sexta-feira, 1 de junho de 2012
Guiné-Bissau: um Estado falhado ou o fim do Estado? Comunicação do Embaixador Henriques da Silva
Coube-me o raro privilégio de ter sido militar e diplomata na Guiné-Bissau. A minha experiência foi a bem dizer única, porquanto, em momentos históricos diferentes, participei como oficial de infantaria na chamada guerra de África, do Ultramar, colonial ou de libertação nacional, consoante as opções político-ideológicas de cada um – as designações não são indiferentes e representam perspectivas específicas sobre aquele conflito – isto em 1968-1970 e, posteriormente, fui embaixador naquele país, de 1997 a 1999, tendo ali permanecido durante quase toda a guerra civil.
Contrastando com a chamada guerra de África, mais especificamente a que se desenvolveu no teatro de guerra da Guiné, onde existe, hoje, uma abundante literatura de todo o género, desde o romance às memórias, do ensaio à poesia, aliás bem inventariada tal como consta de um livro recentíssimo do meu amigo Mário Beja Santos intitulado “Adeus e Até ao meu regresso”, pouco se tem escrito sobre o período pós-independência e quase nada sobre a guerra civil de 1998-99, estou-me a lembrar apenas do livro do Sr. Almirante Reis Rodrigues “Bissau em Chamas”. Ora, aquele conflito armado marcou profundamente a Guiné-Bissau, e afectou os bissau-guineenses de modo indelével, bem como, os seus vizinhos senegaleses e conacri-guineenses que participaram num conflito dito de baixa intensidade, mas que destabilizou a sub-região.
O meu livro no prelo, intitulado “Crónicas dos (des)Feitos da Guiné será lançado muito brevemente e pretende suprir em parte essa lacuna. Todavia, centra-se quase em exclusivo no período da guerra civil.
Nos media, na blogosfera e nalguns sectores da opinião pública, muito se tem debatido, e com maior incidência nos dias que correm, se a Guiné-Bissau é um Estado, na verdadeira acepção da palavra, com todos os atributos e dignidade que caracterizam um Estado ou se, antes, é já a expressão acabada de um Estado falhado, ou se pode ser considerado o primeiro narco-Estado da história ou, mesmo, se assistimos, no caso em apreço, ao próprio fim do Estado. Estas são as questões que pretendo abordar e que assumem necessariamente um carácter polémico. Num enfoque que pretendo minimamente rigoroso ou, amiúde, meramente intuitivo, as minhas respostas serão incompletas e suscitarão quiçá mais dúvidas do que certezas. Não sou, nem quero ser, detentor da verdade, longe disso, mas também não quero escamoteá-la, nem pretendo respeitar quaisquer tabus. Por outro lado, não quero ferir, os sentimentos de alguns dos presentes. Peço-vos desculpa da frontalidade do meu discurso, mas vou direito ao assunto, sem quaisquer subterfúgios. Confesso que o tempo é muito curto para uma análise aprofundada do tema.
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A meu ver e os factos recentes parecem dar-me razão, não existem verdadeiras estruturas políticas e administrativas na Guiné-Bissau que permitam aos eventuais e sempre efémeros detentores do Poder controlar o território, nem assegurar os serviços públicos basilares e muito menos equilibrar o domínio político omnipresente do exército, herança da luta de libertação e que se perpetuou no tempo1. A bem dizer, deparamos com uma verdadeira ausência de Estado. Saliento que a ascensão ao poder só é possível com o beneplácito tácito das Forças Armadas e no entendimento de que o poder civil não interfere com o poder militar, que é totalmente autónomo. Trata-se de um verdadeiro “pacto de regime” que ninguém ousa contestar. Por conseguinte, não existe, nem pode existir, qualquer controlo civil sobre a classe castrense, a inversa é, porém, verdadeira.
Esta debilidade sistémica encontra-se na raiz das crises políticas permanentes, dos repetidos golpes de Estado, da instabilidade político-social e, hoje, da proliferação de redes criminosas, com ligações ao narco-tráfico, que beneficia de apoios a nível da clique político-militar dominante, que ainda se encontrava em Estado larvar há uma dúzia de anos. Como se procurará demonstrar, a promiscuidade entre o antigo partido da luta, o ex-Presidente da República “Nino” Vieira e as Forças Armadas obedeciam a este padrão, em vigor desde o golpe de Estado de 1980, que só vem a ser perturbado pela guerra civil, mas finda esta, deposto, morto e enterrado o ex-Chefe de Estado o problema de fundo permanece, aparentemente sem saída. Sem embargo da passagem do tempo, a situação nos dias de hoje não será muito diversa.
Vou procurar ser o mais claro possível, defendo a tese de que não sendo ainda um Estado, na verdadeira acepção da palavra, a Guiné-Bissau pode um dia vir a constituir-se em nação, todavia, encontra-se num estágio ainda muito embrionário, muito débil, ou, mesmo, incerto, de formação, cuja notória fragilidade dispensa comentários adicionais.
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Os elementos constitutivos da Guiné-Bissau enquanto potencial Nação embrionária
As etnias
Como refere Álvaro Nóbrega, “Não existe na Guiné o que se designa por etnia dominante, aquela que por si só, isoladamente, pode influir decisivamente os destinos do pais. Na realidade, a polarização étnica é a tal ponto que o país agrega cerca de 30·grupos étnicos e poucos são aqueles que comportam contingentes populacionais significativos.” (Nóbrega, 52 ).
Os grupos étnicos presentes na Guiné-Bissau, alguns não ultrapassando algumas centenas de pessoas são os seguintes:
1.Paleossudaneses e outros povos:
Grupo litoral : Balantas (Balantas manés, Cunantes e Nagas), Djolas (Baiotes e Felupes), Banhuns, cassangas e Cobianas, Brames, Majancos e Papéis, Bijagós, Biafadas, Nalus, Bagas e Landumãs. Grupo Interior: Pajadincas (Bajarancas) e Fandas
2.Neo-Sudaneses.
Grupo Mandinga: Mandingas, Saraculés, Bambarãs, Jacancas, Sossos, Jaloncos. Grupo fula: Fulas forros (fulacundas) fulas pretos, futajoloncas (Boencas, futa-fulas e futa-fulas pretos), Torancas (Futancas ou Tocurores).
Todavia as etnias mais representativas são as que constam do quadro infra, com uma distribuição geográfica desigual por todo o território:
Etnias mais importantes da Guiné-Bissau
Balantas............................................30%
Fulas.................................................20%
Manjacos..........................................14%
Mandingas........................................13%
Papéis.................................................7%
Outros...............................................16%
A Guiné-Bissau tem uma área geográfica um pouco maior que a da Bélgica, ou seja corresponde sensivelmente ao nosso Alentejo. Todavia, enquanto que na Bélgica coexistem duas grandes comunidades (a flamenga e a francófona) e ainda uma mais pequena (a germânica), na Guiné-Bissau estamos perante um conjunto muito complexo de povos que integram 30 grupos étnicos diferentes, nenhum deles maioritário, com línguas, culturas, religiões, estruturas sociais, usos e costumes distintos. Esta complexidade não tem paralelo noutras regiões de África, atenta a própria exiguidade do território, e dificultam sobremaneira a governabilidade.
Religiões
A Guiné-Bissau é o único país da sub-região em que não se está perante uma maioria de população muçulmana. Todavia, ao observarmos os dados estatísticos conhecidos, verifica-se que a população islamizada se encontra em franca progressão, podendo muito rapidamente ultrapassar os animistas, em regressão e os cristãos (maioritariamente católicos) que constituem uma minoria, hoje com alguma expressão, embora limitada e confinada, sobretudo, aos meios urbanos.
As línguas
Genericamente falando, cada etnia possui a sua língua própria, sem prejuízo de algumas semelhança que se detectam entre línguas próximas ou que pertencem ao mesmo grupo etno-linguístico. Por regiões, no Leste, predomina o fula e o mandinga, enquanto que no Oeste pode-se dizer que o manjaco prevalece, na ilha de Bissau prepondera o papel e em vastas regiões do centro e do Sul o balanta. As etnias e respectivas línguas têm por referência fundamental o tchon (o chão, isto é o território de uma certa tribo).
Dito isto, a língua de comunicação inter-étnica e com maior penetração, sobretudo nos meios urbanos, é o crioulo que comporta várias variantes e que apenas é falado por cerca de metade da população. O português surge apenas como 1ª, 2ª, 3ª ou 4ª língua correspondendo a menos de 10,43% da população. Apesar de todos os esforços de Paris e da vizinhança na sub-região, o francês, que um sector da diminuta elite Bissau-guineense domina, tem uma penetração inexpressiva a nível da população em geral.
Como refere Mário Matos e Lemos: “Em resumo, pode dizer-se que os números das estatísticas de 1992 destroem duas ideias feitas: que a presença da língua Francesa na Guiné-Bissau é igual ou superior à da Língua Portuguesa, quando afinal quase não tem expressão; e que o Crioulo é falado por toda a gente, quando, efectivamente, só metade da população o conhece. O Crioulo é uma língua de comércio, uma língua veicular, uma língua que os intelectuais gostam de exibir, uma língua que é importante conhecer em Bissau, mas que fora da capital, só alguns núcleos como comerciantes e autoridades dominam.” (Lemos, 32)
Conclusões
Em suma, ao analisarmos os elementos constitutivos da muito embrionária nação bissau-guineense, verificamos estarmos perante um verdadeiro mosaico de povos, culturas, línguas e religiões, nem sempre harmonioso, ou antes, muitas vezes, conflitual, carecendo do cimento indispensável para se construir a Nação. Resta saber se é possível edificá-la com os elementos apresentados. A este respeito, não tenho quaisquer certezas, intuitivamente penso que sim, mas presumivelmente num prazo muito dilatado. Registo que a reacção colectiva e espontânea de condenação e repúdio à invasão estrangeira pelos exércitos senegalês e da Guiné-Conacri, na guerra civil e, bem entendido, à “traição” de “Nino” Vieira e dos seus seguidores, foi talvez a maior manifestação conhecida do nacionalismo emergente na Guiné-Bissau.
Factores de desagregação
A evolução politico-militar da Guiné-Bissau – uma história contínua de violência
A Guiné-Bissau habituou a opinião pública mundial a ciclos sucessivos de expurgos, fuzilamentos sumários, golpes de Estado forjados, levantamentos militares. Do estabelecimento, na década de 90, do multipartidarismo e das primeiras eleições livres à actualidade, instalou-se nesse território turbulento da África Ocidental um paradoxo para o qual não se vê solução à vista: o povo vota e elege livremente Presidentes da República e parlamentos, não obstante uma qualquer clique militar mandará sempre mais, intimida, prende, quando não mata, os políticos. Amiúde, estes quase sempre são venais, abusam do Poder e violam grosseiramente os direitos humanos
Registo que, em 38 anos de independência, nenhum Presidente da República terminou o seu mandato e, salvo erro ou omissão, nenhum CEMGFA foi pacificamente exonerado.
Com excepção de períodos muito breves, toda a história da Guiné-Bissau é pautada por actos de violência. Como sublinha Tcherno Djaló, “A história contemporânea da Guiné-Bissau tem sido uma sucessão de actos de violência politica e institucional que marcaram profundamente a memória colectiva do seu povo, influenciando de certa forma a sua cultura política.” (Djaló, p. 25).
Lista dos principais actos de violência política na Guiné-Bissau
• A luta de libertação nacional (1963-1974)
• O golpe de Estado de 14 Novembro de 1980, dito Movimento Reajustador
• A guerra civil de 1998-99
• O putsch de 12 de Abril de 2012
Estes acontecimentos serão sumariamente abordados mais adiante.
Os riscos do tribalismo
Contrariamente ao que pensava Amílcar Cabral, considerando que a luta armada conduziria à formação da Nação, independentemente da origem étnica de cada um, Manecas dos Santos entendia, a meu ver com razão, que 'A luta armada de libertação nacional ao promover um certo grau de unidade das populações da Guiné em volta de um objectivo comum - a luta contra o colonialismo português -, criou importantes laços de solidariedade e interdependência entre os diferentes grupos, mas, contrariamente ao que muita gente afirma, não realizou a unidade nacional, nem engendrou a Nação guineense. Construiu, sim, as suas bases, os seus fundamentos, os alicerces da Nação e criou as condições necessárias mas não suficientes ao seu aparecimento." Como sublinha Sangreman e outros, todas as clivagens de ordem étnica são inimigas do processo de construção da Nação e do Estado bissau-guineense. Todavia, estão bem presentes em todas as fases do processo politico, designadamente no momento actual.
