segunda-feira, 8 de julho de 2013
Ramos Horta, a grande desilusão (II)
Volto em contacto com os compatriotas guineenses e da língua portuguesa, através deste artigo de opinião, que designo de OPINIÃO 2, esperando que os colaboradores do Sr. Ramos Horta em Bissau o acompanhem para melhor o aconselharem em como ajudar um povo subjugado por uma tirania militar, sem ninguém que se interesse por ele, no plano internacional. Esta segunda reflexão serve para lembrar ao Sr. Ramos Horta o que quase todos os representantes do SG da ONU que lhe antecederam, incluindo o mal-amado pelo brutal regime militar de Bissau, Joseph Mutaboba, escreveram sobre quem está na base da grave e crónica instabilidade política da Guiné-Bissau – os militares guineenses, cujas chefias se envolveram profundamente no tráfico de drogas e de armas, transformando, infelizmente, o nosso território numa placa giratória do narcotráfico.
PRINCIPAL FACTOR FRAGILIZANTE DAS INSTITUIÇÕES DO ESTADO NA GUINÉ-BISSAU - (O PODER MILITAR)
É sabido por toda a gente na Guiné-Bissau, mas também da dita comunidade internacional da participação ativa de algumas chefias militares guineenses no tráfico de droga e de armas, sendo esse facto um dos fatores principais da fragilização das instituições do Estado, nomeadamente daquelas que têm como missão fundamental combater a criminalidade, em geral, e o tráfico de drogas e crime organizado, em particular.
Até a eclosão do conflito armado de 1998, os militares da Guiné-Bissau obedeciam o poder civil eleito e a instituição militar funcionava com base na disciplina e respeito pelas hierarquias. Esse conflito armado de 1998, culminou com o golpe de Estado militar que derrubou o então Presidente Nino Vieira, tendo havido, a partir dali, uma viragem total na relação entre o poder civil e os militares com a supremacia destes em relação aquele.
O poder civil passou sob tutela dos militares, em que o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas passou a ser, na prática, o líder do país no lugar do Chefe de Estado eleito. Significa dizer que a partir de 1999, os militares nunca mais deixaram de ser os detentores, de facto, do poder na Guiné-Bissau. Sabendo disso, os narcotraficantes da América latina depressa rumaram à Guiné-Bissau, onde estabeleceram relações com aqueles que sabiam ter o poder real no país, que são os militares.
Na verdade, formalmente a Guiné-Bissau tinha um Presidente da República, um Parlamento, um Governo, um Sistema de Justiça, mas que nenhum destes órgãos de soberania tinha poder sobre os militares, pois estes, em clara violação da Constituição da República, não observavam o princípio da subordinação das Forças Armadas ao Poder civil eleito. Como é bom de ver, a partir daí a Guiné-Bissau ficou muito mais vulnerável a penetração das organizações criminosas e das redes do tráfico de drogas e de armas.
E é a partir desse novo quadro na relação entre o poder político civil eleito e algumas chefias militares já altamente comprometidas com os narcotraficantes que o país sofreu uma invasão destes agentes de crime internacional, transformando a Guiné-Bissau num local privilegiado para o trânsito da droga para a Europa e, agora, também para os Estados Unidos da América.
Repare-se que, mesmo os civis envolvidos nesse negócio da droga na Guiné-Bissau, fazem-no sempre com a proteção de algum chefe militar com o qual dividem depois os rendimentos dai resultantes. São eles que autorizam a aterragem de aeronaves em pistas no interior do país, mas também no aeroporto internacional de Bissau, sem que nem a polícia judiciária, nem o Ministério Público possam abrir inquéritos criminais contra tais militares envolvidos no tráfico.
Houve, aliás, vários casos de apreensões de droga e a prisão de militares envolvidos por parte da polícia judiciária, mas que as Chefias militares, de imediato, ordenaram a libertação imediata dos suspeitos, o que é do conhecimento de toda a comunidade internacional, pela via da ONUDC.
Ora, a conclusão que podemos tirar desse envolvimento forte de algumas chefias militares no tráfico de drogas na Guiné-Bissau, é ter enfraquecido, de forma muito acentuada, as instituições do Estado guineense de combate ao narcotráfico e ao crime organizado. Isto porque, nem a policia judiciária nem o Ministério Público e nem mesmo os juízes criminais têm a ousadia de, no âmbito de inquérito ou de investigação, convocar um militar, por mais simples que seja, para ser ouvido. Por isso, pode-se afirmar, com toda a firmeza, que a transformação do território da Guiné-Bissau num local de depósito e trânsito de drogas é da responsabilidade direta de algumas chefias militares, incluindo o próprio CEMGFA, António Indjai, sobre quem, aliás, pende um mandado de captura internacional por tráfico de drogas e armas e conspiração para liquidar norte-americanos em parceria com as FARC, de acordo com uma acusação formal do sistema de justiça americano.
