quinta-feira, 25 de julho de 2013
António Aly Silva em entrevista à Rádio Morabeza: “Quem tem interesse em espiar a Guiné é a DEA”
António Aly Silva, jornalista guineense, é uma das vozes críticas que se levanta contra a detenção dos polícias cabo-verdianos na Guiné Bissau. Em entrevista exclusiva à Rádio Morabeza Aly Silva declara que tudo não passa de uma represália do governo guineense por causa da detenção de Bubo Na Tchuto em águas cabo-verdianas. Pode OUVIR a entrevista na íntegra.
António Aly Silva - É de lamentar que as autoridades da Guiné, uma vez mais estejam a passar uma imagem negativa para o mundo e sobretudo para os nossos irmãos de Cabo Verde. Povo com o qual fizemos uma luta em que cada um conseguiu a sua independência e pela qual muitos guineenses e cabo-verdianos morreram. Isto era uma coisa de evitar. Eu sei que as autoridades da Guiné, ilegítimas como são, com a incompetência que reina naquele governo que tem o apoio de quatro países, um pais que está cercado económica e politicamente nas instâncias internacionais credíveis esteja nervoso. E tenta com cada atitude errar ainda mais. Cada vez que o governo da Guiné tenta emendar a mão faz mais disparates, portanto eu lamento profundamente isto que está a acontecer, isto é uma coisa que se devia resolver muito facilmente. Aliás, há uma coisa que as pessoas ainda não perceberam… os agentes cabo-verdianos, antes de serem agentes são cidadãos de uma comunidade chamada CEDEAO onde todos os nacionais de cada um desses países tem livre circulação nesse espaço. Falhou alguma coisa. No momento em que as autoridades cabo-verdianas foram a Bissau entregar uma ex-detida com pena acessória de expulsão estavam a cumprir uma lei que é reconhecida internacionalmente. Muitas vezes guineenses chegam a Bissau levados por agentes do SEF português. Eu mesmo sou testemunha de vários casos e nunca aconteceu o que se esta a passar com os agentes da policia de imigração de Cabo Verde. E há outra coisa. Tudo isto servirá para que a Guiné continue no lamaçal em que está. Coitado daquele povo que não tem quem lhe acuda. Todas as pessoas falam em governos e em eleições, ninguém fala do povo da Guiné Bissau que é o menos tido em conta em toda esta questão.
Rádio Morabeza - O que está em causa?
Está em causa a hipotética prisão do Bubo nas águas de Cabo Verde com a ajuda dos polícias cabo-verdianos. Isto é uma represália patética, ordinária. Não se pode admitir. Cabo Verde não deverá admitir esta humilhação, porque isto é uma humilhação. A Guiné tem mais de 8000 guineenses a viver em Cabo Verde. Vamos imaginar, eu nem quero supor que isso um dia possa acontecer, mas vamos imaginar que represálias aconteçam também do outro lado. Isto tudo não ajuda ninguém. Isto tudo é… Eu não sei o que é que aquele país tem, não sei que mal fizemos para que tenhamos o castigo que estamos a ter. Com guineenses que não podem voltar a ver o seu pais, com guineenses todos os dias a serem raptados, espancados, assassinados… disto ninguém fala, as pessoas querem apenas eleições. Não resolve nada eleições, já ficou provado que não se resolve nada. Faço aqui um apelo ao governo da Guiné Bissau, deixem os cidadãos de Cabo Verde, os polícias, regressar ao seu país. Podem regressar e se houver um processo depois podem ser chamados. O governo da Guiné tem que aprender uma coisa… e isto é válido para este governo, para o que saiu, para o que há-de vir… em diplomacia, às vezes, há que engolir o peixe pelo rabo. Eu não sou diplomata, mas sei o que é diplomacia, porque eu estudei. Eles não podem tomar de ânimo leve decisões que podem ferir relações entre os estados mais próximos. Os mais próximos de nos é o Senegal, a Gambia e Conakry, mas o mais próximo dentro de nos e do nosso coração é Cabo Verde. Não é mais nenhum, não é Portugal, é Cabo Verde. Temos um líder comum, que lutou 11 anos e que foi assassinado pelos guineenses. Começaram a matar ali e continuam a