Os balantas, que representam cerca de 1/3 da população da Guiné-Bissau, constituíam o principal esteio da força combatente do PAIGC na chamada luta de libertação. Todavia, nunca foram devidamente compensados por esse esforço. Em 1985, por alegado envolvimento numa conspiração contra a segurança do Estado, os principais dirigentes balantas que ocupavam posições no topo da hierarquia do Estado – Paulo Correia era o 1º Vice-Presidente do Conselho de Estado, desempenhando as funções de Ministro da Defesa e Viriato Pâ era o Procurador-geral da República - foram detidos, torturados, julgados e condenados à morte por fuzilamento, com 4 outros oficiais da mesma etnia, o que ocorreu em 1986. Os restantes foram condenados a penas de prisão perpétua. A decapitação da emergente hierarquia balanta iria ter consequências. Quando da abertura ao multipartidarismo, Kumba Ialá encabeçaria o Partido da Renovação Social, composto maioritariamente por gente da sua etnia, obtendo um expressivo resultado nas eleições presidenciais de 1994, alcançando o segundo lugar. Na guerra civil, os balantas alinham maioritária, senão quase exclusivamente, pela Junta Militar. Kumba Ialá no primeiro sufrágio presidencial, após a guerra civil, iria ascender à Presidência da República e o seu partido obteria a maioria dos assentos no Parlamento. Todavia, em 2003, Kumba haveria de ser derrubado por um golpe de Estado (mais um dos muitos que a Guiné-Bissau em que a Guiné-Bissau é pródiga) por manifesta inépcia na condução dos assuntos de Estado. O líder do PRS, quando esteve no Poder preconizava uma política de balantização dos quadros, claramente discriminatória em relação às restantes etnias. Após um exílio em Marrocos, Kumba converte-se ao islamismo, com o objectivo não confessado, mas estrategicamente evidente de granjear uma maior base de apoio entre as minorias muçulmanas, designadamente entre os fulas – o 2º grupo étnico do pais, que representa cerca de 20% da população - e assim granjear a maioria absoluta em qualquer eleição. Kumba apoia o putsch de 12 de Abril, porque o seu apoio valerá ouro para os golpistas e os dividendos políticos senão se ganham já ganham-se a prazo. Em suma, o desfraldar irresponsável, demagógico e perigosíssimo da bandeira étnica parece ser para o líder balanta a grande, quiçá a única, palavra de ordem.
Mas em matéria de tribalismo as coisas não ficam por aqui nem se resumem apenas ao problema balanta. No final da guerra civil, em 1999, quando já tudo estava perdido, Nino Vieira não hesitou em formar uma guarda pretoriana do regime, os “aguentas”, formada quase exclusivamente por membros da sua própria etnia – os papéis – embora integrasse, igualmente, um número reduzido de Bijagós.
No termo da guerra civil, Ansumane Mané, de etnia mandinga, Comandante Supremo da Junta Militar, recusou-se a visitar tabancas fulas, recordando implicitamente que a derrota do seu povo às mãos dos fulas, quando da desagregação do reino de Kaabu, num passado muito distante (meados do século XIX), estava ainda bem presente.
O tribalismo é bem perceptível na Guiné-Bissau. Constitui um factor de desagregação perdurável e sólido. É uma força centrífuga que pode adquirir um dinamismo insuspeitado e conduzir a situações de violência extrema.
A pobreza endémica
Não vou elaborar muito sobre o assunto, porque os dados são conhecidos. Com um rendimento nominal per capita de USD 576 ou 580 (dados do FMI e do Banco Mundial, respectivamente) ou em termos de ppp (poder compra paritário) cerca de 1.100 USD a Guiné-Bissau é um dos países mais pobres do mundo. Um pais endémica e desesperadamente pobre. Em 187 países do globo, ocupa a posição 176 em termos de IDH.
O triângulo do Poder
Com o golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980, o regime muda de rumo. Nino obtem o controlo do pais, através das forças armadas, expulsando os cabo-verdianos e os mestiços (burmedjos) que constituíam o núcleo duro do partido e a elite do país substituindo-os por fidjus di tchon, por pretus-nok, por guineenses genuínos. A pretensa unidade Cabo Verde-Guiné, um mito alimentado por uma retórica oca e desfasada da realidade, desfez-se como um castelo de cartas.
No final dos anos 90, podíamos esquematicamente conceber o território como sendo dominado por uma tríade PR-militares-PAIGC, cujos elementos constitutivos deviam funcionar de uma forma equilibrada e harmónica entre si, pouco importando tudo o mais. A Oposição era mais um elemento decorativo e barulhento que outra coisa ou assim o imaginavam os que detinham o Poder.
Nino sentia que tinha a situação sob controlo, antes do mais, na classe castrense e no partido, admitia a existência de facções, de tendências, algumas muito fortes e estruturadas, mas o verdadeiro Poder estaria concentrado nas suas mãos.
Todavia, as coisas não se processavam exactamente desta forma. Este triângulo inter-activo PR-militares-PAIGC, presumia uma actuação coerente dos seus elementos constitutivos. A construção começava claramente a ser abalada, até porque as linhas de fronteira apresentavam-se esbatidas e a promiscuidade entre os três pólos do poder uma evidência. Assim, “Nino” Vieira, em 1997 e 1998, protelou a realização do Congresso do partido até dispor de certezas, porque a conquista do PAIGC era, no fundo, uma das duas condições sine qua non para se manter no Poder. A outra era o controlo das Forças Armadas.
No seio destas ou na sua órbita, subsistiam dois problemas: antes do mais, dois grandes grupos, de um lado, ex-guerrilheiros sem qualificações e, do outro, jovens académica e tecnicamente mais capazes, mas sem pergaminhos auferidos na mata; para alem disto, antigos combatentes, esquecidos, descamisados, analfabetos, que viviam à margem da sociedade.
Os dados da equação eram estes: um PR que pretendia impor-se a um partido dividido e a Forças Armadas também elas cada vez mais fraccionadas. Toda esta problemática imbricada e que provocava enormes tensões no corpo social iria sofrer um agravamento com o tráfico de armas para os rebeldes de Casamansa, com implicações a todos os níveis e com envolvimento da entourage do Presidente, senão, mesmo, do próprio Chefe de Estado. Todos os elementos para a guerra civil estavam reunidos. Faltava apenas um despoletador. Era apenas uma questão de tempo.
A derrota de Nino e dos seus aliados senegaleses e da Guiné-Conacri em Maio de 1999, introduz uma alteração substantiva na tríade: o PR vencido e humilhado, desaparece, o PAIGC está esfrangalhado, de que subsistem apenas alguns vestígios, a verdadeira força está nas casernas. O regime mudou.
Com o tempo, o PAIGC tentará recompor-se e como antigo partido da luta tem uma sólida implantação no terreno, mas terá engolir a contragosto os governos e o humor atrabiliário do dr. Kumba Ialá e o comportamento arrogante e sempre musculado dos militares. O verdadeiro poder está porém nas mãos destes que não abdicam das suas prerrogativas e da sua força. Não vale a pena repetir a estafada citação de Mao Ze Dong, a frase aplica-se como uma luva. Só que, num pais paupérrimo, os militares querem o seu quinhão e quem fala numa fatia do bolo é capaz de estar a referir-se ao bolo todo.
O tráfico de droga
Apesar de existirem fortes indícios no passado de que o tráfico de droga passava pela Guiné-Bissau – eu próprio já me tinha apercebido do problema, por informações que me iam chegando e mantive, a este respeito, uma reunião com a embaixadora norte-americana em Bissau, em 1997 -, é a partir de meados da década passada que o problema assume proporções inusitadas. Com efeito, na sequência da guerra civil, dos anos confusos que se lhe seguiram e com o ressurgir de Nino Vieira na cena política, o tráfico, sobretudo de cocaína oriunda da América Latina (Colômbia, Bolívia e Venezuela, com escala no Brasil) e destinada ao mercado consumidor europeu, irá servir-se da plataforma ideal na África Ocidental que era a Guiné-Bissau. Alguns militares, acolitados por políticos venais, beneficiaram largamente desta situação.
Circuito da droga (cocaína)
Segundo João Carlos Barradas, no “Jornal de Negócios”: “Um estado fruste, incapaz de assegurar funções elementares de segurança, forças policiais e militares envolvidas em incessantes confrontos pelo poder, pobreza e corrupção generalizadas, ofereciam condições excepcionais para o tráfico.
As máfias sul-americanas, numa conjuntura em que reforçavam o tráfico de cocaína para a Europa, em alternativa à quebra nos fornecimentos ao mercado norte-americano, encontraram na Guiné-Bissau uma plataforma de distribuição ideal.”
As facilidades oferecidas pelos Bijagós, mais de 80 ilhas não vigiadas, uma costa abandonada, bem como, inúmeras pistas de aviação espalhadas pelo território sem qualquer controlo, para além da cumplicidade das autoridades, sobretudo da parte dos militares constituíam o cenário óptimo para a actuação dos cartéis. Com efeito, o tráfico atinge valores de 674 quilos em 2006 e 635 quilos em 2007.
Os CEMFA, Papa Camará e CEMA, Bubo na Tchuto são identificados pelas autoridades dos Estados Unidos e denunciados como grandes traficantes de droga. Mas a lista não acaba aqui: quase todas as chefias militares estariam envolvidas no tráfico
Por conseguinte, a projectada reforma do sector de segurança e defesa – a chamada RSS -, visando uma redução drástica de efectivos de 4.500 para 1.500 e a criação de uma guarda nacional de 1.700 homens - não poderia jamais ser posta em prática, de forma pacífica. Por outro lado, existem diferentes facções nas Forças Armadas, mas na sequência da história recente da Guiné-Bissau, sobretudo a partir da guerra civil e da “balantização,” a maioria do oficialato é desta etnia.
A submissão dos militares ao poder civil, pelos factores já descritos é, assim, aparentemente inconcebível.
Nestas condições, a Guiné-Bissau foi já descrita como o primeiro narco-Estado da história. Com efeito, este pode emergir de uma forma irrestrita senão é já uma realidade tangível.
Em suma, a criação de um verdadeiro Estado de Direito é virtualmente impossível e incontornável.
Os acontecimentos de 12 de Abril de 2012 confirmam a ingovernabilidade da Guiné-Bissau
Entre duas voltas de uma eleição presidencial, os militares resolvem tomar o Poder, mais uma vez de forma violenta, com rockets e com AK-47, cometendo as habituais tropelias. Desta feita, rebenta-se com a porta da residência do Primeiro-Ministro à bazucada, matam-se os cães com o terçado (catana), lançam-se umas rajadas de kalashnikov para o ar, prende-se o Presidente interino Raimundo Pereira e o Primeiro-Ministro Carlos Gomes Júnior, interrompem-se as emissões de rádio e de televisão e os militares procedem a actos de violência gratuitos.
Um auto-denominado Comando Militar assume o Poder, donde sobressaem as figuras do General António Injai, CEMGFA e do porta-voz, Daba na Walna, um bem falante tenente-coronel, mestre e doutorando em Direito.
Mas qual era a justificação de fundo para o putsch: “"O Comando não ambiciona o poder, mas foi forçado a agir desta forma para se defender das investidas diplomáticas do Governo guineense, que visa aniquilar as Forças Armadas da Guiné-Bissau através de forças estrangeiras", assim se expressaram os golpistas. Todavia, jamais foram apresentadas provas do que quer que seja, designadamente de um alegado acordo secreto entre o Governo da Guiné-Bissau e Angola.
O principal partido político com assento parlamentar, o PAIGC – e ao que se sabe com apoio de várias formações políticas e da sociedade civil, em geral - condenou o golpe e opôs-se às intenções dos revoltosos. Kumba Ialá, candidato às presidenciais, secundado por 4 ex-candidatos, também pelo seu próprio partido – o PRS - e por forças políticas minoritárias, a maioria sem representação parlamentar, apoiou o levantamento militar. Kumba Ialá já havia previamente considerado a primeira volta do sufrágio como tendo sido “fraudulenta” e retirou a respectiva candidatura para a 2ª volta.
A Comunidade Internacional condenou unanimemente o golpe, sendo de destacar a posição firme, inequívoca e sem tergiversações da CPLP a contrastar, porém, com alguma ambiguidade por parte da CEDEAO, presumivelmente por influência da Nigéria, da Costa do Marfim e do Senegal.
Os golpistas são alvos de sanções da ONU, que valem o que valem, e com o tempo poderão hipoteticamente assumir formas mais duras. Todavia, a CEDEAO, ao arrepio da lógica, do bom senso e da constitucionalidade, ouvidos os insurrectos, opta por admitir, de uma forma frouxa e aberrante, um período de transição de um ano, aceitando a nomeação para essa fase de um Presidente interino, Serifo Nhamadjo e de um Primeiro-Ministro também transitório Rui Duarte de Barros, governantes impostos, porém ditos de “consenso” (quando este não existe), etapa que culminará com eleições gerais e se retomará a “normalidade”. Entretanto é enviada uma força da ECOMOG de 600 homens para manutenção do status quo. Triunfam, pois, as teses rebeldes. A legalidade não é reposta.
Análise
No quadro do país pobre e sem esperança que é a Guiné-Bissau, de há muito que se previa o putsch de 12 de Abril tendo em conta os frágeis compromissos assumidos nos últimos tempos entre militares e dirigentes civis, na sequência do rol de golpes e contragolpes, de lutas intestinas no seio das FA’s, de uma Oposição que se sente encurralada, das alegações de corrupção e venalidade de altas figuras do Estado, dos rumores e das teorias da conspiração, fundadas ou não, envolvendo as chefias civis e militares. Registe-se, por exemplo, que em 2010, Carlos Gomes e o CEMGFA de então, Zamora Induta, são acusados pelo Procurador-geral da República da autoria moral do assassinato de Nino Vieira.
