domingo, 10 de janeiro de 2016

ÁFRICA MONITOR: Efeitos perversos de provável derrube do Governo atemorizam José Mário Vaz


FONTE: África Monitor

1 . O Presidente, José Mário Vaz (JMV), denota estar ansioso e/ou inquieto com a situação potencialmente incerta a que a eventual queda do Governo do Primeiro-Ministro Carlos Correia (CC) dará lugar, quando o seu programa, em 21 de Janeiro, vier, pela segunda vez, a ser rejeitado pela Assembleia Nacional Popular (ANP).

O papel decisivo tendencialmente reservado ao PRS na votação parlamentar que levará à rejeição do programa (a ala conjugada da bancada do PAIGC é de grandeza aritmética inferior), poderá conferir-lhe formalmente o direito de formar novo Governo – um cenário supostamente indesejado por JMV.

Nos últimos dias, dirigentes e quadros do PAIGC identificados como adversários do presidente do partido, Domingos Simões Pereira (DSP) e, ao mesmo tempo, alinhados com JMV, têm-se envolvido em discretas iniciativas tendentes a cativar deputados que até agora se têm mantido leais à liderança (votaram a favor da aprovação do programa).

O esforço presente nas referidas iniciativas – Braima Camará, Luis Oliveira Sanca, Soares Sambu e Marciano Barbeiro, são apontados como os seus principais protagonistas – visa tentar engrossar a ala contestatária da bancada do PAIGC cujo voto (abstenção) concorrerá para a inviabilização do programa e queda do Governo.

2 . A rejeição do programa do Governo, na primeira apresentação do documento na ANP, a 23 de Dezembro de 15, resultou de uma combinação de votos (abstenção) que juntou 41 deputados do PRS e 15 do PAIGC. Os 42 deputados do PAIGC e de outros dois pequenos partidos alinhados, PCD e UM que votam a favor ficaram em minoria.

O cálculo político com base no qual JMV desencadeou a presente crise terá consistido em provocar no PAIGC uma cisão interna cujo alcance mais vasto visava apenas afastar DSP do Governo e da liderança do partido, fazendo-o substituir por uma ala consigo próprio identificada, a de Braima Camará.

O plano não só não se desenvolveu conforme estimativas iniciais de uma erosão célere da facção interna de DSP, que se tem mantido maioritária, como por via disso gerou um efeito contraproducente, indesejado por JMV, que é o papel chave que o PRS passou a ter no mesmo.

O PRS encara e explora as dissensões internas no PAIGC como oportunidades para voltar a afirmar-se como partido principal. Uma eventual secundarização político-eleitoral do PAIGC poderia vir a comprometer a aspiração de JMV de vir a ser eleito para um segundo mandato – objectivo para o qual não poderia contar com o PRS.

O PRS é um partido cuja matriz étnica (balanta) e respectivo espírito de grupo, não tolerariam o apoio a um candidato desprovido de tal afinidade, como é JMV. A homogeneidade do PRS só não é completa devido à existência no seu seio e base de apoio de diferentes “sensibilidades regionais” (balantas do Sul e do Norte).

3 . As tensões políticas e sociais associadas às crises e à instabilidade praticamente endémicas na Guiné-Bissau desde 1998 (golpe de Estado contra Nino Vieira), estão a dar lugar ao surgimento e/ou ao agravamento de de fracturas e antagonismos de natureza étnica, regionalista e religiosa.

O fenómeno passou a estar presente na conduta de dirigentes e quadros políticos com aspirações de liderança. Buscam ou privilegiam apoios baseados em afinidades tribais e outras (religiosas), nos quais aparentam confiar mais do nas precárias instituições do poder político e na destituição da classe política.

No próprio PAIGC começaram a ser referenciadas correntes de predominante extracção mandinga/beafada ou fula (fuladus), do mesmo modo que é conhecida a existência de sensibilidades cuja identidade tanto pode ser a condição de citadinos (os “da praça”) ou do interior, mas também as confissões religiosas.

4 . O estado de crise em que a Guiné-Bissau tem vivido quase permanentemente, à excepção de curtos hiatos, não é estranho, conforme análises competentes, a particularidades apresentadas como sendo o baixo nível cultural da elite política, agravado por “viciosos” entendimentos acerca do poder político e da sua função.

O fenómeno deu lugar a uma perversa noção do interesse nacional, usualmente suplantado por interesses particulares. A elite política, cuja acção propriamente dita se inspira na intriga pessoal, provém em larga escala de uma elite social que encara a governação e o poder como mero instrumento de enriquecimento pessoal.

A garantia de uma nomeação para um “bom cargo” político é um favor que se disputa e paga, fazendo mover influências. A grandeza do pagamento é proporcional à importância do cargo, os mais desejados dos quais são os chamados “ministérios que dão dinheiro” (os que geram receitas próprias).

Ao acumulado da crise são atribuídos outros efeitos, que no caso concreto da população são entendidos de forma positiva. Acentuaram-se sentimentos de indiferença popular em relação aos episódios de que a crise se vai alimentando – o que explica, por acréscimo, o chamado “crescimento espontâneo” da economia – 4,8% em 2015.