domingo, 19 de junho de 2011

Entrevista ao Coronel João Monteiro: Como 'Nino' Vieira e Cadogo se conheceram; o porquê do desentendimento; Carlos Gomes (pai), sobre o filho...

Coronel João Monteiro, sabe como é que o Carlos Gomes Jr e o ‘Nino’ Vieira se conheceram?

CORONEL JOÃO MONTEIRO: Sei, sim. Foi quando a D. Florença (NOTA: Mãe do Presidente 'Nino' Vieira, já falecida) agarrou na mão do seu filho e na do Cadogo, juntou-os e disse ao ‘Nino: 'confio-te este rapaz.. O‘Nino não conhecia o Cadogo. Acontece que, quando o Waldemar (NOTA: Waldemar Oliveira era parceiro de ténis do Presidente, e, à altura, director-geral do Comercio. Morreu de AVC, em Bissau, no seu proprio gabinete de trabalho) foi ter com o‘Nino' para lhe dizer que ia regressar a Cabo verde, e este estranhou o pedido. Waldemar era acarinhado, um bom gestor, e a empresa era estável. Então o Presidente disse-lhe‘olha, se vais por tua vontade, tudo bem, mas eu gostaria que continuasses'.
Então, um dia, o Samba Lamine Mané (NOTA: Samba Lamine Mané era o Ministro dos Recursos Naturais), na conversa disse ao ‘Nino’ que estavam à procura de alguém para ocupar o lugar deixado vago pelo Waldemar mas estava a revelar-se difícil... e falou ao ‘Nino’no Cadogo... Cadogo era bancário, na altura, e foi assim que este entrou para a DICOL. Estava lá o Vitor Saúde Maria, nesse dia em que Carlos Gomes Jr. foi indigitado para a DICOL, e foi assim, igualmente nesse dia, que eu também o conheci. Que fique claro: não tenho nada contra o Carlos, até porque ele e o ‘Nino’ Vieira tratavam-se como pai e filho, ou como irmãos.


É verdade que, segundo se diz na praça pública, o Presidente ‘Nino', a dada altura, chegou a descartar o Carlos Gomes Jr?

Não é a verdade. Vou contar-lhe isto: o Tagme Na Waie chegou para a investidura do Presidente, e viu lá o Alberto Nambeia (NOTA: Dirigente do PRS). Este foi para entrar, mas barraram-lhe a entrada, dizendo que o Presidente estava a falar com outras pessoas, entre elas eu, João Monteiro. Nambeia insistiu, dizendo que queria falar com o ‘Nino’ ainda que na presença do João Monteiro, que conhecia bem, por aí adiante. Por fim o ‘Nino’ mandou que o deixassem entrar.
Alberto Nambeia disse então ao Presidente: ‘quero que ponhas o Aristides Gomes como Primeiro-Ministro (NOTA: Presidente do PRID, actualmente no exílio, em França), pois foi ele quem mais contribuiu para o teu regresso. Nós (o PRS e outros partidos) perdemos por isso estamos aqui, caso contrário não estaríamos aqui, agora’. E o ‘Nino’ questionou essa intenção, dizendo: ‘Há um partido que ganhou as eleições, há que ver isso bem’...


Mas logo depois Carlos Gomes Jr. vai a Cabo Verde, e tudo deteriora...

E todos ouviram o que ele disse, as declarações que o Cadogo fez aí... «Não coabitarei com bandido, nem com sanguinário nenhum». Bom, assim, as coisas não podiam dar certo, pois tanto ele como ‘Nino’ Vieira ganharam a respectiva eleição nas urnas. ’Nino’ deitou então as cartas na mesa, abrindo o jogo: ‘o Carlos que faça uma declaração à imprensa, desmentindo aquilo que disse em Cabo Verde’. Tudo isto, sublinho, foi dito na presença do pai do Cadogo, Sr. Carlos Domingos Gomes, que de seguida pediu até a palavra, para declarar isto: “Se bem conheço o meu filho... falei com o Nino’ sobre isso mas ele nunca me deu ouvidos»... então, o ‘Nino’ chamou-me, ao Humberto, e à D. Emília pedindo-nos que fossemos falar com o Cadogo para que os dois falassem e se entendessem. O José Mário Vaz (NOTA: actual Ministro das Finanças) também me telefonou pedindo a mesma coisa. E lá fomos. Falei até ao fim, e o Cadogo nada disse; o José Mário Vaz também falou. No fim, Cadogo disse apenas ‘camarada João, vamos deixar-nos disso’... então eu disse-lhe «estás a dizer isso agora mas um dia vais precisar de falar com o ‘Nino’»...
Num outro dia, foi o próprio Pai do Cadogo quem nos procurou, com uma missão: falar com o seu filho - respondi logo ‘eu não vou!’. Então lá chamaram o primo do Cadogo, o Jack, que nos garantiu que ‘para convencer o Cadogo, tinha, primeiro, que falar com a mulher deste’. Uns dias depois, vem o Jack e diz-nos claramente: ‘isto não vai dar em nada. Fiquemos assim’. Irritado, o pai disse-nos: eu e o Pai do ‘Nino’ é que somos colegas, como é possível então que o meu filho não se dê com o Presidente?’.


Coronel, reparei quando, em Dakar, em plena conferência de reconciliação, alguém falou naquele regresso aparatoso de ‘Nino’, em pleno relvado do estádio Nacional, de helicóptero. Você pediu logo ‘ponto de ordem’... Falemos então desse regresso de ‘Nino’ Vieira do exílio.

Falemos então. Bom, estou a ver, agora faz todo o sentido... Alguém (NOTA: um tal de Augusto) falou de facto nessa conferência de reconciliação que está a ter lugar em Dakar, que o Governo dissera ao ‘Nino’ que não aterrasse no aeroporto ‘Osvaldo Vieira’. E que ele, abusivamente, aterrou no estádio. O que quer dizer então que foi por causa disso que o Presidente tinha de morrer...houve sinais disso na sua conversa, e está tudo registado em áudio.
Comecemos então. No Congresso da Base Aérea, foi o ‘Nino’ que chamou o Carlos para este entrar no PAIGC. Na altura, lembro-me muito bem, o Cadogo prometeu então que ia dar ao partido milhares de litros de combustível para a campanha eleitoral - se o fez ou não, o PAIGC é que sabe. E foi assim que entrou o Carlos Gomes Jr no PAIGC. Houve outros sinais de distanciamento, sempre por parte do Carlos. Por exemplo, na altura da guerra, Carlos Gomes Jr foi a Portugal mais o Manecas Santos (NOTA: Coronel, Combatente da Liberdade da Pátria e actual embaixador da Guiné-Bissau em Angola), para uma missão, e quando regressaram o Carlos não quis ver o Presidente... O Manecas é que foi contar ao ‘Nino’ o resultado da missão... E, de repente, para espanto do ‘Nino’ e de todos os presentes, ouvimos o Cadogo na Assembleia Nacional Popular a dizer que «retira toda a confiança» em ‘Nino’ Vieira porque este estava a dirigir mal o País. Assim, logo depois da sua chegada de Portugal...
- CONTINUA...