Como assinala e bem o relatório do “International Crisis Group” de 23 de Janeiro a questão-chave na Guiné-Bissau consiste nas “reformas estruturais que devem tornar o Estado viável e capaz de impulsionar o desenvolvimento de todo o país, e em particular a RSS. Mas a incerteza continua a existir sobre o estado do exército: poderá ser realizada a desmobilização de 2500 militares conforme previsto? O poder civil, desempenhando as suas obrigações melhor do que anteriormente, terá conseguido assegurar a obediência do exército? A articulação, imposta pela comunidade internacional, entre a reforma do exército e a exoneração dos chefes militares mais controversos, poderá pôr em perigo o processo? A presença militar angolana e a possibilidade de uma intervenção internacional mais robusta terão verdadeiramente modificado a perspectiva dos chefes militares? Todas estas interrogações, combinadas com a inquietação suscitada pelo crescente poderio de Angola junto de determinados parceiros importantes, e em particular a Nigéria e o Senegal, retardam o apoio internacional à reforma, em particular a implementação dos fundos de pensões necessários, e enfraquecem a sua credibilidade.”
Estamos, pois, num Estado-falhado, passe o eufemismo, sem quaisquer tradições democráticas dignas desse nome, deparamos com uma reacção intempestiva (mais uma) por parte de um sector da caserna, maioritariamente balanta, a atitudes porventura voluntariosas e musculadas de Carlos Gomes Jr. (Cadogo), Primeiro-ministro e candidato presidencial mais votado, designadamente quando clamava por uma expressiva presença militar angolana no terreno, talvez como garante (ou bóia de salvação) das débeis instituições guineenses. Será que o podia fazer? Seria sensato tentá-lo? Haveria que impedir-se a todo o transe a ascensão de Cadogo à Presidência e estava a um passo de aí chegar.
Na Guiné-Bissau, o Poder está, como sempre esteve, nos canos das espingardas e os balantas, arredados do Poder, a bem ou a mal, desde os tempos da luta e no período pós-independência, por "Nino" Vieira e pelos seus próximos, sem embargo de uma passagem efémera pela governação, aspiram, agora, a aí ascenderem em pleno e a beneficiarem materialmente de todas as benesses de que outros já usufruíram, no passado. Kumba Ialá, balanta, ex-Presidente da República, afastado por um golpe de Estado, deverá, presumivelmente, ter condições para se sentar de novo na cadeira presidencial (ou se não o puder fazer já, fá-lo-á por interposta pessoa, aguardando melhores dias) através deste novo golpe de Estado. Afastados Cadogo e os seus amigos angolanos, o caminho, de ora em diante, estará, pois, aberto.
Se a ONU, de mãos dadas com a UA, com a UE e outros, condena e impõe sanções exigindo o regresso à ordem constitucional, contraditoriamente a CEDEAO acaba por legitimar o golpe de Estado. Mais. Caberia à CEDEAO colaborar com a CPLP na busca de uma solução duradoura para o problema da Guiné-Bissau. Nada disto aconteceu. A mensagem que fez passar é bem clara, claríssima, mesmo: esta é a nossa área de influência, aqui quem manda somos nós. Que Portugal, Angola e os lusófonos compreendam bem o alcance desta posição e que não instrumentalizem, em prol dos seus interesses próprios, o Conselho de Segurança das Nações Unidas. No fundo, isto é um “remake” das posições da CEDEAO na guerra civil de 98-99. Ora, já vimos todos a versão anterior do mesmo filme.
No país paupérrimo que é a Guiné-Bissau, os militares golpistas vão poder comer não só as migalhas sobrantes do fraco orçamento Bissau-guineense e do que houver da cooperação internacional, mas, principalmente, do lucrativo tráfico de droga.
O PAIGC pretende recompor-se, desde que foi desmantelado por "Nino" Vieira, cindido por múltiplas fracturas internas e esfrangalhado pela tropa. Essa pretendida recomposição com Malan Bacai Sanhá e, agora, com Carlos Gomes Jr. não foi mais que uma miragem. Pretende renascer das cinzas e resistir. Conseguirá? Nesta matéria, tenho as mais fundadas dúvidas
Temo muito sinceramente que a aposta decidida no tribalismo, que, aliás, não é de hoje, tal como preconizada por Kumba Ialá, António Injai e pelos golpistas dará origem, a médio ou a longo prazo, a um inevitável banho de sangue.
E quem é que tem influência real na Guiné-Bissau? Angola? Portugal? A França? Ou a Colômbia dos senhores da droga?
Em abono da verdade e como sucede quase sempre, os golpistas vão beneficiar do factor tempo e este é a melhor panaceia para todos os males e para a resolução de todos os problemas. A Nigéria e as francófilas Costa do Marfim e Senegal ganharam a partida, mas Angola estava, claramente, a jogar out of area. O golpe consolida-se com cada dia que passa. Um governo acaba de tomar posse. Os militares afirmam que vão regressar às casernas. Entramos, pois, na via da “normalização.” Tudo isto está a ser feito, bem entendido, em nome do Povo da Guiné-Bissau, mas nas suas costas e contra a sua vontade.
As Nações Unidas decretam sanções impedindo que os insurrectos circulem pelo mundo. Mas será que, nesta fase do campeonato, estavam interessados em viagens turísticas a Paris ou Londres? Irão congelar contas bancárias? Talvez, mas será que o dinheiro da droga se deposita no Banco Santander ou na Caixa Geral de Depósitos?
Por muito que Cadogo, Portugal, Angola e “tutti quanti” queiram, é virtualmente impossível que os dirigentes depostos regressem ao poder. Nem isso faria muito sentido, mesmo que fosse exequível. Tal como está com inflexões ligeiras ou grandes para um lado ou para outro, o status quo veio para ficar até ao próximo golpe, contragolpe, putsch, revolta ou confrontação armada em grande escala. A CEDEAO nunca fez, nem fará nada. Aliás, viu-se bem – e regressemos, mais uma vez, ao passado - na guerra civil de 98-99.
O tempo, como é óbvio, confirmará ou infirmará estas teses.
Conclusões
Temos que entender a deriva deste país: narco-Estado, Estado-falhado ou ausência de Estado. Não ando á procura de rótulos, mas experimento algumas dificuldades na busca da definição exacta. Faço notar que a nova ordem instituída em 14 de Novembro de 1980 deitou por terra a doutrina instaurada sob a égide de Amílcar Cabral: os políticos controlam o poder militar. A partir de Nino Vieira as Forças Armadas bissau-guineenses passaram a dispor de um poder ilimitado, organizando-se em negócios ilícitos de armas e de droga.
Vivi em Bissau, de 1997 a 1999, como vem relatado no livro já citado do Sr. Almirante Reis Rodrigues momentos de extrema convulsão, durante a guerra civil. O país conheceu a ocupação de forças militares estrangeiras, mais tarde Nino Vieira partiu para o exílio, as populações andaram em fuga e Bissau foi transformada num autêntico campo de tiro para armas pesadas, sujeita ao fogo cruzado das forças leais ao presidente e dos seus aliados senegaleses e da Guiné-Conacri que se confrontavam com a Junta Militar, do brigadeiro Ansumane Mané, antigo companheiro de armas de Nino, a encabeçar um vasto movimento de descamisados e de ex-guerrilheiros.
O complexo da embaixada portuguesa foi atingido em cheio por um míssil para além dos morteiros e obuses que caíam por toda a parte, a um ritmo quase diário.
Tratou-se de um conflito truculento e dramático que cavou divisões que, como se vê, em grande parte continuam a fracturar a sociedade bissau-guineense.
Pergunto:
Será a Guiné-Bissau um Estado, na verdadeira acepção da palavra, ou será, antes “um não-Estado”?
Nesta matéria, hoje, restam-me poucas dúvidas. A Guiné-Bissau pode formalmente ser considerada um Estado, com bandeira e hino próprios, com fronteiras reconhecidas internacionalmente, com instituições que pretensamente funcionam (ou não) e com assento na ONU, todavia não se me afigura que estejamos perante um Estado, na verdadeira acepção e dignidade intrínseca da palavra. Deparamos, antes, com uma “entidade caótica ingovernável”, na formulação de Oswaldo de Rivero (in “Le Monde diplomatique”, Abril, 1999)
Vários são os autores que põem em causa a própria existência do Estado bissau-guineense. O “International Crisis Group”, por exemplo, no seu relatório de 2 de Julho de 2008, afirmava “Guinée-Bissao: besoin d’Etat” -” A Guiné-Bissau necessita de um Estado” -, admitindo implicitamente e para todos os efeitos práticos, que aquele não existe – e, com a devida vénia, volto a reiterar o que já referenciei - na medida em que deixou de cumprir as suas funções elementares, não conseguindo exercer plenamente a soberania, sendo incapaz de controlar o respectivo território, de garantir os serviços públicos mínimos e de contrabalançar o domínio político do exército.
Não obstante, porque o ponto é de difícil aceitação e vem bulir com preconceitos e ideias feitas, a este respeito, permito-me citar um diálogo bem elucidativo, de uma simplicidade extraordinária, reproduzido por Luís Castro, na obra “Repórter de Guerra”, em que o jornalista conversa com um homem da Junta Militar. Diz este:
“- Sabes, fui guerrilheiro. Lutei e matei muitos portugueses, nem eu sei quantos. Agora sou velho e tenho a certeza de que tu e eu somos irmãos. Acredita, queremos que vocês voltem rapidamente para a Guiné.
- É impossível!
A minha resposta saíra com um sorriso à mistura.
- Estás a rir da nossa miséria? .
- Não, claro que não! Só te estou a dizer que o país é vosso.
- É! Pois é! Só que não o sabemos governar.” (CASTRO, p. 139-140)
Não aconselho o que quer que seja. Limito-me a suscitar o problema.
Releve-se que os militares querem a sua parte do “bolo”, em negócios claros, cinzentos ou escuros, e não admitem intromissões. Os equilíbrios entre as diferentes facções e personalidades fardadas são geridos intra muros nas casernas e quartéis. Trata-se, como é bem de ver, de um regime militarmente tutelado. Com ou sem eleições, este é o verdadeiro resultado da vitória da Junta Militar em 7 de Maio de 1999 e que perdura até aos dias de hoje, o que é verificável pela evolução dos últimos 13 anos.
Entretanto, subsiste um outro factor estruturante em temos de mentalidade que se enraizou desde 14 de Novembro de 1980: o total desrespeito pela lei e pela hierarquia, quer civil, quer militar.
Por conseguinte, como sublinhava, prioridade a justo título, o “International Crisis Group” (nº 142 de Julho de 2008)"Army reform is needed most urgently to free the political system from military interference." A reforma das Forças Armadas assume a maior urgência a fim de libertar o sistema político da interferência dos militares”
* * * * *
Termino com uma frase de um bissau-guineense, meu amigo, que ocupa ainda um cargo de alta responsabilidade, cuja identidade não vou revelar, que há dias me escreveu um mail dizendo o seguinte:
“A Mãe Natureza foi muito generosa com este chão mas não teve homens à altura para continuar e tornar maior a obra iniciada nos últimos anos da administração portuguesa.”
Esta frase dá que pensar.
A minha visão quanto ao presente e futuro da Guiné-Bissau é muito sombria. Poderia acaso ser outra?
Francisco Henriques da Silva
Embaixador
(QUASE) todos os nomes / Os novos sancionados
PRESS STATEMENT
5th JOINT CONSULTATIVE MEETING BETWEEN THE EU PSC AND THE AU PSC
Brussels, 29 May 2012
The Political and Security Committee of the European Union (EUPSC) and the Peace and Security Council of the African Union (AU-PSC) held their 5th Joint Consultative Meeting in Brussels, on 29 May 2012 in the context of implementation of the Joint Africa-EU Strategy. The meeting was co-chaired by Ambassador Olof Skoog, Permanent Chair of the EUPSC, and Ambassador Jacques-Alfred Ndoumbe Eboule, Chairperson of the AUPSC for the month of May 2012.
The meeting took place at a time marked by continued challenging developments in the Horn of Africa and grave political, security and humanitarian crises in some part of West Africa, highlighting the need for continued cooperation to achieve our common goals of ensuring peace and security, as well as promoting democratic governance, respect for human rights and rule of law. The discussions between the two parties, which focused on Somalia, Sudan and South Sudan, Guinea Bissau and Mali, reaffirmed the commitment of the AU-PSC and the EU-PSC to enhancing their joint efforts towards crisis prevention and resolution, and the importance of united responses
to unconstitutional changes of Government.
4. On Guinea Bissau
The EU and AU PSC reiterated their condemnation of the coup in Guinea-Bissau and their grave concern over the negative impacts of drug trafficking and organised crime on Guinea Bissau and the sub-region. In line with the AU communiqué of 24 April 2012, the EU Foreign Affairs Council conclusions of 23 April 2012 and UN Security Council Resolution 2048 (2012), they reaffirmed their demand for the immediate restoration of the constitutional order, the reinstatement of the legitimate democratic government of Guinea Bissau and the resumption of the interrupted electoral process. They recalled that the EU and UN have adopted individual restrictive measures against the leaders and supporters of the coup. Both sides reaffirmed the importance of concerted international action, including UN, AU ECOWAS, EU and CPLP with a view to restoring constitutional order, completing a genuine
defence and security reform and fighting against drug trafficking and impunity.
