quinta-feira, 18 de agosto de 2011
Eu, tu, nós: falhamos
"Li, no passado dia 27 de Julho, num jornal diário português, que num determinado país africano (abaixo do equador), os doentes portadores do vírus HIV ingeriam excrementos de animais, antes de tomarem medicamentos anti-retrovirais para poderem ter "algo no estómago", isto porque às vezes não tinham alimentos... Como habitualmente leio jornais após o almoço num restaurante, na Parede, quase que, por momentos, pensei que fosse ter uma congestão/vómito. A ser verdadeira esta notícia, não é apenas o país em questão que falhou. Eu, tu, nós, falhámos.
Muitos dos nossos irmãos africanos (principalmente mulheres e crianças), provenientes de diferentes países do nosso continente, morrem afogados, durante aquilo que eu chamo de “travessia de morte incerta”, através do mediterrâneo, à procura de uma ” alegada” vida melhor na Europa.
Na Somália, nos últimos 3 meses, morreram aproximadamente 30 mil crianças por falta de assistência médica e alimentar em consequência (e não só, na minha opinião...) duma seca severa. Isto dá uma média de 333,3 mortes/dia, 13,8/por hora, 6,9/a cada30 minutos, 3,45/a cada 15 minutos e 1,7/em cada 7,5 minutos.
O mais grave, é que as milícias do "Al-Shabab", que controlam algumas regiões do país, dificultam a distribuição da ajuda alimentar, contribuindo assim para um aumento significativo das vítimas. Esses milícias não são estrangeiros, são Somalis...
Enquanto tudo isto acontecia/acontece em África, na Europa, os países do eurogrupo, estavam preocupados com a dívida soberana dos estados membros da União Europeia. No grupo do PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha), a maior preocupação era se este último seria a próxima vítima, ou, mais tarde o Chipre, Itália e França (a segunda maior economia europeia).
Ainda na Europa, os europeus reagiam com consternação (e não era para menos...), porque a Noruega tinha sido abalada por dois ataques terroristas, provocados por um "maluco" denominado Anders Behring Breivik, que causaram um total de 77 vítimas mortais (representam um quarto do número de crianças que terão morrido nesse dia na Somália...).
Todo mundo condenou (com razão) este acto bárbaro. A mesma Europa que também se sentiu chocada com a morte prematura da cantora inglesa Amy Winehouse. Há poucos dias atrás, Londres foi palco de cenas de violência e destruição, fruto, segundo os "entendidos", de uma má política de integração das minorias, e não só...
Enquanto morriam 333,3 crianças por dia na Somália, nos Estados Unidos, a preocupação dos americanos era se até início de Agosto, os republicanos e os democratas chegariam num concenso quanto ao aumento do tecto da dívida norte-americana evitando o "default". E, mais preocupados ficaram quando, passados alguns dias a agência Standard&Poor’s baixou o raiting da dívida norte-americana, após o acordo conseguido entre republicanos e democratas.
Resolvida a questão da dívida, Obama conseguiu arranjar 100 milhões e, mais tarde, 17milhões para ajudar a Somália. No Vaticano, o Papa limitava-se a fazer discursos concensuais. As Nações Unidas limitavam-se também a apelar para o envio de contribuições financeiras das diferentes nações para ajudar a Somália. A NATO continuava a bombardear a Líbia gastando milhões e milhões nesses ataques, milhões esses que dariam para alimentar milhares ou milhões de crianças Somalis. E na Síria, não se intervém?
Perante tudo isto, os governantes, políticos e nós, filhos de África, encolhemos os ombros e assobiamos para o lado...
Onde é que eu quero chegar com estas considerações? A resposta é óbvia: Enquanto os EUA, a Europa Ocidental e o resto do mundo "desenvolvido" tiverem os seus problemas/interesses para resolver, jamais prestarão (se é que alguma vez prestaram seriamente...) atenção aos problemas africanos. Nós africanos, não podemos estar constantemente a estender as mãos aos países "desenvovidos" pedindo ajuda, esperando que sejam eles a resolver os nossos muitos problemas.
Temos que ser nós a resolver os nossos próprios problemas. Isto implica que temos que mudar aquilo que tem sido o paradigma da governação africana, baseada (com algumas poucas excepções) na corrupção, com políticos e governantes mediocres, para não dizer péssimos. Políticos agarrados ao poder, mesmo após terem perdido eleições(caso recente na Costa do Marfim).
Políticos que não pensam duas vezes antes de eliminar fisicamente os seus opositores. Políticos que ficaram multimilionários durante o exercício dos seus cargos (os casos do Egipto e da Tunísia são os mais falados, mas não os únicos...). É todo esse paradigma que temos de alterar e deixar de culpabilizar sempre os "outros" dos nossos fracassos. Se não corrigirmos o nossos erros a curto e médio prazo, entraremos na rota da irreversibilidade do continente falhado.
Uma última nota de reflexão: Durante o tempo que o meu querido leitor esteve a ler este artigo de revolta, terá morrido mais uma criança Somali... Pense nisso.
Epifânio Có"