segunda-feira, 31 de março de 2014

Reportagem: Bissau Connection


Enquanto a economia da Guiné-Bissau encontra-se de rastos e o Estado agoniza a cada dia que passa, o trafico de cocaina e o comércio ilicito prosperam. Ha poucas hipoteses que as presidenciais de 13 de abril tragam mudanças.

Por: Mahdi BA, enviado especial a Bissau.

Logo apos aceitar a taça de champanhe oferecido pelos seus hospedes a armadilha fechou o cerco. "Em vez de champanha, cinquenta homens fortemente armados correram na nossa direcção gritando "Policia". ", conta o capitão da vedeta que conduziu o Contra almirante José Américo Bubo Na Tchuto, antigo Chefe da Armada guineense, para um iate de cruzeiro que fez amaras ao largo das aguas territoriais da Guiné-Bissau.

O oficial devia encontrar-se com os emissarios de um Cartel de colombiano com os quais negociava ha muitos meses o encaminhamento e stockagem em Bissau de um primeiro carregamento de cocaina. Mas esse 2 de abril 2013, veio-se a demostrar que os colombianos eram agentes infiltrados da DEA americana. Bubo e os seus dois supostos cumplices foram imediatamente conduzidos a uma ilha do Arquipelago de Cabo Verde antes de serem transferidos de avião para os EUA, onde estão detidos faz um ano.

Segundo o acto de acusação do Procurador de Nova Yorque e de acordo com as conversações clandestinamente gravadas, Na Tchuto e seus acolitos, o antigo chefe da marinha tinha participado numa primeira reunião no Senegal em outubro de 2012. Face a um agente da DEA que ele tomava por um traficante, ele indicou as condições e possibilidades de transito de toneladas de cocaina pela via maritima entre a América do Sul e a Guiné-Bissau". Para esse oficial guineense, o governo da Guiné-issau esta "enfraquecido" apos o golpe de estado ocorrido quatro meses antes, "o periodo (é) propicio para organisar a transacção". Relativamente a sua comissão, ele reclamava "um milhão de dolares por tonelada da cocaina transitada via Guiné-Bissau".

Verdade que, apesar de eles conseguiram subtrair "Bubo", os agentes americanos ao contrario, passaram ao lado do principal alvo que mais lhes convinha : o general Antonio Injai, chefe de estado-maior general das Forças Armadas da Guiné-Bissau (FAGB), implicado num "negocio" similar, miticulosamente montada pela DEA. Ja sob interdição de viajar imposta pelas NU no dia seguinte ao golpe de estado de abril de 2012, Injai é alvo depois essa data de um mandato de captura internacional emitido pela justiça americana.

Em Bissau, o governo e as forças armadas constituiram-se em bloco em redor desses dois oficiais. Eles contestam pura e simplesmente a realidade das acusações contra eles e qualificam a captura de Na Tchuto de "rapto nas aguas territoriais".

No entanto, o acto de acusação da justiça novaiorquina indica detalhes comprometedores sobre as reuniões, nas quais Injai e os seus pressumidos cumplices negociaram o encaminhamento por via aerea de quatro toneladas de cocaina que deveriam ser provisoriamente estocadas em Bissau antes de repartir para diversos destinos, enre eles os EUA. O Chefe de Estado Maior ter-se-ia igualmente engajado a aprivisionar-se em armas - entre elas misseis terra-ar – tendo em vista reencaminha-los de seguida às Forças armadas revolucionarias da Colombia (FARC) consideradas como uma organização terrorista pelos EUA.

Se a droga, o dinheiro e as armas se podem considerar virtuais ao longo de todo este processo, a operação pos de forma evidente a questão da implicação do Estado maior e do governo deste pequeno pais da Africa Ocidental no trafico de estupefacientes com a América Latina. Porquanto, segundo o mesmo documento, os emissarios de Injai informaram os seus interlocutores que "os responsaveis do governo guineense pediam, a titulo de contrapartida, 13% da cocaina encaminhada através do pais.

O Chefe do estado maior explicara, por outro lado, de que, ele era "apenas um intermadiario" e que as compras de armas passariam "pelo governo". Ainda mais preocupante, ele afirmara aos agentes da DEA que ele "falaria com o presidente da republica de transição, Manuel Serifo Nhamadjo. Solicitado por Jeune Afrique para uma entrevista, o general apos ter dado o seu acordo de principio, acabaria por anula-lo sob pretexto de ter contraido uma "angina".

Em Bissau, o seu nome vem sempre à tona em todas as conversações, mesmo que seja em murmurios. Não sera ele, o homem mais poderoso das forças armadas, nesse caso do pais ?

De uma maneira geral, as fontes que aceitam invocar a suposta implicação das forças armadas nos diversos traficos (importação de cocaina, cortes de madeiras, emissão de licenças de pesca...) fazem-no de forma confidencial.
Bombardeamento. Num pais onde as forças armadas é capaz de fazer libertar sob ameaça as "mulas" de droga acabadas de deter pela Policia Judiciaria e onde a justiça é dada como corrupta e arcaica, os traficantes agem em condições claramente favoraveis.