REGULAMENTO DE EXECUÇÃO (UE) N. o 458/2012 DO CONSELHO, de 31 de maio de 2012 que dá execução ao artigo 11. o , n. o 1, do Regulamento (UE) n. o 377/2012, que institui medidas restritivas contra certas pessoas, entidades e organismos que ameaçam a paz, a segurança ou a estabilidade da República da Guiné-Bissau.
O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA,
Tendo em conta o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia,
Tendo em conta o Regulamento (UE) n. o 377/2012 do Conselho ( 1 ), nomeadamente o artigo 11. o , n. o 1,
Considerando o seguinte:
(1) Em 3 de maio de 2012, o Conselho adotou o Regulamento (UE) n. o 377/2012.
(2) Perante a gravidade da situação na Guiné-Bissau, e em conformidade com a Decisão 2012/285/PESC do Conselho, de 31 de maio de 2012, que institui medidas restritivas contra certas pessoas, entidades e organismos que ameaçam a paz, a segurança ou a estabilidade da República da Guiné-Bissau ( 2 ), deverão ser incluídas outras pessoas na lista das pessoas singulares e coletivas, entidades ou organismos sujeitos a medidas restritivas constante do Anexo I do Regulamento (UE) n. o 377/2012,
ADOTOU O PRESENTE REGULAMENTO:
Artigo 1. o
A lista constante do Anexo I do Regulamento (UE) n. o 377/2012 é substituída pela lista em anexo.
Artigo 2. o
O presente regulamento entra em vigor no dia da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.
O presente regulamento é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros.
Feito em Bruxelas, em 31 de maio de 2012.
Pelo Conselho
O Presidente
N. WAMMENPT 1.6.2012 Jornal Oficial da União Europeia L 142/11
( 1 ) JO L 119 de 4.5.2012, p. 1.
( 2 ) Ver página 36 do presente Jornal Oficial.
ANEXO
Lista de pessoas a que se refere o artigo 1. o
Nome
Elementos de identificação (data e local de nascimento (d.n. e l.n.), número do passaporte/bilhete de identidade, etc.)
Motivos de inclusão na lista
Data de designação
1.
General António INJAI (t.c.p. António INDJAI)
Nacionalidade: Guiné-Bissau d.n.: 20 de janeiro de 1955 l.n.: Encheia, Setor de Bissorá, Região de Oio, Guiné-Bissau Filiação: Wasna Injai e Quiritche Cofte Função oficial: Tenente-General Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas Passaporte: Passaporte diplomático AAID00435 Data de emissão: 18/02/2010 Local de emissão: Guiné-Bissau Válido até: 18/02/2013
António Injai esteve pessoalmente envolvido no planeamento e chefia do motim de 1 de abril de 2010, que culminou com a detenção ilegal do Primeiro-Ministro, Carlos Gomes Júnior, e do então Chefe do Estado- -Maior das Forças Armadas, José Zamora Induta; durante o período eleitoral de 2012, na sua qualidade de Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, António Injai ameaçou derrubar as autoridades eleitas e pôr termo ao processo eleitoral. António Injai esteve envolvido no planeamento operacional do golpe de Estado de 12 de abril 2012. No rescaldo do golpe, o primeiro comunicado do "Comando Militar" foi emitido pelo Estado-Maior- -General das Forças Armadas, chefiado pelo General Injai.
3.5.2012
2.
Major-General Mamadu TURE (N'KRUMAH)
Nacionalidade – Guiné-Bissau d.n. 26 de abril de 1947 Função oficial: Vice-Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Passaporte: Passaporte diplomático DA0002186 Data de emissão: 30.03.2007 Local de emissão: Guiné-Bissau Válido até: 26.08.2013
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012.
3.5.2012
3.
General Estêvão NA MENA
d.n. 07 de março de 1956 Função oficial: Inspetor-Geral das Forças Armadas
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012.
3.5.2012
4.
Brigadeiro-General Ibraima CAMARÁ (t.c.p. "Papa Camará")
Nacionalidade – Guiné-Bissau d.n. 11 de maio de 1964 Filiação: Suareba Camara e Sale Queita Função oficial: Chefe do Estado- -Maior da Força Aérea Passaporte: Passaporte diplomático AAID00437 Data de emissão: 18.02.2010 Local de emissão: Guiné-Bissau Válido até: 18.02.2013
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012.
3.5.2012
5.
Tenente-Coronel Daba NA WALNA (t.c.p. "Daba Na Walna)
Nacionalidade – Guiné-Bissau d.n. 6 de junho de 1966 Filiação: Samba Naualna e In-Uasne Nanfafe Função oficial: Porta-voz do "Comando Militar" Passaporte: SA 0000417 Data de emissão: 29.10.2003 Local de emissão: Guiné-Bissau Válido até: 10.03.2013
Porta-voz do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012.
3.5.2012
PT L 142/12 Jornal Oficial da União Europeia 1.6.2012
Nome
Elementos de identificação (data e local de nascimento (d.n. e l.n.), número do passaporte/bilhete de identidade, etc.)
Motivos de inclusão na lista
Data de designação
6.
General Augusto MÁRIO CÓ
Função oficial: Chefe do Estado- -Maior do Exército.
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012.
3.5.2012
7.
General Saya Braia Na NHAPKA
Nacionalidade: Guiné-Bissau Função oficial: Chefe da Guarda Presidencial
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012.
1.6.2012
8.
Coronel Tomás DJASSI
Nacionalidade: Guiné-Bissau d.n.: 18 de setembro de 1968 Função oficial: Comandante da Guarda Nacional Passaporte: AAIS00820 Data de emissão: 24.11.2010 Local de emissão: Guiné-Bissau Válido até: 27.04.2012
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012. Conselheiro próximo do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, António Injai.
1.6.2012
9.
Coronel Cranha DANFÁ
Nacionalidade: Guiné-Bissau Função oficial: Chefe de Operações do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012. Conselheiro próximo do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, António Injai.
1.6.2012
10.
Coronel Celestino de CARVALHO
Nacionalidade: Guiné-Bissau d.n.: 14.06.1955 Filiação: Domingos de Carvalho e Josefa Cabral Função oficial: Presidente do Instituto Nacional de Defesa Passaporte: Passaporte diplomático DA0002166 Data de emissão: 19.02.2007 Local de emissão: Guiné-Bissau Válido até: 15.04.2013
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012. Ex-Chefe do Estado-Maior da Força Aérea. A sua presença numa delegação que se avistou com a CEDEAO a 26 de abril confirma a sua participação no "Comando Militar".
1.6.2012
11.
Capitão (Marinha) Sanhá CLUSSÉ
Nacionalidade: Guiné-Bissau d.n.: 28 de setembro de 1965 Filiação: Clusse Mutcha e Dalu Imbungue Função oficial: Chefe do Estado- -Maior da Armada interino Passaporte: SA 0000515 Data de emissão: 08.12.2003 Local de emissão: Guiné-Bissau Válido até: 29.08.2013
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012. A sua presença numa delegação que se avistou com a CEDEAO a 26 de abril confirma a sua participação no "Comando Militar".
1.6.2012
12.
Tenente-Coronel Júlio NHATE
Nacionalidade: Guiné-Bissau d.n.: 1972 Função oficial: Comandante do Regimento de Paraquedistas
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012. O Tenente-Coronel Júlio Nhate conduziu a operação militar de apoio ao golpe de Estado de 12 de abril de 2012.
1.6.2012
13.
Tenente-Coronel Tchipa NA BIDON
Nacionalidade: Guiné-Bissau d.n.: 28 de maio 1954 Filiação: "Nabidom" Função oficial: Chefe do Serviço de Informações Militares Passaporte: Passaporte diplomático DA0001564 Data de emissão: 30.11.2005 Local de emissão: Guiné-Bissau Válido até: 15.05.2011
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012.
1.6.2012
PT 1.6.2012 Jornal Oficial da União Europeia L 142/13
Nome
Elementos de identificação (data e local de nascimento (d.n. e l.n.), número do passaporte/bilhete de identidade, etc.)
Motivos de inclusão na lista
Data de designação
14.
Tenente-Coronel Tcham NA MAN (t.c.p. Namam)
Nacionalidade: Guiné-Bissau d.n.: 27 de fevereiro de 1953 Filiação: Biute Naman e Ndjade Na Noa Função oficial: Chefe do Hospital Militar das Forças Armadas Passaporte: SA0002264 Data de emissão: 24.07.2006 Local de emissão: Guiné-Bissau Válido até: 23.07.2009
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012. O Tenente-Coronel Tcham Na Man também é membro do Alto Comando Militar.
1.6.2012
15.
Major Samuel FERNANDES
Nacionalidade: Guiné-Bissau d.n.: 22 de janeiro de 1965 Filiação: José Fernandes e Segunda Iamite Função oficial: Adjunto do Chefe de Operações da Guarda Nacional Passaporte: AAIS00048 Data de emissão: 24.03.2009 Local de emissão: Guiné-Bissau Válido até: 24.03.2012
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012.
1.6.2012
16.
Major Idrissa DJALÓ
Nacionalidade: Guiné-Bissau d.n.: 6 de janeiro de 1962 Função oficial: Conselheiro para o protocolo do Chefe do Estado- -Maior das Forças Armadas
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012. Foi um dos primeiros oficiais a assumir publicamente a sua pertença ao "Comando Militar", tendo assinado um dos primeiros comunicados do Comité (o n. o 5, de 13 de abril). O Major Djaló também faz parte dos Serviços de Informações Militares.
1.6.2012
17.
Comandante (Marinha) Bion NA TCHONGO (t.c.p. Nan Tchongo)
Nacionalidade: Guiné-Bissau d.n.: 8 de abril de 1961 Filiação: Cunha Nan Tchongo e Bucha Natcham Função oficial: Chefe do Serviço de Informações da Marinha Passaporte: Passaporte diplomático DA0001565 Data de emissão: 01.12.2005 Local de emissão: Guiné-Bissau Válido até: 30.11.2008
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012.
1.6.2012
18.
Comandante (Marinha) Agostinho Sousa CORDEIRO
Nacionalidade: Guiné-Bissau d.n.: 28 de maio de 1962 Filiação: Luis Agostinho Cordeiro e Domingas Soares Função oficial: Chefe da Logística do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas Passaporte: SA0000883 Data de emissão: 14.04.2004 Local de emissão: Guiné-Bissau Válido até: 15.04.2013
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012.
1.6.2012
19.
Capitão Paulo SUNSAI
Nacionalidade: Guiné-Bissau Função oficial: Adjunto do Comandante da Região Militar Norte
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012.
1.6.2012
PT L 142/14 Jornal Oficial da União Europeia 1.6.2012
Nome
Elementos de identificação (data e local de nascimento (d.n. e l.n.), número do passaporte/bilhete de identidade, etc.)
Motivos de inclusão na lista
Data de designação
20.
Tenente Lassana CAMARÁ
Nacionalidade: Guiné-Bissau Função oficial: Chefe dos Serviços Financeiros das Forças Armadas
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012. Responsável pelo desvio de fundos públicos pertencentes aos serviços aduaneiros, à Direção-Geral dos Transportes e à Direção-Geral da Migração e Fronteiras. Esses fundos financiam o "Comando Militar".
1.6.2012
21.
Tenente Julio NA MAN
Nacionalidade: Guiné-Bissau Função oficial: Ajudante de campo do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas
Membro do "Comando Militar" que assumiu a responsabilidade pelo golpe de Estado de 12 de abril de 2012. O Tenente Na Man participou ativamente no comando operacional do golpe de 12 de abril, sob as ordens de António Injai. Também participou, em nome do "Comando Militar", em reuniões com partidos políticos.
1.6.2012
PT 1.6.2012 Jornal Oficial da União Europeia L 142/15
UE reforça sanções...E vão 15...
A União Europeia decidiu, nesta quinta-feira, reforçar as sanções contra o comando militar da Guiné-Bissau, acrescentando 15 pessoas à lista de indivíduos proibidos de entrar no espaço comunitário e sujeitos ao congelamento de bens na Europa.
Numa nota divulgada em Bruxelas, o Conselho da UE indica que, face à gravidade da atual situação na Guiné-Bissau, decidiu incluir na lista de medidas restritivas mais 15 pessoas que considera estarem a ameaçar a paz, a segurança e a estabilidade no país, e cuja identidade será conhecida na sexta-feira, quando a decisão hoje tomada for publicada no Jornal Oficial da UE.
MISSANG - Saída...sine die
O ministro da Defesa de transição guineense disse hoje que a saída da missão militar angolana da Guiné-Bissau é certa, embora esteja ainda sem data, e referiu-se a Angola como um «irmão de longa data».
«A saída da Missang já foi decidida pelo próprio Governo de Angola há muito tempo, mas não poderá ser como as pessoas pensam de um dia para outro», disse Celestino de Carvalho no ato da receção formal do ministério da Defesa das mãos do antigo ministro, Baciro Djá.