matar pessoas e a prender pessoas. Sabe Deus em que condições estão essas pessoas, sabendo eu como são as celas das prisões naquela cidade de Bissau, porque de certeza que não os levaram para Mansoa ou para Canchungo, ou para Bafatá onde existem duas prisões novas. Sabe Deus em que situação se encontram. Deixem os homens em paz. Não há nada, o primeiro-ministro de Cabo Verde já disse que o país não tem serviços secretos. Quem tem interesse em espiar a Guiné é a DEA [n.d.r. Drug Enforcement Agency] e é o que tem feito. Aliás, nos documentos revelados pelo Snowden, a Guiné aparece como um dos países monitorados e continua a sê-lo. Eles querem apanhar os bandidos que lá estão, a começar pelo General e a descer até ao continuo… é só bandidos. E para tapar tudo isto fazem disparates a torto e a direito. Prendem pessoas, deixam-nos sabe Deus como sem serem ouvidos durante alguns dias, magistrados que não querem pegar no processo porque não vêem ponta por onde pegar para acusar alguém, e corre até, segundo uma fonte minha, que o próprio director da Judiciária é capaz de sair por causa deste processo. Não têm nada para pegar. Nada. Estão cegos, o guineense parece… somos 1 milhão e 600 mil e metade é surdo e a outra metade é cega! Mas que coisa é esta? Isto é uma afronta para a comunidade internacional que para além de ter tolerado, entre aspas, o golpe continua a confrontar-se com isto e até o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, António Patriota, disse há dias “até às eleições convém que haja estabilidade, nós não queremos que uma agulha se parta” e eles partem… quer dizer, isto é gozar. Eu acho que o Ramos Horta já bebeu água do Pidjiguiti, já dança gumbé, já fala crioulo e já come com as mãos. A Guiné Bissau está perdida. Isto é um alerta de socorro, se não nos ajudarmos… acabou, aquele país está perdido, completamente perdido. Se não podem ajudar a Guiné, vedem as fronteiras, saiam e deixem o povo, porque o povo também não faz nada, este povo é assim…
O que é que pode acontecer aos polícias cabo-verdianos agora que estão sob a alçada do António Indjai?
Olhe, eu não sei por que carga de água… nós temos um Procurador Geral da República… é bom que se perceba a Guiné. Quando se deu o golpe, lembrei-me da frase do Presidente Bush, quando as torres gémeas caíram… “Ou estão connosco ou estão contra nós”, quem estivesse contra eles e estivesse no país acontecia-lhe o que tivesse de acontecer, temos vários casos. Não acredito, e estou a dizê-lo como cidadão guineense, não acredito que o próprio Tribunal Militar encontre provas para acusá-los e condená-los. Não acredito. E não acredito numa outra coisa, um estado como Cabo Verde, que é um estado não é uma brincadeira de estado ou um estado de espírito, Cabo Verde tem os seus problemas como todos os países têm os seus problemas mas, Cabo Verde mostrou que é um estado. Tem atitude de Estado, vemos os seus membros do governo, vemos o pessoal que trabalha no Estado, nos altos cargos. É um estado a sério e que é levado a sério pese os problemas que tem e que tem tentado resolver. As pessoas na Guiné costumam dizer que Cabo Verde também tem tráfico de droga. Pois tem, mas quando são apanhados vão para onde? Vão para a cadeia e são julgados e são condenados. Há aquele célebre processo da Lancha Voadora. As pessoas estão na cadeia. Não é como na Guiné vais para a cadeia e à noite vais para a discoteca com uma namorada, vais beber um copo e depois voltas para a cadeia! Mas que país é este? Eu algum dia supus o meu país assim? Nunca! Guiné não é Estado, a Guiné não tem nada a ver com um Estado. A Guiné já nem é um Estado falhado, a Guiné é um Estado que não existe. A Guiné existe no mapa porque há um traço que nos faz ter fronteiras com três países porque de resto é só isso. A Guiné não tem nada. A Guiné não sabe sequer quantos habitantes tem, não sabe quantas camas tem nos hospitais. A Guiné não é nada! A Guiné é como uma casa