Da sua parte, a comunidade internacional consciente da precariedade do regime de transição, prefere não criar ondas e abstem-se de contrariar os militares, aguardando uma hipotética retoma da legalidade constitucional. Em fevereiro de 2014, Antonio Injai tomava assento tranquilamente no Comité dos Chefes de Estado-Maior General das Forças Armadas da Comunidade Economica dos Estados da Africa Ocidental (CEDEAO), que teve lugar em Bissau. O pais, que prepara o escrutinio presidencial de 13 de abril, ter-se-à transformado num "narco-estado"»?

Conselheiro do Primeiro ministro para a reforma e modernização do Estado, Francisco Correia estima que "é necessario relativisar o peso da Guiné-Bissau no trafico que afecta a sub-região. As nossas capacidades portuarias e aeroportuarias são irrisorias", chama à atenção. E verdade que a porta de entrada na Africa Ocidental da cocaina e das drogas sintéticas não se limitam as 88 ilhas que compõem o arquipelago dos Bijagos. Segundo um oficial de policia europeu colocado em Dakar, "as rotas da droga mudam permanentemente, a unica coisa que não muda são os paises de produção". Actualmente, acrescenta a mesma fonte, os fluxos ter-se-ão deslocado para Cabo Verde, onde o preço do kilograma de cocaina se negoceia menos caro.

Golpe. Mas na Guiné-Bissau, a cumplicidade de certas autoridades com os "narco" parece particularmente descomplexada. "Os traficantes obtem proveitos colossais e estão a medida de comprar todo o mundo, explica um especialista do trafico de droga da sub-região. E, num pais onde as forças armadas é influente, eles têm sempre, todo o interesse, em negociar com ela".

Na Guiné-Bissau, onde funcionarios e militares podem ficar muitos meses sem receber os seus salarios, cada um se organiza como pôde. "Um oficial local, explicou-me um dia que, os responsaveis politicos se fazem pagar a partir do créditos do Banco Mundial e dos doadores e que, por sua parte, os militares aproveitam do trafico de cocaina para arredondar os seus salarios do fim do mês", conta Vincent Foucher, analista de International Crisis Group (ICG).

"Para que a Guiné-Bissau seja considerada de narco-estado, é preciso que antes ela seja um Estado", ironisa um policia europeu. Ora, depois da sua independência em 1973 e o assassinato de Amilcar Cabral, o artesão da libertação, o pais claudicou ao ponto de se transformar num "Estado Falhado". Golpes e assassinatos politicos recorrentes, o afundamento dos serviços publicos, a dependência orçamental extrema em relação aos doadores internacionais... "Devido ao seu papel na guerra de libertação, as forças armadas nunca aceitaram de se submeter às autoridades civis" analisa uma fonte especializada em questões de defesa.

Ao se desembaraçar do ocupante português ela ganhou uma legitimidade inalteravel que acabou por esmagar toda a vida institucional. Quarenta anos mais tarde, o pais continua a pagar a divida contraida com os antigos combatentes que se tornaram em verdadeiros "accionistas" de uma forças armadas onde o recrutamento e as promoções estão submetidas ao nepotismo e ao clientelismo, onde a Marinha e a Aviação, quase inexistentes são incapazes de fiscalizar o vasto litoral e o arquipelago dos Bijagos, propicio a todos os traficos.

Até estes dias, as veleidades de tentar redimensionar as forças armadas colidiram com fortes reacções de desconfiança no seio das forças armadas. Na Guiné-Bissau, todo o mundo esta convencido de que deve-se reformar as forças armadas, mas ninguem ousa aventurar-se nesses caminhos. Jogos do aparelho. A maldição guineense resume-se a uma constatação : em vinte anos de multipartidarismo, nenhum Primeiro ministro nem nenhum Presidente chegou ao termo do seu mandato.

Se as forças armadas contribuiram largamente para este caos institucional, ela não é a unica responsavel. Visto que, o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) assim como o Partido da Renovação Social (PRS) – as duas principais forças politicas na Assembleia Nacional Popular (ANP) -, divisões internas e jogos partidarios prevaleceram ha muito sobre o senso do bem comum. "Nos traimos os principios da luta de libertação, admite Jorge Malu, vice-presidente do PRS e candidato dissidente as presidenciais de 13 de abril. Certos antigos combatentes não se revêm naquilo em que o nosso pais hoje se transformou".

Apesar de uma população de apenas 1.6 milhões de habitantes e com um potencial economico amplamente inexplorado – agricultura, pescas, minas, florestas, turismo... - o pais detém um dos indices de desenvolvimento humano (IDH) dos mais baixos do mundo. Mesmo na capital, as ruas estão esborracadas, ha cortes de corrente electrica quotidianas e as torneiras podem passar varios dias sem jorrar agua.

