quinta-feira, 29 de janeiro de 2015
OPINIÃO: Nas Entrelinhas
"Sem ser naif, sempre fui de opinião de que, deve-se ser optimista e encarar a vida pelo lado positivo. Porém defendo igualmente de que, ha-que ser-se pragmatico, quando os factos e a realidade tendem a projetar-nos para cenarios menos positivos quanto as nossas expectativastraçadas. Assim é, como em tudo na nossa vida quotidiana, onde temos os nossos altos e baixos, vivemos momentos de euforia e de altas expectativas, e ha momentos em que, sentimo-nos arrastados, para momentos de profunda introspecção, caindo muitas vezes em estado de desanimo profundo. Entre esses antipodas do sentimento humano, é bom contudo, despertar-se enquanto é tempo, para a encararmos a realidade e começar a ponderar algumas situações que, em entrelinhas desgraçadamente enredadas, nos traçam grandes cenarios do que pode vir a ser e acontecer a breve trecho.
Confesso que, cheguei a sentir-me euforico com o restabelecimento da ordem constitucional no nosso pais e com as mudanças que se seguiram ao pleito eleitoral, porque ter um presidente e um primeiro ministro da mesma cor politica e, aparentemente ambos portadores de valências e provas de alcance de acção governativa acima da média, confesso que me fizeram sonhar. Na verdade, o JMV e DSP, fizeram mirabolar os olhos dos esperançosos guineenses, criando a ilusão de se ter encontrado uma dupla imbativel, qual um o rolo compressor de beifeitas, élan que faltava ao pais para traçar as vias seguras para um desenvolvimento seguro e sustentado a médio prazo.
Embora estivesse ciente de que, não sendo a primeira vez que isso acontece na historia democratica do nosso pais, não deixei no entanto de nutrir fortes esperanças com a aparição dessa dupla de governantes, dado por um lado, ao contexto politico-militar particular do qual o pais acabara de emergir e, por outro, as suas capacidades intrinsecas induzidas às lições que forçosamente emergeram desse contexto de particular dificuldades para todo o povo, que sobre o qual, convictamente estava eu convencido, convida-los-ia ao pragmatismo de uma nova abordagem da convivência politica entre os « dois » poderes », dando primazia aos superiores interesses do pais em detrimento dos interesses pessoais, de querelas institucionais ou jogos estratégicos dos respectivos grupos de interesses.
Na verdade, ja em 2000 fora assim com o PRS a arrasar toda a concorrência politica, açambarcando a presidência e a primatura. Infelizmente, essa experiência kumbista-renovadora de ma recordação, deixou um espolio de resultados desastrosos que se conhecem e se respaldam até à presente data devido ao primitivismo governativo que então se instalou no aparelho do Estado. Igualmente, assim foi num passado bem recente, com a dupla aparentemente promissora constituida por MBS e o carismatico CGJ.
Com estes igualmente, as promissoras expectativas de estabilidade e governabilidade, foram amplamente contrariadas, mercê de factores varios, particularmente, uma onda de conspirações venenosamente urdidas por um grupusculo de oportunistas politicos encapotados de conselheiros/assessores que nocivamente orbitavam nos dois polos do poder na Guiné-Bissau. Estes, como se sabe acabaram por fazer vincar a teoria da conspiração e do «conflitos de poderes» e, assim à força dos poderes paralelos fortemente instalados, acabaram por minar uma co-habitação que prometia e muito poderia trazer para o bem do pais, se se atender ao desempenho da parte do executivo de então.
Porém, voltando ao sonho e expectativas entusiasticamente vividos, quiça prematuramente, se considerarmos o cenario similar pouco animador que se vislumbram a curto prazo no nosso pais, é tempo de nos despertar-mo-nos para a realidade cruel que nos bate a porta. A eminência de um conflito institucional à larga escala entre o PR e o PM não é um cenario a descartar a curto prazo.
Essa evidência factual, que embora tende a ser escamoteado, particularmente por parte do PM, demostra infelizmente que, mais uma vez, apesar de todas as envolvências positivas que o actual cenario politico oferece, parece-me obvio de que, os nossos mais altos dirigentes politicos da actualidade, ainda não atingiram o estado da maturidade politica, que passa, pela criação de bases fecundas e perenes para uma convivência sã no quadro do exercicio republicano de um poder que lhes foi conferido nas urnas, a cada um, na sua estrita esfera de competências.
Patética e orgulhosamente, assistimos diariamente, quer nos orgãos de comunicação nacional, quer estrangeira, cada um arrogar a legitimidade do seu mandato, assim como se assiste ao barricar dos incompetentes e «tchutchiduris» que se vão edificando em nucleos potenciadores de conflitos entre os dois orgãos, esquecendo porém, a soberbia dos dois «iluminados da legitimidade» de que, ninguém lhes conferiu a «legitimidade da arbitrariedade» e, tão pouco, lhes foi conferido mandato para fazer o povo guineense de pacovios.
Tudo isso, para dizer, de que eu, enquanto cidadão cioso dos sucessivos problemas que o nosso pais tem vivido até a presente data, não se pode admitir que, por narcisismo de caracter, ou de qualquer outra natureza, se aceite de braços cruzados, a um reeditar de incompatibilidades absurdas, senão estupidas entre esses dois polos do poder na Guiné-Bissau, enquanto o povo, esse morre de consolo de esperar por melhores dias. Isso não...
Não posso, e nem sentir-me-ia confortado na minha intimidade republicana, optar pela indeferença à troca de galhardetes com luva branca, entre o campo do PR e do PM. Sei que muita gente tenta negar essa evidência, incluindo o PR e o PM, porém, este teima, embora subrepticiamente, diariamente a subemirger indecorosamente de parte à parte, quer nos discursos oficiais, quer nos «recados» em actos de interposto exercicio publico de funções, passando por manifestações retoricas de boas intenções de que, TUDO VAI …, quando na verdade a pratica e a falta de concertação é latente, e o descontentamento se faz sentir nos corredores do poder de parte à parte, qual um iceberg a deriva à procura do choque com o Titanic.
Negar a evidência de um conflito entre esses dois orgãos do poder do Estado guineense, quando as vozes se entrecortam em intenções publicamente desavindas, quando os programas e as opções de desenvolvimento que devem ser adoptadas para o pais são conhecidamente antagonicas, é filosofar como Juno, é prestar um mau serviço ao pais, é tentar cobrir o céu com a peneira. Por isso, temos que parar de pensar prioritariamente nos nossos egoismos e projectos pessoais ou do nosso grupo social ou politico e direccionar as sinergias na procura de soluções viaveis para o pais, priviligiando em primeira mão os superiores interesses do martirizado povo guineense.
Neste particular, mais do que os partidos politicos, os quais, tal como se verifica com a inclusão governativa actual, facilmente se acantonam no mutismo colaboraccionista quando os seus interesses pessoais e do grupo sejam salvaguardados, cabe a Sociedade Civil, o dever de jogar um papel crucial no xadrez politico guineense, participando, denunciando, criticando e, acima de tudo, apontar vias e soluções viaveis para a saida do marasmo em que se encontra o pais, pois nenhuma legitimidade pode ser utilizada arma de revanchismo de poder.
O Beijo de Judas"