A Missang (Missão Técnica Angolana de Apoio ao Processo de Reforma do setor militar guineense) possui 270 homens em Bissau, entre soldados e polícias, mas o governo de Luanda deu por finda a sua permanência na Guiné-Bissau dias antes do golpe de Estado de 12 de abril na capital guineense.Lusa
DE TRANSIÇÃO, EM TRANSIÇÃO, O FUTURO DA GUINÉ-BISSAU VAI SENDO ADIADO
Antes de adentrarmos numa análise perfunctória dos efeitos negativos dos governos e das presidências de transição, vamos discorrer brevemente sobre a conceituação de governo. O governo é o terceiro elemento do Estado, a par do território e da população. Ou melhor, para que haja um Estado são necessários os três elementos a seguir: o território; a população e por último o governo.
De acordo com a teoria metafísica da escola francesa, governo nada mais é do que uma delegação de soberania de um povo. Para melhor esclarecer, o governo é a expressão da soberania popular. Esta escola reforça a ideia de que o governo seria a soberania em si colocada em prática. Já na visão alemã, o governo traduz-se numa característica intrínseca à personalidade abstrata do Estado.
Com base nas orientações do filósofo do direito e jurista francês, Léon Duguit, o termo governo representa dois significados: o caráter coletivo, sintetizando uma gama de centros de competências funcionais, que sustentam a vida política do Estado. Já em stricto sensu, ganha apenas o significado de poder executivo.
Conforme supramencionado, o governo é a expressão da soberania de um povo. É a manifestação da vontade popular, variando apenas de acordo com os mecanismos utilizados por cada país para sua escolha. Nas democracias de modelo ocidental, a escolha se dá através do sufrágio universal, igual, direto, secreto e periódico. Ou seja, a escolha dos governantes se dá mediante eleições livres, justas e transparentes.
Daí dizer que, um governo ilegal ou ilegítimo, significa uma subtração da vontade de toda uma sociedade. Isso vale para todos os tipos de governos, inclusive para os de transição. Assim sendo, deve ser sempre observado em quaisquer circunstâncias, os critérios estritamente legais ou constitucionais para as escolhas dos governos, de modo que não ocorra usurpação do poder.
Ultrapassada a questão de ordem conceitual, é percebido claramente que os governos transitórios devem representar apenas uma questão de necessidade e não uma regara, sob pena de ficar sem operacionalidade, o que caracteriza um governo programático e sufragado.
Aqui, cabe a elucidação de que o governo programático e sufragado é aquele que provém das urnas, onde um determinado partido político ou coligação elabora o seu programa de governo, de modo geral deve conter aspectos políticos, econômicos e sociais e o submetem ao sufrágio popular. Trata-se de um governo resultante das urnas, que geralmente possui uma agenda propositiva de governação, ao contrário do que ocorre com o de transição, dada a sua própria natureza emergencial.
Adentrando profundamente na questão guineense, fica evidente que todos os ambientes políticos que deram ensejo aos governos de transição ocorreram sempre por questões de disputa política de baixo nível e não por questão de acidente de percurso. Alguns dos nossos políticos ignoram a efemeridade dos governos de transição, da mesma forma que pouco se importam com as limitações de um presidente de transição, sendo que este último não pode, sob nenhum aspecto, praticar vários atos dentre os quais o de nomear ou exonerar um primeiro ministro.
Nesse contexto, essas atitudes irresponsáveis ganharam guarida com a CEDEAO “nomeando” um presidente de transição. E, este nomeou um primeiro ministro mesmo não tendo poderes para tal. Daí começa a espiral de inconstitucionalidade em torno dos atuais órgãos de transição, como passaremos a ver.
Um presidente de transição, só poderia ser escolhido nos termos constitucionais se fosse presidente do parlamento, ainda que interinamente. Mas como o Comando Militar já havia anunciado a dissolução do parlamento, como forma de consolidar o golpe, posto que do contrário, significaria a manutenção do quadro jurídico que sustentava o governo deposto, a solução parlamentar revelou-se inapropriada para o cenário por eles desejado.
Diante dessas circunstancias, aliadas ao fato do PAIGC, partido majoritário no parlamento, ter retirado a confiança política ao atual presidente de transição, que também estava no exercício interino da presidência do parlamento, qualquer solução que passasse pela constitucionalidade, teria que ser precedida por uma breve eleição da nova mesa diretora da casa, dentro do seu regimento interno, objetivando a escolha do novo presidente do hemiciclo, e este sim, poderia ser empossado na presidência interina do país.
Com isso, a escolha do presidente de transição da Guiné-Bissau, fere a constituição. Além do fato de ter sido “indigitado” e empossado por quem não tinha competência para tal, no caso concreto a CEDEAO.
Quanto ao poder executivo de transição, a mácula é ainda maior. Primeiro, por ter sido nomeado por um presidente de transição cuja indicação e investidura no cargo são inconstitucionais. Em segundo lugar, mesmo que a escolha do presidente de transição estivesse em sintonia com o nosso ordenamento jurídico, não teria poderes para nomear o primeiro ministro e consequentemente o governo, devido às limitações de ordem constitucional.
Para além das circunstancias acima apontadas, não existe na nossa constituição a previsão do governo de transição, a não ser que se diga de uma vez por todas, que a atual composição do governo de transição em nada tem a ver com a constituição. A única possiblidade constitucional de se ter um governo sem sustentação parlamentar é quando ocorre a dissolução do parlamento, enquanto não toma posse o novo governo resultante de eleições legislativas antecipadas, assim o chamado governo de gestão vai dando continuidade à administração pública.
Ainda quanto ao atual governo de transição da Guiné-Bissau, vale tecermos algumas considerações jurídicas e políticas. Não há nenhuma possibilidade jurídica de se haver um governo constitucional, ainda que seja sob a roupagem de transitório, sem a participação do partido com maior representação parlamentar, que no caso em concreto é o PAIGC. Daí, que nenhuma solução parlamentar ou constitucional poderia passar sem uma negociação política com o partido de maior bancada no parlamento. Pois, caso contrário, o governo transitório nasceria inconstitucional, como de fato nasceu.
Sob esse aspecto, nos parece que o PAIGC entendeu muito a dimensão política e jurídica de não aceitar participar no governo de transição em funcionamento na Guiné-Bissau. Sabe muito bem que basta ficar de fora do governo para que a retórica da constitucionalidade da solução da crise seja posta em causa, sem contar o significado político perante o eleitorado que vai entender que o partido foi destituído do poder, apesar de ser majoritário no parlamento.
Esse gesto do PAIGC colocou os protagonistas da “solução” da crise política numa encruzilhada jurídica. Pois, se o partido majoritário participa ou lidera o governo em questão, a solução poderia até se chamar de constitucional, no entanto, a atual legislatura teria que ser respeitada. Isto é, em novembro do ano em curso teríamos eleições legislativas, porque a solução constitucional pressupõe cumprir o prazo da legislatura e organizar as eleições para escolher o novo governo. Por outro lado, se o PAIGC não aceita (como de fato não aceitou) participar e nem liderar o dito governo de transição, a solução da CEDEAO fica, irremediavelmente, inconstitucional. Logo, consolida-se o golpe de Estado.
É nesse cenário que se vive no nosso país!
Contudo, há que se depreender algo com a atual situação da crise politica da Guiné-Bissau. O fato de que com a geopolítica internacional que se emergiu com fim do mundo bipolar, não existem mais motivos para que as grandes potências mundiais apoiem os governos combalidos, como acontecia no passado, objetivando apenas angariar números de aliados para melhor enfrentamento no campo ideológico. Hoje, os países valem tanto quanto pesam as suas economias. Um país pobre como o nosso e com governo fraco vai sentir os efeitos negativos do isolamento, não só por imposição de sanções por parte de certos países ou blocos econômicos. Mas sim, por falta de financiamento externo. E assim, o povo é quem paga a fatura a qual costuma ser pesada.
A atitude subreptícia da CEDEAO, na “solução” da crise política da Guiné-Bissau pode até agradar algumas pessoas que de alguma forma vão tirar proveito da atual situação, mas de modo geral a nossa débil economia vai ressentir-se dos efeitos de falta de financiamento externo. A leitura desse cenário é simples, porquanto muitos países da união europeia enfrentam a forte crise fiscal, precisando de financiamento para suas economias, não vão disponibilizar recursos financeiros para as autoridades transitórias, das quais não podem cobrar planos de governos e nem metas a cumprir.
Essa falta de financiamento já se faz sentir no país, onde as novas autoridades já cogitam a possibilidade utilizar o fundo destinado à exportação de castanha de caju, para pagar os salários do funcionalismo público. Trata-se de uma medida ruinosa para a nossa economia, pois atinge o setor mais importante, hoje, na economia do país.
Devemos ter em conta que no plano internacional, as relações entre nações levam em consideração a governabilidade e a continuidade das políticas mestras de um determinado Estado. A constante solução de continuidade na governação prejudica não só o país sob o ponto de vista interno, mas também no aspecto externo, pois, é difícil estabelecer parceiras com países cujos governos não terminam os mandatos, como acontece na Guiné-Bissau, onde nenhum governo ou presidente eleito terminou o mandato.
Isso evidência de sobremaneira uma ruptura constante na condução dos destinos do país, na medida em que não se tem nenhuma segurança jurídica e institucional, de que um bom projeto em curso vai ser dado sequencia por um governo de transição, que de um dia para o outro chega ao poder, caracterizado sempre por arranjos políticos esdrúxulos, obedecendo apenas à lógica de ascensão pessoal ao poder.
Uma boa lição em termos de governos democráticos é que, um governo deve ser eleito com um programa definido, sob uma perspectiva temporal correspondente a uma legislatura. Isso confere maior garantia ao cidadão em saber que programa está a escolher e até quando vai o mandato dos seus executores. Com isso, o cidadão passa dispor os mecanismos de fiscalização e cobrança dos resultados prometidos durante a campanha eleitoral. Mas quando dorme, acorda e depara com um governo que não escolheu (além deste ser naturalmente limitado), o cidadão eleitor não tem como cobrar nada de tal governo, por não ter sido eleito e nem ter um programa de governo.
É de se salientar, que esses atropelos políticos é substrato de uma Guiné-Bissau pensada com cabeça pequena. Devemos recuperar a nossa capacidade de fazer as coisas baseada na nossa realidade, na nossa cultura. Devemos assumir o protagonismo da nossa própria história. Não podemos estar em nenhuma organização internacional sempre no pelotão traseiro. Não devemos imaginar que a visão dos outros é sempre melhor que a nossa, mesmo quando a futuro do nosso país é que está em questão.
Temos o dever moral de traçar uma estratégia nova para o nosso país, e, de desenvolver capacidade de diálogo constante para solucionar os problemas que pululam na nossa sociedade. Devemos resgatar o espírito de unidade nacional, que outrora nos conduziu à independência. Urge a necessidade de entendermos que a pluralidade de opiniões e o espírito de tolerância são principais nutrientes para uma democracia saudável.
Devemos cultivar e preservar a cultura da paz, para que possamos reunir condições de atrair investimentos internos e externos, estimular a produção popular, de modo a produzir riquezas capazes de combater a pobreza e diminuir a nossa dependência externa. É premente dinamizarmos o setor produtivo privado com vista a reduzir o peso do Estado na economia, posto que desde a nossa independência até os dias que correm, a expectativa de empregabilidade sempre passa pela ocupação de cargo ou desempenho de função pública.
Por fim, nunca é demais lembramos que os interesses individuais e partidários devem terminar onde começam os interesses nacionais.
Alberto Indequi
Advogado e Empresário
Desenvolvimento e perspectivas: que desafios?
Nélson Constantino Lopes, politólogo
Abordar a questão do desenvolvimento num contexto como o nosso, requer acima de tudo uma percepção real da dinâmica político-económica, social e cultural do país.
Pois, o desenvolvimento é um fenómeno complicado, multidimensional, resultado de sofisticadas interacções entre projectos, conhecimentos e competências, poderes e recursos díspares, conjunturas e vontades bem direccionadas.
Duma forma instável, o desenvolvimento, é o resultado, de um jogo com muitos actores, por isso a exigência de coordenação, de articulação público-privado é necessária.
Não há processo de desenvolvimento nacional sem liderança do Estado, por meio de sucessivos e legitimados governos, que mobilize um amplo leque de actores sociais e se mobilize alimentado pelo desejo colectivo de construir um país diferente com ideais comuns.
Num país, como a Guiné-Bissau, devido à conjugação de vários factores, (pobreza, instabilidade política e institucional, corrupção, nepotismo…), o resultado, isto é, o desenvolvimento, ficou longe da meta traçada. Porque endogenamente temos mostrado a nossa incapacidade de encontrar consensos à volta das grandes questões do Estado, o que é deveras preocupante para um processo de desenvolvimento sustentado que se quer perspectivar.
Já na década de noventa, foi elaborada uma visão prospectiva do desenvolvimento do país, “Guiné-Bissau 2025 Djitu Tem”, que não chegou a ser implementada. Anos depois, em 2001, surgiu o DENARP, que até hoje também não foi posto em prática.
A interrogação que se coloca, perante a situação presente no país é, como perspectivar o desenvolvimento:
• Onde o nível de desenvolvimento humano contínua fraco e precário?
• Onde as constantes instabilidades políticas e militares não permitem criar condições propícias para a execução das políticas públicas ambiciosas e sustentáveis?
• Quando o nível do analfabetismo, continua a um nível assustador?
• Onde a situação do emprego é precária?
• Onde o fornecimento da energia eléctrica e água potável é ainda considerado um luxo?