O sistema educativo esta no colapso, o da saude em morte cerebral, a justiça reputada inapta...Num tal contexto, os investidores privados voltam as costas ao "enfant terrible" da Africa Ocidental. Ao contrario, os negociantes duvidosas penetram pelas brechas deste Estado deliquência, onde as relações altamente posicionadas no aparelho asseguram a bertura de todas as portas.

Da pilhagem dos recursos halieuticos, ao das florestas e do zircon, uma pedra semi-preciosa, à castanha de caju, os operadores chineses, indianos e russos compreenderam ha muito tempo os beneficios que eles podem tirar de um pais onde as elites civis e militar selvaticamente se entrebatem. "Cabral fazia uma diferença entre aqueles que combateram para a libertação e aqueles que seriam encarregues de fazer a reconstrução e o desenvolvimento do pais, conclui Jorge Malu.

3 questões a Vincent Foucher – Analista da International Crisis Group (ICG).Entrevista feita por Mahdi BA, na Jeune Afrique

"Muitos politicos, são também homens de negocios"

Segundo este pesquisador francês, o contrôlo do Estado sobre as alavancas da economia condiciona o desenvolvimento do pais.

Jeune Afrique (JA): A economia da Guiné-Bissau eclipsou-se totalmente. Como explicas esse fenomeno?

Vincent Faucher (VF): Os portugueses, muito mais interessados em Angola, pouco investiram na economia e na formação dessa colonia. Quanto ao Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), ele deu à luz a um Estado subvencionado pelos dons dans grandes potencias comunistas. Depois o pais foi privado brutalmente das ajudas internacionais nos anos 1990.

Habituados a uma economia administrada, as autoridades não conseguiram desenvolver o potencial economico do pais. Mesmo o desenvolvimento espectacular da castanha de caju é um fenomeno espontâneo. Por outro lado, o Estado conserva as alavancas – licenças, isenções, concessões, acesso ao crédito – constacta-se uma interpenetração entre a economia e a politica. Muitos homens politicos são também homens de negocios. As forças armadas interferem regularmente no jogo institucional. Querem eles aceder ao poder ou temem perder os seus privilégios?

Por razões politicas e orçamentais, o poder civil tentou sempre reduzir o poder excessivo das forças armadas. Mas, devido a uma imagem de negociatas e de ma gestão, ele não conseguiu a sua legitimidade para tal. Face a isto, muitos militares, saidos da guerra de libertação e da guerra civil de 1998-1999, adoptaram um sentimento de que possuem direitos que devem ser respeitados. Dai que, quando as forças armadas assumem o poder eles entregam de seguida a outros civis que lhes parecem melhor posicionados para respeitar os seus interesses... Por outro lado, essas forças armadas é uma mistura de grandes chefes militares, que dispõem de clientelas pessoais que entram muita das vezes em competição uns contra os outros.

O futuro presidente e o seu primeiro ministro terão eles os meios para reformar o pais? As coisas não são faceis, porquanto eles terão que fazer avançar as linhas de acções afim de motivar os doadores que acabaram de se cansar da instabilidade crônica do pais, sem no entanto visar as forças armadas apreensivas.

POR QUEM VOTAM AS FORCAS ARMADAS?

Durante 26 anos, de Luis Cabral (1973-1980) a Nino Vieira (1980-1999), o regime guineense foi controlado pelos quadros do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), de marix comum com as forças armadas. Mas pouco à pouco as tensões foram surgindo entre a elite do poder civil – urbanisada e letrada – e umas forças armadas composta de pessoas provindas do meio rural de formação mais modesta, na qual uma consideravel porcentagem provêm da comunidade balanta, a principal etnia.

No poder de 2000 a 2003, o Partido da Renovação Social (PRS) de Kumba Yala deu o seu apoio aos Balantas a fim de atrair as boas graças dos militares. Foi assim que se desenvolveu a ideia de que os Balantas, maltratados durante seculos, mereciam ter mais peso no seio das forças armadas.

Essa aproximação precipitou o divorcio entre a instituição militar e o PAIGC, o partido historique da libertação.
Em abril 2012, para impedir a eleição do candidato deste partido, Carlos Gomes Junior, que se posicionou folgadamente em primeiro lugar, os militares interromperam o processo eleitoral.

Dois anos mais tarde, o PRS enfrenta as eleições de 13 de abril dividido, com um candidato oficial, Abel Incada, dois candidatos dissidentes e um rival independente, Nuno Gomes Nabiam, que recebeu o apoio de Kumba Yala o fundador do Partido. Nabiam – que é director da aviação civil – pode igualmente aproveitar-se do apoio oficioso de Antonio Injai, o poderoso chefe de estado maior-general das forças armadas, um amigo de muitos anos.

O que fazer do favorito das forças armadas ?
MB