segunda-feira, 17 de março de 2014

OPINIÃO - CARLOS LOPES: A nova fronteira de crescimento


A diversificação do agronegócio é a chave para o desenvolvimento econômico e social da África

Carlos Lopes*
FONTE: BRAZIL-ÁFRICA

O desempenho da economia africana durante a última década foi extraordinário, alcançando a média de crescimento de 5%. Se esse índice for mantido, projeções indicam que o PIB da África deverá aumentar aproximadamente três vezes até 2030 e sete vezes até 2050, superando o PIB da Ásia. Entretanto, os índices positivos não tem afetado como esperado a criação de empregos e o combate a desigualdades.

Além de crescimento, o continente africano precisa de mudanças. Os motivos internos, externos e históricos para que não se tenha alcançado o potencial industrial são atribuídos, principalmente, ao fracasso de políticas que, em muitos casos, são impostas. O colonialismo deixou instituições e uma base de infraestrutura que foram projetadas para aprimorar a extração de recursos da África, opondo-se à agregação de valor. Os programas de ajuste estrutural econômico também tiveram efeitos negativos na acumulação tecnológica, no desenvolvimento do capital humano e no desempenho das exportações de manufaturados.

A produção agrícola é um dos setores econômicos de destaque na maioria das nações africanas e em torno de 75% da população depende dela para a subsistência. A história mostra que a agricultura, em particular o desenvolvimento dos setores de agronegócios e agroindústria, tem se tornado o motor do crescimento econômico em diversos países do mundo, como Brasil e China. Na África, esses setores são responsáveis por mais de 30% dos rendimentos nacionais e geram a maior parte da receita de exportação e empregos. A ampliação do agronegócio pode ser a próxima fronteira do crescimento. E isso permite oferecer uma imediata agregação de valor por meio da industrialização baseada em produtos agrícolas. A industrialização permitiria a muitos moradores rurais sair da pobreza, além de criar empregos em toda a economia.

Diversas oportunidades-chaves podem ser alcançadas pelo agronegócio. A premissa básica para a diversificação das fontes de crescimento deve frear o modelo de dependência excessiva das commodities primárias na exportação. Por exemplo, 90% do total da receita de café da África é calculado como o preço médio de venda de um quilo de café. Depois que ele é torrado e moído, vai para os países consumidores. Isso ressalta claramente a dependência da exportação de matérias-primas não processadas ─ em oposição ao foco no crescimento do valor agregado ─ o que afeta negativamente o futuro crescimento da região.


Superar os desafios existentes

A África poderia explorar várias oportunidades para superar os desafios existentes face ao agronegócio. Em primeiro lugar, apesar de possuir o maior reservatório de terras não aproveitadas no mundo ─ em torno de 60% ─ a região possui a mais baixa produção agrícola a nível mundial, cerca de 10% do total. A produção média de cereais é de apenas 1,2 toneladas por hectare. Longe das mais de 3 toneladas por hectare na Ásia e América Latina e dos aproximados 5,5 toneladas por hectare na União Europeia. Ironicamente, o continente é um importador de produtos agrícolas desde a década de 1980 e gasta entre US$ 40 bilhões e US$ 50 bilhões anualmente. Com consequência, a África exporta os empregos por não ser capaz de aumentar o seu valor agregado.

A África pode alimentar África. O continente é bem dotado e possui mercados consumidores, mas é necessário mais que boas políticas de tecnologia. Intensificar a produtividade significa explorar os recursos hídricos para a irrigação, propiciar preços estáveis e acabar com subsídios artificiais ao fazer uso de sementes com melhores rendimentos. Além disso, deve fornecer a infraestrutura básica para o transporte, incentivos para que instituições financeiras invistam tanto na agricultura como em fazendas comerciais e desenvolver um setor de agronegócios lucrativo e competitivo. A África pode transformar sua fortuna de forma gradativa ao extrair lições de regiões como Ásia, Argentina e Brasil.

Em segundo lugar, o crescimento populacional africano tem se tornado algo desejável. Os jovens africanos irão compor mais de um quarto da força de trabalho no mundo em 2050. Sua classe média é crescente e a taxa de urbanização de 3,7% é duas vezes maior que o índice global. Levando em consideração a magnitude e ritmo, essas tendências fenomenais apresentam uma oportunidade rara e histórica para uma rápida industrialização, quando combinadas.