• Onde as populações das zonas mais ricas em recursos naturais do país são as mais atingidas com a pobreza extrema? (DENARP-II)
• Num país que depende altamente da ajuda externa para o seu OGE?
É precisamente a partir destas interrogações, que se deve criar estratégias e assunção clara para novas políticas sectoriais e transversais, para fazer face a este status quo.
Estamos num momento em que a conjuntura económica internacional que se encontra fragilizada, não esta em condições de continuar a ajudar como antes, mas com responsabilidade, a expansão do mercado interno, duma forma organizada, com políticas e gestão coerente, pode continuar sendo o sustentáculo do crescimento da economia, desenvolvendo inovações financeiras que assegurem a expansão sustentada dos investimentos a fim de alargar o potencial de crescimento nacional.
Reforçar o nível de capacitação dos recursos humanos e apostar na promoção d igualdade de género, como estratégia de redução das desigualdades, constitui sem dúvida um desafio nacional que merece ser encarado com serenidade.
A gestão coerente das finanças públicas e a promoção e o desenvolvimento do sector privado, através dum ambiente empresarial saudável que possa atrair investimentos estrangeiros, constituem bases ou alicerces para suportar as demais políticas de desenvolvimento do sector social, considerado parente “pobre” nos OGE’s.
Não se pode perspectivar o desenvolvimento, sem apostar na criação de infra-estruturas básicas (energia e transportes). Para permitir o escoamento dos produtos e o funcionamento das pequenas indústrias.
A adopção de uma parceria estratégica com as organizações não-governamentais (ONG’s), deve ser encarada a seriamente, tendo em conta o importante papel destes na pacificação social, na luta contra a pobreza, na protecção da biodiversidade, etc…
Um dos factores que teima em bloquear o processo de desenvolvimento, é o não funcionamento eficaz da justiça, tornando o país num paraíso da impunidade a todos os níveis. É imprescindível que este órgão tão importante do Estado, possa dar cabalmente a sua contribuição em prol da democracia e do desenvolvimento.
O respeito pelos direitos humanos consagrados na Constituição da República, não pode em momento algum ser posto em causa e merece ser observado integralmente, pois é um direito que não pode ser alienado.
A aposta na agricultura e pesca, pode constituir a alternativa para os reais problemas da subnutrição e dinamizar a produção local e o consumo nacional.
O mais importante desafio para se conseguir este tão almejado desenvolvimento, é a assunção da responsabilidade dos guineenses na resolução dos seus problemas, buscando a solução endogenamente.
Cidadania e Sociedade: um olhar para dentro
Rui Jorge Semedo, politólogo
Antes de tudo, apraz-me estar aqui, no Centro Cultural Franco Bissau-Guineense, ao lado dos amigos Miguel Barros, Nelson Lopes e demais presentes, na qualidade de membro do Movimento Ação Cidadã, cujo lema é: “pensar pelas nossas próprias cabeças, andar com os nossos próprios pés para participar do debate sobre os pressupostos da democracia e da cidadania na Guiné-Bissau.
Bem, num momento em que são levantadas muitas interrogações sobre sucessivos conflitos político-militar e, sobretudo, sobre a nossa (in)capacidade nacional de aderir e respeitar as regras do jogo democrático, tendo em conta as premissas de participação e contestação, nada mais sensato do que trazer o assunto ao espaço público para ser objeto de uma reflexão coletiva.
Como dizia o filosofo grego Aristóteles, “o homem é um animal político e a única diferença entre ele e outros animais está no uso do recurso da palavra”. Entretanto, é com ela que vamos poder expressar melhor os nossos sentimentos de alegria, de tristeza, de admiração, de repúdio, de congratulação, etc.
Não obstante, se me permitem, aproveito para dizer que não pretendemos com esta nossa comunicação desencadear uma ação evangelizadora e, muito menos, formatar a sociedade guineense a pensar como nós. Pretendemos, sim, tão-somente suscitar que cada cidadão guineense comece a pensar por si mesmo na responsabilidade que tem no destino desta sociedade e, simultaneamente, que os pensamentos expressos individualmente coincidam coletivamente com a vontade nacional de construir o bem-estar comum.
Para entrar no tema que me é incumbido, começo por dizer que o processo que conduziu à independência da Guiné-Bissau foi a génese de construção da cidadania guineense, principalmente por ser um processo nacional de contestação-negação de um estatuto perverso e desumano imposto pelo sistema. Aliás, como é do nosso conhecimento, na então Guiné-Portuguesa, a prática de hierarquização sócio-política não se distanciava do modelo da Grécia Antiga, e cerca de 99% da população nativa vivia literalmente sob o regime de escravidão, além de terem sido negado o acesso aos serviços sociais e aos direitos elementares básicos, como educação, saúde, habitação e liberdade à manifestação.
Nesse sentido, tanto a luta pela independência quanto a independência em si, devem ser vistos e entendidos como atos da cidadania, porque é um cumprimento do dever nacional. Muito embora, há que reconhecermos que a cidadania não foi adotada como um estilo de vida nacional.
Esta tomada de consciência nacional teve pouco tempo de vida e começou a ser obstruída com o golpe militar de 14 de novembro, que criou uma ruptura não só política em termos de construção de Estado-Nação, como também do ponto de vista social permitiu criar condições para o lançamento nos anos posteriores, de sementes de destruição da unidade nacional, que se manifestou através dos sucessivos golpes.
A partir dessa dinâmica, a ação violenta conseguiu se impor perante a legitimidade do princípio do diàlogo e respeito pelas instituições do País, e, explicitamente se instaurou como estratégia de circulação de atores políticos e militares na estrutura do poder vinculado à lei da arma.
A grande questão é que a ação violenta armada fez-se acompanhar pela decadência de autoridade moral. O primeiro transformou as instituições da Républica em reféns de vontade individual e/ou de grupos, enquanto que o segundo notabilizou-se pela existência elevada de corrupção, perda gradativa dos deveres e responsabilidades pessoal, familiar e profissional dos cidadãos.
Os impactos no tecido social, político e económico foram graves. As consequências estão patentes à vista desarmada, sobretudo, expressa no IDH da Guiné-Bissau, na perda do senso de humanismo nas instituições como hospital e escola, no crescimento da impunidade e na perda de identidade que nos é comum em deterimento de interesses eleitorais, étnicos, religiosos e económicos.
É interessante observar como essa desestruturação está a influênciar negativamente a atitude dos guineenses com a aparição de seguintes práticas:
• A desenfereada corrida pelo dinheiro fácil;
• Crença na impunidade;
• Vandalização do património público;
• A desvalorização e banalização dos simbolos nacionais;
• Ausência de sentimento nacional;
• Sobreposição do étnico sobre o nacional;
• Crise de personalidades de referência;
• Crise da instituição família e da educação;
• Culto de matchundadi
• Alteração violenta de ordem constitucional
Essas e outras constatações aqui não levantadas são comportamentos e manifestações que quotidianamente confrontam e agridam a possibilidade coletiva de consolidarmos o nosso papel social de cidadãos comprometidos com o bem-estar nacional.
É bom dizer que existe uma forte relação entre o nosso comportamento enquanto cidadãos, a imagem do país que queremos projetar e a atitude dos decisores por nós democraticamente eleitos. Quer dizer, nossa tomada de consciência como cidadãos com responsabilidade social, política e economica só terá consequências positivas na estrutura socio-governativa a partir de uma atitude cidadã. Quer para eleger nossos representantes, quer para exigir a prestação de contas ou para sacrificar parte da nossa vida em benefício nacional.
Um verdadeiro cidadão é aquele que tem o país no coração, é aquele que morre pelo país, é aquele sacrifica suas ambições em nome do país, é aquele que coloca o país em primeiro plano, é aquele que realmente vive o país com orgulho.
E esse tipo de sentimento para com o país utrapassa as fronteiras da cidadania e penetra tácitamente no estágio de patriotismo e nação, como explica Alexis de Tocqueville (2001:107), durante a missão que fez ao Estados Unidos, em 1831, a serviço do governo francês:
“O que mais admiro na América não são os efeitos administrativos da descentralização, mas os efeitos políticos. Nos Estados Unidos, a prática se faz sentir em toda a parte. É um objeto de solicitude desde a cidadezinha até a União inteira. O habitante se apega a cada um dos interesses de seu país como se fossem os seus. Ele se glorifica com a glória da Nação; nos sucessos que ela obtém, crê reconhecer sua própria obra e eleva-se com isso, ele se rejubila com a prosperidade geral de que aproveita. Tem por sua pátria um sentimento análogo ao que sentimos por nossa família, e é também por uma espécie de egoísmo que se interessa por Estado”.
E aqui na Guiné-Bissau, terra que nos viu nascer, qual tem sido a nossa participação para a existência de um sentimento comum de orgulho de guinendadi? Foram pouco menos de quatro décadas de má governação, qual tem sido o nosso papel como atores de mudança? Foram mais de uma dezena de tentativas e golpes de Estado, qual foi o nosso papel para dizer não a violência e sim ao dialogo e combate de ideias?
A má governação e a continuidade de ação violenta de alteração do poder não são per si a culpa e/ou apenas a responsabilidade dos seus atores, mas também da ausência de sociedade, como organismo de ação, que deve exigir o respeito escrupuloso pelo funcionamento das regras do jogo, independemente dos motivos invocados.
Sente-se que, tanto quanto a nação e o patriotismo, a cidadania vê-se nos comportamentos, no aspecto físico das cidades, no caráter coletivo da sociedade e, sobretudo, na relação de cada um com o todo.
Como dizem os politólogos: não existe nenhuma democracia viva sem espaço público. Ela é o espaço do povo, quer dizer, da sociedade, por isso não há nada melhor que dentro de príncipio de exercício do dever que nos cabe, sermos fiscalizadores do nosso bem-estar social. Pois a cidadania é por excelência a base da democracia.
Muito obrigado!
Rui Jorge Semedo
Antes de tudo, apraz-me estar aqui, no Centro Cultural Franco Bissau-Guineense, ao lado dos amigos Miguel Barros, Nelson Lopes e demais presentes, na qualidade de membro do Movimento Ação Cidadã, cujo lema é: “pensar pelas nossas próprias cabeças, andar com os nossos próprios pés para participar do debate sobre os pressupostos da democracia e da cidadania na Guiné-Bissau.
Bem, num momento em que são levantadas muitas interrogações sobre sucessivos conflitos político-militar e, sobretudo, sobre a nossa (in)capacidade nacional de aderir e respeitar as regras do jogo democrático, tendo em conta as premissas de participação e contestação, nada mais sensato do que trazer o assunto ao espaço público para ser objeto de uma reflexão coletiva.
Como dizia o filosofo grego Aristóteles, “o homem é um animal político e a única diferença entre ele e outros animais está no uso do recurso da palavra”. Entretanto, é com ela que vamos poder expressar melhor os nossos sentimentos de alegria, de tristeza, de admiração, de repúdio, de congratulação, etc.
Não obstante, se me permitem, aproveito para dizer que não pretendemos com esta nossa comunicação desencadear uma ação evangelizadora e, muito menos, formatar a sociedade guineense a pensar como nós. Pretendemos, sim, tão-somente suscitar que cada cidadão guineense comece a pensar por si mesmo na responsabilidade que tem no destino desta sociedade e, simultaneamente, que os pensamentos expressos individualmente coincidam coletivamente com a vontade nacional de construir o bem-estar comum.
Para entrar no tema que me é incumbido, começo por dizer que o processo que conduziu à independência da Guiné-Bissau foi a génese de construção da cidadania guineense, principalmente por ser um processo nacional de contestação-negação de um estatuto perverso e desumano imposto pelo sistema. Aliás, como é do nosso conhecimento, na então Guiné-Portuguesa, a prática de hierarquização sócio-política não se distanciava do modelo da Grécia Antiga, e cerca de 99% da população nativa vivia literalmente sob o regime de escravidão, além de terem sido negado o acesso aos serviços sociais e aos direitos elementares básicos, como educação, saúde, habitação e liberdade à manifestação.
Nesse sentido, tanto a luta pela independência quanto a independência em si, devem ser vistos e entendidos como atos da cidadania, porque é um cumprimento do dever nacional. Muito embora, há que reconhecermos que a cidadania não foi adotada como um estilo de vida nacional.
Esta tomada de consciência nacional teve pouco tempo de vida e começou a ser obstruída com o golpe militar de 14 de novembro, que criou uma ruptura não só política em termos de construção de Estado-Nação, como também do ponto de vista social permitiu criar condições para o lançamento nos anos posteriores, de sementes de destruição da unidade nacional, que se manifestou através dos sucessivos golpes.
A partir dessa dinâmica, a ação violenta conseguiu se impor perante a legitimidade do princípio do diàlogo e respeito pelas instituições do País, e, explicitamente se instaurou como estratégia de circulação de atores políticos e militares na estrutura do poder vinculado à lei da arma.
A grande questão é que a ação violenta armada fez-se acompanhar pela decadência de autoridade moral. O primeiro transformou as instituições da Républica em reféns de vontade individual e/ou de grupos, enquanto que o segundo notabilizou-se pela existência elevada de corrupção, perda gradativa dos deveres e responsabilidades pessoal, familiar e profissional dos cidadãos.
