Devo dizer-te que não li o teu e-mail. Devorei-o! Fiquei feliz, foi como se um amigo de longa data, de fumos e copos, tivesse regressado. Para te dizer que a minha memória da Guiné-Bissau das últimas três décadas arquivou detalhes - quer das façanhas quer das decepções - com igual minúcia. E tem sido bastante díficil ignorar as feridas destes nossos trinta e oito anos enquanto Nação, um Estado portanto.
Chega a ser duro viver aqui. É duro de viver, e até, sobreviver, na Guiné-Bissau de hoje. Talvez por isso, as pessoas tornaram-se egoístas (alguns, poucos, preferiram ser sacaninhas); de certeza que por isso cada vez mais as pessoas procuram gente em que possam confiar. Aqui, voltam a esbarrar em algo. No ‘problema’: encontrar gente dessa gesta...
«A tua coragem já matou muitos iguais a ti, ainda que em latitudes diferentes». Pois já, olha! Por falar ‘dela’, não, ainda não pensei na hipótese da morte - penso viver muitos mais anos - mas posso desde já sossegar-te, dizendo que já senti o perigo bem de perto mesmo. Houve alturas em que cheguei a pensar que era agora que ia desta para melhor. Essas emoções, aquilo que apelidamos com frieza de ‘sentir a morte de perto’, são algo digamos que...atraente. Eu diria, sem qualquer ponta de vaidade, que, no meu caso, a proximidade do perigo é muito motivadora. Deixo-me consumir por ele, inalo tudo, até ao último sopro como se disso dependesse a salvação da minha infeliz alma de guineense.
Um alguém que se faz homem, tem que saber o que quer e, sobretudo, deve lutar por esse ideal. Essa é a minha meta. Não são as homenagens, não corro por qualquer medalha. Sou um homem livre porque levo a minha liberdade a sério e não deixo que ninguém brinque com ela. Tudo o que mais desejo é continuar a ser um jornalista. Quero continuar a meter o nariz em tudo que prejudica o meu País, investigar e divulgar, por todos os meios, tudo o que eu achar que é relevante para a opinião pública. De uma maneira ou de outra, vencer sempre fez parte da minha filosofia de viver.
A coragem, de que falas no teu e-mail, não é uma virtude da qual me orgulhe. Ao contrário da coragem, o medo é minha companhia mais constante. É uma dose grande e aguda de de emoção que limita o fascínio que o risco de ser jornalista desperta em mim. Contudo, é importante que continue a ter consciência da minha superioridade como ‘um intelectual’ – a classificação é tua e eu não posso discordar -, mas é bom saber como ela foi construída e de onde veio a ‘força’ - que fizeste questão de escrever em negrito. Tentarei usar tudo isso com igual sabedoria - é uma busca que considero incessante. E não, não é só a tal coragem ou ‘ambição’. Que tal coração? Sabes, tem muito de coração naquilo que faço.
Mantenhas, AAS