Por outro lado, se a impunidade passou a ser regra na Guiné-Bissau é pelo facto de os militares dominarem todas as estruturas do Estado, incluindo as estruturas politicas (Presidente da República, Parlamento e Governo). E é, aliás, por isso que todos os assassinatos políticos executados no nosso país até a presente data não foram esclarecidos e nem algum dia serão concluídos, enquanto o quadro atual da supremacia do poder militar sobre o poder civil se mantiver – ou seja, enquanto as atuais chefias militares continuarem a dominar o poder politico. Esta é uma realidade que o Sr. Ramos Horta finge ignorar, alinhando com as posições colonizadoras da Nigéria sobre a Guiné-Bissau, que apoia cegamente os militares golpistas e narcotraficantes.
E podem crer que o narcotráfico e a impunidade continuarão a fazer parte da vida dos guineenses, na Guiné-Bissau, a não ser que haja uma intervenção externa, que modifique o quadro atual e garanta que as instituições estatais, incluindo as políticas, mas também o poder judicial, poderão, de forma livre, perseguir quem quer que seja, que tenha cometido crimes no seu território. Quero com isso dizer que, a manter-se o quadro atual de uma supremacia dos militares sobre o poder politico eleito, jamais o sistema de justiça poderá atuar para responsabilizar os criminosos envolvidos no narcotráfico e crime organizado na Guiné-Bissau.
Aliás, o próprio Ramos Horta, numa das suas declarações feitas em Bissau poucos dias após a sua chegada à capital guineense, tinha dito ser urgente serem organizados os processos crimes contra aqueles que planearam e executaram o golpe de Estado de 12 de Abril. Será que Ramos Horta se reuniu com o PGR, também ele golpista, pedindo-lhe informações sobre os processos instaurados contra os golpistas? Pediu-lhe informações sobre os crimes cometidos contra os jovens felupes naquela famigerada inventona de 12 de Outubro de 2012? Quis o Ramos Horta informar-se junto do PGR golpista sobre se instaurou inquéritos contra os militares que sequestraram e espancaram os Drs. Iancuba Indjai e Silvestre Alves?
Quis o Sr. Ramos Horta indagar ao PGR golpista sobre o processo contra os militares que executaram o Presidente Nino Vieira, por ser do conhecimento público que, através da comunicação social, houve já uma confissão do “famoso” Pansau N`Tchama sobre a sua participação no crime e tendo-o feito a ordem de quem comandava o “famoso” batalhão de Mansoa, que a época era CEMGFA, António Indjai? Sr. Ramos Horta pediu informações ao PGR golpista informações sobre se há processo-crime organizado contra General Indjai pelo sequestro do PM, Carlos Gomes Júnior e Zamora Induta, crimes cometidos em 01 de Abril de 2010, além de crime de ameaças de morte proferidas publicamente contra o Chefe do Governo de então?
Ora, com o silêncio do Sr. Ramos Horta, sobre estes assuntos que, quer as Nações Unidas, quer a União Africana quer a União Europeia exigiram a responsabilização criminal dos militares que participaram nestes crimes hediondos, só podemos concluir que certamente terá levado um puxão de orelhas do todo-poderoso General Indjai. Por isso, sobre estes assuntos de crimes dos militares, o Sr. Ramos Horta calou-se de uma vez por todas. Simplesmente, lamentável.
Com todo o respeito e consideração que podemos ter para o Sr. Ramos Horta, se é para defender e proteger os militares guineenses altamente envolvidos em todo o tipo de crimes (homicídios, narcotráfico, trafico de armas, violações dos direitos humanos, torturas, tratamento desumano e degradante a cidadãos guineenses, desvios de fundos públicos, etc), o melhor que pode fazer é renunciar o seu mandato. Porque para apoiar os militares golpistas, basta-nos a criminosa Nigéria/CEDEAO.
Por isso, aos representantes das organizações internacionais representativas da comunidade internacional (ONU, União Africana, União Europeia, CPLP) posso reafirmar, hoje, que um dos maiores desafios para o Estado guineense diz respeito a credibilidade dos sistemas democrático e da justiça bem como da melhoria do seu funcionamento, pois a situação atual continua marcada pelo estigma da impunidade e corrupção.
E sendo propriamente a Justiça um valor supremo nas sociedades civilizadas, nenhum Estado pode a ela renunciar. Por outro lado, a sua solidez está intrinsecamente ligada com a qualidade da democracia praticada no território do Estado, com o reconhecimento do primado da lei em detrimento da força, com o respeito das liberdades, direitos, e garantias dos cidadãos e correspondente responsabilização pelos seus atos de tal modo que nenhum grupo de cidadãos possa beneficiar do privilégio da impunidade. Infelizmente, para o povo da Guiné-Bissau, a realidade confirma esse privilégio da impunidade a favor dos militares, com muita pena nossa.
Pedimos a comunidade internacional para que abra os olhos sobre a situação prevalecente na Guiné-Bissau, onde, apesar da constituição daquilo que convieram chamar “Governo de Inclusão”, de inclusão nada tem. Continua a ser um governo golpista, entretanto, sem nenhum poder porque continua totalmente submetido aos militares golpistas, particularmente ao “General” António Indjai, com mandato de captura internacional por tráfico de drogas e de armas e conspiração contra os EUA. Tenho dito.
Silvério Mendes"