onde cada um gere como quer… esse é que é o problema. A Guiné tem de ser tomada pela ONU como fizeram com Timor Leste, porque se o Ramos Horta é mesmo amigo da Guiné era a primeira coisa que dizia nas Nações Unidas. “Amigos, sem partir uma palha, vocês entraram aqui [n.d.r. Timor Leste] e fizeram um Estado reerguer-se e depois entregaram-no… façam o mesmo com a Guiné Bissau!” A União Africana não precisa de mandar um email à CEDEAO a dizer “olha, nós vamos tomar isto em mãos”, não precisa, porque a União Africana é a organização maior do continente e a CEDEAO são 24 países. Se a Guiné Bissau fosse largada e tomada em mãos pela ONU, daqui a dez anos, quem voltasse à Guiné ia dizer que estava no céu, porque temos mais recursos que qualquer um deles [n.d.r. os quatro países que reconheceram o governo golpista]. O problema do Senegal com a Guiné é o porto de Buba que seria o motor da economia nacional, e é isso que o Senegal não quer e continua a não querer. O Senegal não pode connosco, nem nos quer ver, é um país que não gosta de nós. É uma relação entre estados que são como duas comadres não podem uma com a outra! Portanto, se as Nações Unidas não resolverem imediatamente o problema da Guiné, sairão terroristas, sairá mais droga, sairá tudo o que é de mau para matar europeus, para matar ocidentais.
Todos os dias há notícias de guineenses presos nos aeroportos com bolotas de cocaína. Eu amanhã vou viajar e quando chegar ao aeroporto quase tenho de me despir, porque sou guineense, logo sou traficante de droga. Tudo isto não nos ajuda, não nos ajuda minimamente. O povo da Guiné Bissau também tem a sua dose de culpa. É um povo, fraco, é um povo completamente prostrado e a conviver com a canalha na mesma cidade que é tão pequenina que nos cruzamos a toda a hora e ainda por cima riem-se com eles e se for preciso ajudam-nos. Este é que é o problema da Guiné e dos guineenses…
Vou voltar à questão dos cabo-verdianos, o que é que vai acontecer aos dois policias cabo-verdianos agora que estão sob alçada do tribunal militar?
Francamente! Isto é tudo uma conivência do António Indjai, que é de facto o homem que manda na Guiné, é o Presidente, o Primeiro-ministro, até para se nomear um director tem de se passar pelo António Indjai. E é isto que o mundo civilizado reconhece como inclusão, uma nova palavra para legitimar golpes e estas coisas todas. Mas não acredito que o tribunal militar vá levar esse processo adiante porque não vai ter provas, não há nada, quero aqui dizer, apelar à família dos agentes, ao governo de Cabo Verde para que estejam tranquilos. A Guiné Bissau, o seu povo, não falo deste governo que lá está ilegalmente, o seu povo sempre conviveu com os cabo-verdianos. Aconteceu o golpe de 80 e nenhum cabo-verdiano foi tocado na Guiné para sair do país. Continuamos todos lá, falamos todos a mesma língua. Que isto em nada belisque a relação entre os nossos dois povos, que é muito mais do que aquilo que lá está neste momento naquele país a fingir que governam. Não tem nada a ver, não tem nada a ver uma coisa com a outra. Nada! É pura e simplesmente uma represália que, para mim foi triste e de lamentar, mas isto não pode beliscar a relação entre os dois povos.
A Guiné há de voltar a ter o seu governo legal que o povo votará. Este aqui está no fim, este não aguenta. A Guiné vai voltar a ter um golpe de Estado não tarda, isto ponho as minhas mãos no fogo e digo com toda a clareza, a Guiné vai sangrar de novo. As pessoas vão ver o que vai acontecer outra vez. Nada vai acontecer com os agentes da Policia de Cabo Verde, de certeza, e espero que estejam a ser bem tratados, na medida do que é que podemos entender por bem tratados quando alguém já está preso. Mas espero que brevemente possam voltar ao seu país e para junto das suas familias.
Na sua opinião este processo está quase a conhecer o seu desfecho?
Tenho quase a certeza, porque se há um processo patético, ou seja, mais um, é este.