Helena Félix; e fala-nos de tantas, tantas outras coisas, particularmente queridas a quem hoje anda na casa dos 67/70 anos.

Vitorino Nemésio, António Lopes Ribeiro, João Villaret e Pedro Homem de Mello não poderiam deixar de ser evocados, quando se está a contar o como era Portugal na década de 1960, quando ele passou por Mafra, Castelo Branco, Tancos e Amadora, antes de ter viajado para Bissau no navio "Uíge". No Depósito de Adidos, em Brá, Francisco Henriques da Silva teve a oportunidade de ouvir logo a seguir à chegada o então governador e comandante-chefe das tropas destacadas na Guiné, António de Spínola, "de monóculo, pingalim e luvas, acompanhado pelo seu habitual séquito".

Naquela altura, conta o autor do livro, que tem 302 páginas, António Sebastião Ribeiro de Spínola "encarnava, ou julgava encarnar, tudo: os Lusíadas, a bandeira verde-rubra, Afonso e Mouzinho de Albuquerque combinados, Aljubarrota e os conjurados de 1640...". Era, realmente, um grande sonhador, esse oficial general que durante meia dúzia de anos tudo fez para chegar à chefia do Estado, lugar no qual só se aguentaria por alguns meses. Pobre Napoleão tresloucado, que em 11 de Março de 1975 ainda tentou reconquistar Belém.

De todas estas coisas e de muitas, muitas mais, nos fala o embaixador Francisco Henriques da Silva, que inclusive relata conversas com o sogro, António Rosa Casaco, inspector da PIDE/DGS, que foi correio diplomático entre Salazar e Franco, durante a Guerra Civil de Espanha e a Segunda Guerra Mundial. "Não me posso, nem me devo queixar da vida, à parte os pequenos percalços do quotidiano, que, obviamente, também os houve", conclui o autor de "Guerra na Bolanha", pessoa que em Setembro de 2012 já nos dera as "Crónicas dos (Desfeitos) da Guiné", nas Edições Almedina.

Jorge Heitor, jornalista
Lisboa, 17 de Março de 2015"