Os impactos no tecido social, político e económico foram graves. As consequências estão patentes à vista desarmada, sobretudo, expressa no IDH da Guiné-Bissau, na perda do senso de humanismo nas instituições como hospital e escola, no crescimento da impunidade e na perda de identidade que nos é comum em deterimento de interesses eleitorais, étnicos, religiosos e económicos.
É interessante observar como essa desestruturação está a influênciar negativamente a atitude dos guineenses com a aparição de seguintes práticas:
• A desenfereada corrida pelo dinheiro fácil;
• Crença na impunidade;
• Vandalização do património público;
• A desvalorização e banalização dos simbolos nacionais;
• Ausência de sentimento nacional;
• Sobreposição do étnico sobre o nacional;
• Crise de personalidades de referência;
• Crise da instituição família e da educação;
• Culto de matchundadi
• Alteração violenta de ordem constitucional
Essas e outras constatações aqui não levantadas são comportamentos e manifestações que quotidianamente confrontam e agridam a possibilidade coletiva de consolidarmos o nosso papel social de cidadãos comprometidos com o bem-estar nacional.
É bom dizer que existe uma forte relação entre o nosso comportamento enquanto cidadãos, a imagem do país que queremos projetar e a atitude dos decisores por nós democraticamente eleitos. Quer dizer, nossa tomada de consciência como cidadãos com responsabilidade social, política e economica só terá consequências positivas na estrutura socio-governativa a partir de uma atitude cidadã. Quer para eleger nossos representantes, quer para exigir a prestação de contas ou para sacrificar parte da nossa vida em benefício nacional.
Um verdadeiro cidadão é aquele que tem o país no coração, é aquele que morre pelo país, é aquele sacrifica suas ambições em nome do país, é aquele que coloca o país em primeiro plano, é aquele que realmente vive o país com orgulho.
E esse tipo de sentimento para com o país utrapassa as fronteiras da cidadania e penetra tácitamente no estágio de patriotismo e nação, como explica Alexis de Tocqueville (2001:107), durante a missão que fez ao Estados Unidos, em 1831, a serviço do governo francês:
“O que mais admiro na América não são os efeitos administrativos da descentralização, mas os efeitos políticos. Nos Estados Unidos, a prática se faz sentir em toda a parte. É um objeto de solicitude desde a cidadezinha até a União inteira. O habitante se apega a cada um dos interesses de seu país como se fossem os seus. Ele se glorifica com a glória da Nação; nos sucessos que ela obtém, crê reconhecer sua própria obra e eleva-se com isso, ele se rejubila com a prosperidade geral de que aproveita. Tem por sua pátria um sentimento análogo ao que sentimos por nossa família, e é também por uma espécie de egoísmo que se interessa por Estado”.
E aqui na Guiné-Bissau, terra que nos viu nascer, qual tem sido a nossa participação para a existência de um sentimento comum de orgulho de guinendadi? Foram pouco menos de quatro décadas de má governação, qual tem sido o nosso papel como atores de mudança? Foram mais de uma dezena de tentativas e golpes de Estado, qual foi o nosso papel para dizer não a violência e sim ao dialogo e combate de ideias?
A má governação e a continuidade de ação violenta de alteração do poder não são per si a culpa e/ou apenas a responsabilidade dos seus atores, mas também da ausência de sociedade, como organismo de ação, que deve exigir o respeito escrupuloso pelo funcionamento das regras do jogo, independemente dos motivos invocados.
Sente-se que, tanto quanto a nação e o patriotismo, a cidadania vê-se nos comportamentos, no aspecto físico das cidades, no caráter coletivo da sociedade e, sobretudo, na relação de cada um com o todo.
Como dizem os politólogos: não existe nenhuma democracia viva sem espaço público. Ela é o espaço do povo, quer dizer, da sociedade, por isso não há nada melhor que dentro de príncipio de exercício do dever que nos cabe, sermos fiscalizadores do nosso bem-estar social. Pois a cidadania é por excelência a base da democracia.
Muito obrigado!
Rui Jorge Semedo
Que viabilidade para a Democracia na Guiné-Bissau?
Miguel de Barros, Sociólogo, Movimento Acção Cidadã
Para o Movimento Ação Cidadã “Pensar pelas nossas próprias cabeças, andar com os nossos próprios pés”, o mais importante é que a nossa mobilização e intervenção possa constituir um legado de saber político e de pedagogia cívica em favor da democracia, em favor da Guiné-Bissau no presente e no futuro. Por isso, esta conferência inaugural marca o início de um ciclo de debates mensais aqui neste auditório do Centro Cultural Franco-Bissau Guineense (CCFBG), inserindo-se num conjunto de ações que visam promover o debate, a cultura do debate e de estímulo ao pensamento crítico, alternativo e construtivo na nossa sociedade, levando-nos a promover até ao fim do período de um ano de transição, ou seja até Maio de 2012, debates radiofónicos semanais interativos, djumbais da cidadania nos bairros periféricos de Bissau com as bancadas e debates temáticos diários ao nível do nosso blog/página do facebook.
Não temos financiamentos, não somos financiados por ninguém e nem estamos aqui a pedir financiamentos enquanto os nossos membros ainda estão disponíveis a dar abotas consoante as necessidades, pois esta nossa iniciativa parte de um simples princípio de que as pessoas têm direitos, mas também deveres cívicos na perspectiva de autonomia de expor as nossas próprias ideias e promover as nossas ações junto das comunidades locais e nacionais. Daí que a realização da ação democrática é efetivamente influenciada pelas liberdades políticas, pelas oportunidades económicas, pelos poderes sociais e o incentivo e estímulo de iniciativas. Os dispositivos institucionais para as tais oportunidades são também influenciados pelo exercício das liberdades pelas pessoas, através da participação desimpedida nas escolhas sociais e na tomada de decisões públicas que induzem ao progresso dessas oportunidades. São esses princípios que sentimos que hoje estão ameaçados na Guiné-Bissau e que se não forem abordados numa perspetiva de responsabilização individual e coletiva, levarão à impossibilidade de concretizar a paz e o direito ao desenvolvimento neste país.
Nesta ordem de ideias, gostaria de partilhar algumas inquietações sobre a viabilidade da democracia na Guiné-Bissau, pensando por exemplo, como pode funcionar a democracia sem liberdades políticas efetivas, sem possibilidades de manifestação? Como “democratizar a democracia” se em 21 anos do ensaio deste sistema já foram protagonizadas 10 tentativas de Golpes no Estado, sendo que alguns se concretizaram em governos não sufragados pelo veredito popular? Que veredito popular se o povo de facto não é soberano? Mas afinal de que soberania pode gozar a nossa democracia se ela nem é capaz de cumprir um único ciclo de mandato em mais de 20 anos? Como é que a democracia pode ser viável sem disponibilidades económicas necessárias para as populações? Como a democracia pode ser viável se ela não se traduz nas oportunidades e proteção sociais da população guineense? Como pode a democracia constituir garantia do progresso se os candidatos ao exercício do poder democrático não estão comprometidos nem com a democracia e muito menos com a sociedade? Para um guineense que nasceu no ano da liberalização política (1991), será que sobressai nele a cultura democrática ou golpecrática e da violência que ele exerce? Porquê que então fingimos ficar surpreendidos que na nossa sociedade a função mais nobre é ser ministro ou militar em plena economia de mercado e sociedade de informação e do conhecimento?
Se na verdade, a abertura democrática, foi marcado pela ampliação da esfera pública, em particular pelo protagonismo da sociedade civil, no nosso caso, a liberalização política foi interpretada como oportunidade do desengajamento do Estado com um “projeto sociedade” sobretudo na educação. Ou seja, a educação deixa de constituir-se um bem comum prioritário, iniciando um processo de privatização e de comercialização de diplomas que garantia a massificação do ensino, mas sem equidade e qualificação, às populações foi-lhes sistematicamente ensinado como votar e não porque votar! Agora, como poderá uma democracia ser emancipatória se volvidos mais de 20 anos da adoção do sistema democrático, mais de metade da população continua analfabeta e sem capacidade de ser ela própria detentora da sua ação produtiva e social? Que igualdades de oportunidades entre rapazes e raparigas potenciamos, que possibilidades entre homens e mulheres promovemos então? Será que a pressão social que existe hoje na nossa sociedade não é fruto desta nossa opção?
Aqui coloca-se a questão do Estado e do seu papel. Não conseguindo cumprir o seu papel básico de satisfação das necessidades da sua população, o estado guineense foi capturado não sendo capaz de respeitar o bem-comum, pois transcende dos interesses particulares. As oportunidades e projetos não dependem da forma crucial das instituições de facto e das formas como deveriam funcionar. As instituições não só não contribuem para a nossa liberdade, como ainda não estão presentes para velar pela nossa proteção, responsabilização e criação de dispositivos para sua ficalização e avaliação. O Estado guineense não tem conseguido vencer a batalha de aumentar a sua capacidade produtiva porque desinvestiu na formação qualificada e nem encoraja os poucos que qualificou para integrarem as suas instituições.
Como consequência, o Estado guineense não consegue emancipar-se economicamente e democraticamente na medida que a estratégia de captura e conservação do poder numa aliança triangular político-militar-privado concorre para a reprodução de instituições frágeis, deixando de fora e na precariedade/contingência os seus quadros mais aptos, perdendo assim a sociedade a capacidade de estimular uma classe média com criatividade atuante, a massa crítica, a possibilidade de projeção a longo prazo, de renovação social e atualização de novas sínteses culturais. Esta situação agudizou-se com a desestabilização protagonizadas desde 1998, demonstrou que o Estado não está em crise nem em colapso, mas que simplesmente tornou-se irrelevante como um Estado contemporâneo, afastando assim muitos jovens e quadros da vida político-partidária.
No entanto, os últimos acontecimentos de 12 de Abril, pelo facto de ter sido sobretudo um golpe às e nas eleições, teve um efeito positivo em termos de mobilização da Sociedade Civil, em especial a nova geração, para o debate e envolvimento político, como também projetou os sentimentos dos guineenses para uma crença de que estamos perante o início do fim de um ciclo de pendor militar na vida política. Mais do que nunca a Sociedade Civil envolveu-se num debate aberto sobre a necessidade e o papel das Forças Armadas no futuro da Guiné-Bissau em pleno gozo do estado de direito e democrático, que a ser consequente poderá contribuir decisivamente para uma verdadeira reforma do sector da defesa e segurança.
Porém, será necessário um intenso e permanente diálogo entre os órgãos de soberania e entre as instituições públicas e a sociedade civil (incluindo o privado e militar) na realização dos estados gerais que permitirão articular possibilidades e estratégias que favorecem ao consenso e compromisso para o fim do ciclo de transitoriedade do estado que se quer democrático na Guiné-Bissau. Isso implicará necessariamente uma articulação entre as diferentes manifestações da sociedade civil (formalizadas e não formalizadas) na refundação de um novo modelo, cultura e compromisso.
Esse modelo deverá implicar a projeção de um novo empreendedorismo político e económico (novos partidos políticos- as de agenda e de ideologias e não de interesseologia; novas empresas- as do conhecimento e do produtivismo e não do comércio e parasitismo) baseado num contrato social capaz de criar ingredientes para um mercado vital, isto é, se a economia estiver implantada numa Sociedade Civil mais ampla, e que albergue as interações sociais baseadas em normas como a confiança, fiabilidade, capacidade para o compromisso com todos os atores sociais e um reconhecimento mútuo não violento. Para isso é fundamental a reforma do sistema político vigente.
Contudo, um grande risco que existe é o facto do apoio a estes atores e à promoção do diálogo entre estes e o Estado ser uma dimensão que existe apenas em algumas estratégias de doadores bi/multi-laterais, ou seja de doadores. É neste sentido que o futuro das várias expressões da Sociedade Civil que eclodiram com o golpe de 12 de Abril se joga. Isto passará de algum modo pela existência de mecanismos de avaliação e integração das lições aprendidas, que poderiam ajudar a evitar ou controlar efeitos perniciosos das intervenções externas, capacidade de autofinanciamento e financiamento internos, mecanismos institucionalizados de concertação interna entre atores nacionais (estatais, locais, não estatais, privados). O desafio é o "problema da simultaneidade": a democratização do desenvolvimento e o desenvolvimento da democracia, isto é, o aprofundamento da experiência democrática em todas as esferas produziria uma nova síntese, uma nova estratégia de desenvolvimento que passa por se obter os benefícios necessários emancipatórios para as populações, desenvolvendo a sua crença no sistema democrático.
O caso dos empresários desaparecidos
Por: Nuno Tiago Pinto/Revista Sábado, edição de 31-05-2012
O caso dos empresários desaparecidos
O DIAP de Lisboa arquivou um processo em que funcionários da embaixada de Portugal em Bissau eram suspeitos de vender vistos. Mas descobriu que, de um grupo de 52 guineenses que participaram numa feira em Lisboa, só dois voltaram à Guiné.
Nuno Tiago Pinto
Os rumores que circulavam em Bissau tornaram-se demasiado sérios para serem ignorados: funcionários da secção consular da embaixada portuguesa na Guiné-Bissau estariam a exigir 4 a 5 mil euros por um visto para Portugal. E em Junho de 2007 o Ministério dos Negócios Estrangeiros pediu à Polícia Judiciária para investigar o caso.
