domingo, 31 de janeiro de 2016
CRISE POLÍTICA: Poder judicial ampara a Guiné-Bissau
O poder judicial está a fazer história na construção da democracia na Guiné Bissau, ao tomar as decisões mais acertadas para resolver as crises políticas que têm estado a surgir na esteira das desinteligência entre o presidente José Mário Vaz e o ex-primeiro ministro Domingos Simões Pereira.
Um braço de ferro que, por arrasto, tem também afectado o funcionamento normal do PAIGC, do Governo e da Assembleia Nacional, onde essa força política é majoritária.
A entrada em cena do poder judicial aconteceu no mês de Agosto do ano passado, quando o Supremo Tribunal de Justiça foi chamado, pela Assembleia Nacional Popular, a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da nomeação, pelo presidente José Mário Vaz, de Baciro Dja para primeiro-ministro, na sequência da decisão de demitir, no dia 12, o Governo de Domingos Simões Pereira como resultado do acumular de uma série de divergências entre ambos.
A nomeação de Baciro Dja foi feita ao arrepio das normas legais e constitucionais, uma vez que não foi indicado pela direcção do partido vencedor das eleições legislativas, o PAIGC, que também não foi consultado sobre a matéria pelo presidente da República o qual, deste modo, além do conflito que já tinha com o seu líder, abriu um outro com a própria formação política.
Nessa altura era voz corrente em Bissau que José Mário Vaz esperava e estava confiante que teria dos membros do Supremo Tribunal de Justiça um certo temor referencial, face ao facto de estarem diante de uma situação que envolvia o mais alto magistrado do país, ele que, segundo notícias de bastidores, chegou a destratar alguns dos integrantes dessa estrutura do poder judicial.
Porém os juízes não se deixaram intimidar e, em resposta, o que o Chefe de Estado obteve foi uma demonstração de alto grau de profissionalismo e de isenção por parte do Supremo Tribunal de Justiça que, sem tibiezas, tratou de esclarecer à sociedade o espírito e a letra dos preceitos constitucionais relativamente aos factos e questões suscitadas pela actuação do presidente da República. Em conclusão, ficou evidente que o mesmo tinha trilhado um caminho completamente errado.
José Mário Vaz foi assim obrigado a recuar na sua decisão, demitindo Baciro Dja e devolvendo ao PAIGC o direito de, na qualidade de formação política vencedora das legislativas de 13 de Abril de 2014, indicar um novo primeiro-ministro. Depois de algum impasse e de cedências por parte de Domingos Simões Pereira, o PAIGC indicou o veterano Carlos Correia para primeiro-ministro, nomeado a 17 de Setembro por José Mário Vaz.
Mas nem por isso os desentendimentos terminaram, até mesmo porque na composição do Governo Carlos Correia discordou de algumas posições tomadas pelo presidente José Mário Vaz, com base em profundas divergências que existem na interpretação das competências que a Constituição confere a um e a outro órgão de soberania.
A nova situação de crise surgiu precisamente por altura da apresentação do programa do Governo do novo primeiro-ministro no Parlamento. Quinze (15) dos 57 deputados do PAIGC optaram pela abstenção e inviabilizaram, a 23 de Dezembro de 2015, a aprovação do programa do Governo que, para passar no Parlamento, precisava do voto favorável da maioria simples de 52 legisladores.
Estava instalada, de novo, a crise no seio do próprio PAIGC. O objectivo não era outro senão derrubar o Governo de Carlos Correia e retirar legitimidade ao próprio partido. Os 15 deputados evoluíram para uma posição de rebelião interna e anunciaram ir votar contra o programa de Governo na sessão parlamentar de 18 de Janeiro, juntando-se aos votos contra dos 41legisladores do Partido de Renovação Social.
O PAIGC não se fez de rogado e, fazendo jus ao que estabelecem os estatutos do partido, tratou de expulsar das suas fileiras os 15 deputados, contra os quais intentou uma acção judicial que acabou por ganhar, pois o Tribunal Regional de Bissau deu provimento à sua queixa e considerou válida a perda de mandatos dos dissidentes. E mais uma vez o poder judicial veio pôr ordem no circo.
A Assembleia Nacional Popular não tardou a agir e, no dia 28, realizou a sessão parlamentar que aprovou o programa de Governo, com 59 votos a favor, nenhuma abstenção e a ausência de todos os 41 deputados do Partido de Renovação Social.
Enquanto a sessão parlamentar decorria, o presidente José Mário Vaz encetava consultas com várias entidades do país, procurando dar a entender ser uma pessoa de consensos e que estaria a mediar uma situação onde nada tem para mediar, mas tão somente fazer cumprir a lei e a Constituição. Bizarro foi o facto de, em comunicado, ter manifestado estranheza pelo facto de o Parlamento ter reunido e aprovado o programa de Governo quando ele não tinha terminado as consultas...
O que se pode concluir, de todo este emaranhado de situações criadas, é que José Mário Vaz está, ele próprio, a enredar-se nas teias que anda a tecer, a fragilizar a instituição Presidência da República, ao ponto de diplomatas em Bissau advertirem-no para a eventualidade de se estar a expor ao ónus da crise, o que poderia evitar se promovesse a sua resolução.
Quem também fica mal no filme é o PRS, sempre pronto a embarcar nessas jogadas que visam apear do poder o PAIGC. O partido do falecido presidente Kumba Lalá vai somando derrotas e, do ponto de vista da ética política, está a ficar cada vez mais exposto e desacreditado, porque mostra não olhar a meios para subverter os resultados das eleições.
Enquanto o presidente da República vai se entretendo com esses jogos políticos, a sua imagem vai ficando cada vez mais desgastada junto da opinião pública guineense e mesmo a nível internacional, ao passo que Domingos Simões Pereira vê fortalecido o seu prestígio pessoal e o consenso que se formou em torno da sua figura.
Nomeadamente a opinião cada vez mais forte e dominante de ser um político que estava realmente a tirar os guineenses e a Guiné-Bissau do ciclo da pobreza e das intrigas inúteis. A Guiné-Bissau estava já a projectar para o mundo a imagem de um Estado a recompôr-se e apostado em fazer da unidade nacional e da democracia a bandeira para as mudanças que o povo guineense tanto anseia, depois de anos de golpes e contra-golpes de Estado que deixaram o país literalmente a sangrar.
Hoje, a imagem de José Mário Vaz está associada às forças que querem travar o progresso da Guiné-Bissau, enquanto do lado oposto estão Domingos Simões Pereira e o PAIGC.
As consequências para a Guiné-Bissau de toda essa embrulhada não poderiam ser senão as mais negativas, levando o embaixador na ONU, João Soares da Gama, a advertir que a prolongada situação de crise política no país estava a criar receios fundados entre os investidores e doadores, que congelaram a disponibilização de fundos para relançar a economia guineense.
É entendimento geral que, para evitar situações futuras do género, e que também já provocaram a paralisação de instituições em países como S. Tomé e Príncipe, quando Radique de Menezes foi presidente da República, a Guiné Bissau precisa de introduzir alterações profundas na sua Constituição. Caso contrário vai tardar a ver o progresso económico e social. Jornal de Angola