domingo, 7 de julho de 2013

RAMOS HORTA: A grande desilusão


"Meu caro Aly Silva,

Antes quero manifestar-lhe toda a minha solidariedade nessa luta que é de todos os guineenses contra a ditadura militar vigente no nosso país. Faço parte daqueles que te admiram pela sua coragem e determinação em defesa dos valores e dos principios que todas as sociedades livres e democraticas comungam. É nesse quadro, que, como guineense, decidí escrever uma opinião sobre o comportamento que acho totalmente inadequado do Ramos Horta, na sua qualidade de RE do SG da ONU, agradecendo a sua publicação no seu blogue. Alta e fraternal consideração.

Ramos Horta, representante do SG da ONU na Guiné-Bissau – uma total desilusão para os Guineenses – rendido aos militares golpistas e a famigerada CEDEAO.

Como guineense que sou, tinha ficado satisfeitíssimo com a escolha do timorense RAMOS HORTA para representante do SG da ONU na Guiné-Bissau, não só pela experiencia acumulada na luta pela libertação do povo maubere então subjugado pela tirania dos indonésios, mas também por ter ocupado os mais altos cargos políticos no seu país durante os últimos anos. A instabilidade politica e social que reinou nos tempos que se seguiram a independência de Timor Leste dos indonésios é em tudo semelhante daquilo que a Guiné-Bissau tem vivido desde a sua independência, em que os militares se sobrepuseram as instituições politicas.

Ora, tal como os indonésios foram muito maus para o povo maubere, porque durante o seu reinado os cidadãos timorenses perderam as suas liberdades fundamentais. O Senhor Ramos Horta foi exemplo de firmeza na luta que liderou no exterior para a defesa das liberdades fundamentais dos cidadãos timorenses e a sua independência face ao poder totalitário de então dos indonésios. Ele, Ramos Horta, sabe mais do que ninguém o valor da liberdade de um povo oprimido por um poder autoritário, brutal e violento. Ele foi forçado a viver no exilio durante muitos anos, porque o seu país estava ocupado por tiranos indonésios.

Por isso, achei que a sua escolha seria perfeitamente ajustada a necessidade de defesa a favor do povo guineense, que ao longo de décadas está privado das suas liberdades por causa da ditadura militar existente na Guiné-Bissau, que transformou os militares, seus familiares e acólitos numa classe de intocáveis perante as instituições estatais em geral e em particular as instituições da justiça.

O senhor Ramos Horta, no lugar de se colocar ao lado do povo guineense oprimido, ficou a defender aqueles que são os principais responsáveis da opressão na Guiné-Bissau, que são:

a) Aqueles que matam e espancam os guineenses,
b) Aqueles que violentam os guineenses;
c) Aqueles humilharam e humilham os guineenses;
d) Aqueles que são os responsáveis pelos crimes políticos na Guiné-Bissau;
e) Aqueles que mataram Veríssimo Seabra, Nino Vieira, Lamine Sanhá, Tagme na Waie, Ansumane Mané, Domingos de Barros, Baciro Dabó, Hélder Proença, os doze cidadãos da etnia felupe naquela inventona de 12 de Outubro e tantos e tantos outros;
f) Aqueles que raptaram e espancaram os Drs. Iancuba Indjai e Silvestre Alves;
g) Aqueles que são os principais responsáveis pelo tráfico de drogas e armas na Guiné-Bissau;
h) Aqueles que não permitiram a nenhum Governo e a nenhum Presidente da República terminarem o seu mandato outorgado pelo povo, através de eleições consideradas, pela comunidade internacional, de justas e transparentes;
i) Aqueles que com o dinheiro do tráfico de drogas e armas construíram e constroem mansões e palacetes na Guiné-Bissau;
j) Aqueles que jamais deixaram as instituições do Estado funcionarem dentro da normalidade e da legalidade e desrespeitaram sempre a vontade popular;

Em suma, o Sr. Ramos Horta está, hoje, claramente a defender e a tentar proteger os militares golpistas, narcotraficantes e criminosos em detrimento do povo guineense.

O Ramos Horta sabe que os cidadãos guineenses não gozam das suas liberdades fundamentais, porque os militares não deixam. Sabe também que nem o chamado governo inclusivo, seu primeiro-ministro, nem o presidente de transição nem mesmo o parlamento têm qualquer parcela de poder na Guiné-Bissau atual.

O senhor Ramos Horta sabe perfeitamente que quem manda na Guiné-Bissau são os militares que agora defende e protege. Quem manda no país é o Sr. António Indjai, recentemente acusado formalmente de tráfico de drogas e conspiração pelas autoridades norte-americanas.

Aliás, as declarações de Ramos Horta após o encontro com as chefias militares, onde depois de ter ouvido as ladainhas habituais destes, afirmou ter ficado de coração partido. Ele não ficou de coração partido com a violência exercida contra o povo. Não ficou de coração partido com as figuras assassinadas pelos militares. Não ficou de coração partido com os espancamentos de dirigentes políticos e vários outros cidadãos. Não ficou de coração partido ao ler os relatórios do secretário-geral da ONU, onde se reitera que há na Guiné-Bissau um medo generalizado do povo face a tirania dos militares. Não ficou de coração partido ao ler os relatórios da ONUDC sobre o envolvimento ao mais alto nível no tráfico de drogas na GB pelas altas patentes militares do país.

Sintomático foi também a afirmação deste senhor, que os guineenses pensavam que iria defende-los face a tirania militar vigente, quando em entrevista ao jornal Público, disse que a comunidade internacional só acordou para a droga na Guiné-Bissau depois do derrube do Carlos Gomes Júnior. Sr. Ramos Horta, no mínimo, quando foi designado para o cargo que ocupa em nome do SG da ONU, devia ler os relatórios da ONUDC e ficarias a saber do ridículo em que caiu com aquela afirmação. O senhor Ramos Horta se escolheu defender os militares golpistas e narcotraficantes da Guiné-Bissau, não o faça com falsas conclusões. O Senhor Ramos Horta está a ser uma tremenda desilusão para os guineenses, mas também uma vergonha para toda a comunidade de língua portuguesa. Lembro, aliás, ao Sr. Ramos Horta que nos momentos difíceis da vida do povo timorense, o povo guineense, através dos seus representantes se bateram sempre em sua defesa.

Em todo o caso, não vamos confundir o comportamento do sr. Ramos Horta com o povo timorense, porque este escolheu ficar solidário com povo guineense.

Silvério Costa Mendes"