O agronegócio é fundamental para atender a demanda dos consumidores urbanos, em particular por alimentos processados. Com isso, países emergentes ampliarão a compra de produtos provenientes de fazendas africanas. Existe um vasto potencial para estabelecer relações entre produção e comercialização ─ bem como a sinergia entre os diferentes atores (produtores, processadores e exportadores) ao longo de toda a cadeia de valor do agronegócio ─ por meio de concessão de incentivos que ampliam os investimentos do setor privado e estimulam a competitividade necessária para atender as necessidades do consumidor em relação ao preço, qualidade e normas. A mudança da produção primária para a agroindústria moderna e integrada fornecerá oportunidades lucrativas para os vários pequenos produtores, sobretudo para as mulheres ─ maioria nesse ramo ─ e gerará empregos modernos para os jovens do continente.

Em terceiro lugar, o crescimento de oportunidades a partir de investimentos em infraestrutura ajudará a superar os desafios existentes, relacionados ao acesso precário da produção, a nível agrícola, às atividades subordinadas, como processamento e comercialização. A infraestrutura abrirá portas para o aumento da produção agrícola com valor agregado e ajudará a manter as plantações populares como as de café, chá, cacau, algodão, bens de origem animal, vegetais frescos e frutas. Além disso, espera-se uma integração regional, que ajudará os países a minimizarem os elevados custos de transação.

Na medida em que os governos implantam políticas para o livre comércio regional, como abandonar as proibições de exportação e importação e a remoção de barreias não tarifária, a produção para o mercado interno irá se tornar altamente atrativa. Assim, diminuirão os efeitos dos atuais regimes tarifários que favorecem as mercadorias brutas ao invés de produtos processados.

Em quarto lugar, é possível promover a manutenção do crescimento e superar os atuais problemas de energia do continente. O consumo per capita de energia na África ─ que incorpora hidroelétricas, combustíveis fósseis e biomassa ─ responde apenas a um quarto da média global. Ainda assim, o potencial de energia renovável do continente é substancialmente maior do que o atual poder de consumo. Com a abundância dos recursos renováveis de baixo carbono, o crescimento da demanda por energia e a queda dos custos tecnológicos, a África tem a oportunidade de fornecer soluções de energia economicamente competitivas tanto para as crescentes localidades urbanas como para áreas rurais mais remotas. Ao levar eletricidade para as comunidades rurais, melhora-se a qualidade de vida dos habitantes, além de ampliar o agronegócio.

Em quinto lugar, a África tem capacidade para caminhar em direção à revolução tecnológica, mesmo com as novas exigências e mudanças cada vez mais rápidas. Por exemplo, aplicativos de tecnologia da informação e comunicação, como os que permitem executar serviços bancários pelos celulares, desempenham um papel importante na conexão entre pequenos produtores e compradores. Vantagens que, embora tenham chegado atrasadas, podem auxiliar a ampliar o conhecimento global com o intuito de fortalecer os esforços tecnológicos do continente, o know-how e a capacidade de inovação. Essas ferramentas podem aumentar a competitividade do agronegócio.


Políticas robustas e hábeis

Uma estrutura política robusta e com capacidades legais é altamente necessária, pois remove as restrições existentes na agro industrialização e estimula os investimentos. O plano deve incluir, além de outros fatores, os seguintes pontos fundamentais: promover uma combinação correta e eficaz de ações na agricultura, indústria e comércio para estimular a produção suficiente de matéria-prima e a distribuição eficiente dos produtos produzidos; assegurar que os direitos à terra e aos recursos naturais sejam reconhecidos e aplicados com a finalidade de garantir a transferência de propriedade que estimulam o uso produtivo dessas terras e que aumente a confiança dos investidores; buscar novas e alternativas fontes de financiamento, como fundos soberanos e recursos nacionais, criar incentivos para que o setor privado promova investimentos e; utilizar parcerias público-privada para financiar o agronegócio ou facilitar a capacitação por meio de treinamento técnico e empresarial.

Quênia como exemplo

As empresas de hortaliças do Quênia têm mudado a condição de sua produção para alto valor agregado de exportações, como resultado da colaboração efetiva entre os setores privado e público. A medida fortalece as relações entre instituições educacionais e de negócios. Se o Quênia conseguiu, outras nações africanas também podem fazê-lo. As lições também podem ser tiradas da China, que criou dezenas de institutos de pesquisas e universidades focadas na inovação agrícola.

Como 2014 é o ano da agricultura e segurança alimentar para a União Africana, esta pode ser a oportunidade de fortalecer o comprometimento e o estímulo político para transformar o agronegócio na próxima fronteira da África.


*Carlos Lopes é secretário executivo da Comissão Econômica para África das Nações Unidas (UNECA)

Originalmente publicado em Africa Renewal