No mês seguinte, uma missão de inspecção partiu de Lisboa para Bissau. De acordo com o relatório final da PJ, disponível no processo consultado pela SÁBADO na 9ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, a investigação começou logo mal. Os investigadores quiseram visitar a representação diplomática de surpresa mas não conseguiram: o então Inspector-Geral Diplomático e Consular, José Luiz Gomes, avisou o embaixador português em Bissau, José Paes Moreira, e este alertou os outros funcionários. Ao chegarem à Guiné, os investigadores decidiram ir logo à embaixada de Portugal. Era meia-noite. E à porta da representação diplomática aglomeravam-se centenas de pessoas que tentavam marcar a sua vez de serem atendidas. Ganhavam corpo as suspeitas de vendas de senhas de atendimento.
Nos dias seguintes, os inspectores interrogaram os funcionários com responsabilidade na emissão de vistos. Todos negaram alguma vez terem recebido dinheiro em troca de uma autorização de entrada em Portugal. Mas, de acordo com o processo, no primeiro interrogatório ao encarregado da secção consular, Eduardo Silva Rafael contou que, em Fevereiro de 2006, antes de iniciar funções, um grupo de 52 indivíduos viajou para Lisboa para participar no SISAB - Salão Internacional do Vinho, Pescado e Agro-Alimentar. Apenas dois regressaram a Bissau.
O responsável pela secção consular era então Frederico Silva. Aos inspectores, este recordou que, na semana anterior à partida avisara o presidente da Associação Comercial da Guiné Bissau (ACGB), Malan Nancá, que ia recusar a maioria dos vistos porque a documentação não estava em ordem: os passaportes tinham sido emitidos um mês antes, os números de contribuinte uma semana antes, os cartões da ACGB não tinham fotografia, os alvarás comerciais estavam rasurados e nenhum tinha reserva de hotel ou avião, estrato bancário, comprovativo de meios financeiros ou seguro de saúde.
Era sexta-feira, 8 de Fevereiro de 2006. Frederico Silva foi de férias para Cabo Verde e, quando regressou, na 4ª feira seguinte, os vistos tinham sido aprovados. A vice-cônsul contou-lhe que tinha recebido instruções do embaixador para os reapreciar favoravelmente - o que esta último negou. De acordo com Frederico Silva, José Paes Moreira disse-lhe ter recebido uma carta da SISAB e um telefonema do chefe de gabinete do Secretário de Estado das Comunidades Portuguesa, Simeão Pinto Mesquita, e que, por isso, orientou a vice-cônsul a emitir um parecer favorável. Ainda assim, na véspera da partida Frederico Silva exigiu entrevistar os empresários. Quando percebeu que nenhum falava português ou crioulo, apenas francês, fê-los assinar um documento em que se comprometiam a ir à secção consular quando voltassem à Guiné - apenas dois o fizeram.
Durante as investigações, um funcionário da embaixada, João de Deus, foi apanhado numa escuta telefónica a sugerir a uma guineense que oferecesse ao cônsul entre 500 e mil euros para obter um visto para o irmão. João de Deus reconheceu a sua voz na escuta mas garantiu que não recebeu o dinheiro nem sabia se o cônsul o iria aceitar. Funcionário da embaixada há 30 anos, era responsável pela distribuição de senhas de atendimento, e explicou que havia quem inscrevesse quatro ou cinco nomes na fila para depois vender os lugares. Preço: “entre 10 mil e 15 mil Francos CFA (16 euros e 23 euros)”, metade de um salário mínimo na Guiné.
Ao todo, os inspectores voltaram a Lisboa com 64 processos suspeitos. De acordo com o despacho de arquivamento do DIAP de Lisboa, assinado pela procuradora Ana Margarida Santos, 41 desses imigrantes foram encontrados em situação ilegal. Apesar disso, 10 deles já tinham conseguido regularizar a permanência. Um aguardava a expulsão, outro tem um processo de averiguações e 29 estão em paradeiro desconhecido. A procuradora não encontrou indícios de corrupção ou de auxílio à imigração ilegal. Atribuiu a responsabilidade da concessão dos vistos para a SISAB ao embaixador Paes Moreira mas justifica-a com “interesses políticos e diplomáticos”.
No dia 31 de Maio de 2012 13:02, Nuno Pinto
Portas retira embaixador de Bissau
O ministro dos Negócios Estrangeiros decidiu reduzir o nível da representação portuguesa na Guiné. O contacto com o novo governo vai ser assegurado por um encarregado de negócios.
Nuno Tiago Pinto
A decisão foi tomada há quase um mês e tem sido preparada em segredo, com todos as cautelas: Portugal vai retirar o embaixador da Guiné-Bissau, na sequência do golpe militar do passado dia 12 de Abril. A ligação ao governo que saiu do acordo entre a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e o comando militar que depôs o primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior e o Presidente interino Raimundo Pereira vai passar a ser assegurada por um encarregado de negócios. Para ocupar esse cargo, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, escolheu o diplomata Fernando Fazendeiro – que já está em Bissau desde o final da semana passada.
Ao que a SÁBADO apurou, o processo de decisão do chefe da diplomacia portuguesa teve uma preocupação: não hostilizar o novo poder guineense. Em vez de chamar a Lisboa o embaixador António Ricoca Freire (que a SÁBADO não conseguiu contactar até ao fecho desta edição), Paulo Portas aproveitou a coincidência de o mesmo diplomata estar nomeado para ir liderar a representação portuguesa na África do Sul para, simplesmente, não indicar sucessor. O novo titular do cargo deveria ser o até há pouco tempo vice-presidente do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, Manuel de Jesus, que vê assim a sua nomeação suspensa até as relações diplomáticas estarem normalizadas.
Os cuidados foram redobrados após a reacção do comando militar guineense às declarações de Paulo Portas do passado dia 17 de Maio. Ao lado de Carlos Gomes Júnior, o ministro português dos Negócios Estrangeiros disse que Portugal só reconhece as autoridades da Guiné-Bissau legitimamente eleitas e que todas as informações que dispõe relacionam o golpe com o narcotráfico. O porta-voz dos militares, Daba Na Walna, afirmou que Paulo Portas devia coibir-se de “acusações levianas” e negou qualquer ligação ao narcotráfico. “O Comando Militar não é um bando de traficantes de droga, isso é falso. Aliás, essa tem sido a política portuguesa relativamente à Guiné. Mas porque é que Portugal tem esta posição de hostilidade? Isso é terrível”, disse.
A preocupação da diplomacia portuguesa tem vários motivos: os laços que unem Portugal e a Guiné-Bissau, a manutenção de um canal aberto com o novo governo, a preservação dos projectos de cooperação e, sobretudo, a segurança dos cerca de três mil portugueses que vivem no território. Na sequência do golpe o Governo chegou a enviar para a região uma Força de Reacção Imediata, composta por uma fragata, uma corveta e um avião P3-Orion. Os militares ficaram 15 dias estacionados em Cabo Verde e voltaram sem que fosse necessário entrar em acção.
De acordo com as várias fontes contactadas pela SÁBADO essa decisão foi precipitada não só devido aos custos (quase seis milhões de euros), mas porque a grande maioria dos portugueses residentes na Guiné disse à secção consular que não queriam saír do país.
Esta não será a primeira vez que Portugal retira um embaixador de um estado membro da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP), apesar de ser um caso único nos últimos anos. “Aconteceu em Moçambique na década de 70. É uma situação normal quando as relações se deterioram”, diz à SÁBADO o ex-ministro dos negócios António Martins da Cruz. “Nos anos 80 também suspendemos a cooperação com a Guiné. Acontece muitas vezes com governos que saem de golpes militares”, acrescenta o também antigo titular da pasta António Monteiro.
A tentativa de coordenar a posição portuguesa no seio da CPLP foi, aliás, outra das preocupações. Para esta sexta-feira, dia 1 de Junho, estão agendadas as reuniões dos ministros da Agricultura e dos Assuntos do Mar, em Luanda e Portugal defende que os únicos que poderão ter assento nos encontros são os membros do governo legítimo. “Em princípio o país deve estar representado pelas autoridades eleitas.”, explica António Monteiro. “Qualquer outra pessoa não deve poder entrar na sala”, diz à SÁBADO fonte diplomática.
BREVES PALAVRAS POR UMA OCASIÃO
Nota prévia:
As palavras que por linhas abaixo se seguem, vão dirigidas por extensão, a todos que ainda nunca tiveram a coragem suficiente, para enfrentar as naturais exigências de um percurso digno de sucesso. E podem eventualmente, provocar, irritações nos rostos, zumbidos auditivos, comichões espalhadas, até tensões nervosas, mas não são susceptíveis de causar, mudanças mentais positivas.
Com cada vez mais, dados novos a se revelarem, todas as peças de uma conspiração extemporânea, que com manhas de crónicos responsáveis pelas nossas insistentes desgraças, foram montando, para culminar neste mais um grave retrocesso, na nossa já de si, difícil caminhada, rumo ao desenvolvimento, só serviu para os marcianos confirmarem, o quanto andam infelizes, mais por consequências das vossas apetências malévolas, em nunca evoluirem, como cidadãos de referência.
Seus execráveis e descarados, o fraco nível da nossa democracia, que se saiba, não deixa de vos permitir, caso se sentem incapazes de impor pela devida competência, nos vossos respectivos ramos de actividade, sejam esses, de carácter público, ou privado, que mudem para outros. E mesmo numa hipótese contrária, de igual modo, o fraco grau de liberdade no nosso mundo, que se saiba, não deixa de vos permitir, caso se sentem incapazes de impor pela devida competência, no vosso próprio país, seja esse, de regime democrático, ou ditatorial, que mudem para outros. Mas claro, vocês são o que em boa verdade, sempre fizeram por merecer, e procuram, até com as mais infantis das desculpas, justificar o empenho, no vil adiamento, das mais legítimas pretensões de todo um povo, no equívoco de com isso, obterem grandes vantagens.
Por esta vida e mais outras, estamos sempre de passagem. O importante mesmo, é cultivarmos todos os seus diversificados aspectos, da melhor maneira possível, e servirmos com toda honra, como suportes firmes, para a prosperidade das gerações seguintes.
Se pelo menos em alguns momentos, derem ao simples trabalho de umas profundas reflexões, vão descobrir que, por muito tempo, já andam nesse humilhante desespero, para manterem as unhas bem afiadas, num serviço permanente, à volta dos acessos aos rendimentos públicos; e que mesmo assim, não deixaram de ser uns miseráveis, ávidos de mais, mais, e muito mais, para de seguida saberem que o melhor mesmo, é abandonarem essa reduta forma de sobrevivência parasitária, e relançarem numa nova vida, com pelo menos, algumas intenções com um pouco de cheiro à dignidade.
Nesse egoísmo tão degradante, se bem repararem, só conseguem atrair e manter nos vossos circulos de relações, por algum tempo, punhados de bípedes oportunistas, que como vocês, também são uns interessados sem escrúpulos nenhuns, por convivências paupérimas. E porque um dia desses, ainda que longe nos anos de tantas aflições, acabarão por morrer, numa tortura silenciosa, de tão cruel é a solidão inconfessável, e são os vários comportamentos dessa tal gentalha, para além dos vossos descuidados, que ficarão para servir, como péssimos ensinamentos, a serem assimilados, pelos vossos próprios filhos, e em consequências disso, também os vossos próprios netos, para assim os deixarem como pesada herança, nada mais que um mundo caótico, com frustrações em cada nova perspectiva.
Ainda que só sabem contentar sentados, no exercício de acumular futilidades, para sustentar ganância, é também tempo de saberem que vão na boleia errada! Porque o capitalismo das coisas, já entrou numa falência irreversível, a favor do capitalismo das ideias. Como sempre assim foi, e para sempre será, são magnânimos os que com ideias progressistas, traduzidas em obras duradouras, por esses, ou por outros, contribuem para melhorar, e cada vez mais, a necessária partilha do sucesso, na interacção das sociedades, e entre as sociedades.
Com uma idade bem experimentada que já tem a nossa independência territorial, seria dispensável vos lembrar, que só através de um reconhecido mérito, se consegue uma respeitada ascenção que se queira, numa carreira de qualquer tipo. Mas são as vossas pequenas ambições, tais pedras duras, e a grande aspiração do povo, tal água mole.
Limitados que são, é mesmo uma significativa vantagem para uns avanços na nossa sociedade, que fiquem todos agarrados a esse poder manipulado, e não conquistado, para mais, tão esvaziado de conteúdo, pelas forças das circunstâncias, que o país e o povo, embora com sacrifícios, estão a fugir debaixo do espanto dos vossos olhos, para uma melhor dinâmica.
Eu e muitos mais, enquanto dedicados elementos desse povo, bastante angustiados, e a desejarmos melhores dias todos os dias, mas com todo orgulho intacto, ainda nos sobra uma certa esperança no coração, para logo abraçarmos um futuro cheio de prosperidades. E vocês, todos os dias insatisfeitos, com tudo o que não seja capaz de encher mil e um sacos, sem fundo, já perderam quase toda honra. Mas desejo mesmo, que ainda vos resta uma certa vergonha na cara, para pararem com essas perseguisões rancorosas, porque nunca é tarde, para ser cedo.
Ser, Conhecer, Compreender e Partilhar.
Flaviano Mindela dos Santos
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