REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU
SERVIÇO DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO DO TRIBUNAL REGIONAL DE BISSAU
AUTO DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA(*)
Data: 04.05.2010
Magistrado do Ministério Público: Drs: Alderto Djedjo(1), Domingos Martins e Telma Maria de Sá Correia, respectivamente, P.R., D.P.R. e D.P.R.
Técnico de Justiça: Luciano Graça
Iniciado o acto, a testemunha foi explicado dos direitos e deveres que lhe assiste, previstos nos artº 122 do CCP, aos costumes quanto ao suspeito disse não ser família, nem amigo e não possuir qualquer ligação de parentesco.
Seguidamente a testemunha identificou-se da seguinte forma:
Nome: SAMBA DJALÓ
Filiação: Mussá Djaló e de Malada Djaló
Naturalidade: Sector de Farim Região de Oio
Data de nascimento: 14.01.1954
Profissão: Piloto Aviador Civil
Local de trabalho: EMGFA
Entidade Patronal: EMGFA
Domicilio: Bissau Cupelum de Baixo
Bilhete de identidade nº 155607
Cumpridas todas as formalidades legais nos do artº 122 nº2 al)c, isto é, prestou juramento em como as suas declarações só serão a verdade dos factos que tem conhecimento e ainda acrescenta que as mesmas serão incontestáveis pelo seu superior hierárquico na pessoa do Sr. Almirante José Zamora Induta.
Sobre a matéria dos autos, disse que um dia desses mas que não se recorda a data, estando no seu gabinete de trabalho na Direcção Geral dos Serviços de Informação de Estado no Ministério do Interior, reunindo com o seu ESTAFF, foi chamado pelo telefone pelo seu superior hierárquico Almirante José Zamora Induta que lhe perguntou onde se encontrava e ele lhe respondeu que se encontrava no seu gabinete de trabalho no Ministério do Interior numa reunião com os seus oficiais (os seus colaboradores), e logo este lhe pediu que suspendesse a reunião e deslocasse ao Estado Maior para ir ter com ele. Sem comentar com os seus abandonou e dirigiu-se ao Estado Maior, e ele o Chefe de Estado Maior encontrava-se no seu gabinete juntamente com o Pansau N’Tchama, sem responder os cumprimentos militar dirigido a ele (CEMGFA), erguntou-lhe sobre o que se passava no País, e ele declarante (Samba Djaló) ficou alguns minutos sem responder e depois respondeu ao Chefe de Estado Maior que na verdade não sabia do que se passava no País, mas só que podia lhe garantir no ponto de vista de segurança, não havia nada que pudesse comprometer a estabilidade do País segundo as informações recebidas nas últimas 48 horas. E de imediato o telefone do Sr. Pansau chamou ou tocou e viu este último a fazer um sinal ao CEMGFA sobre a referida chamada fois assim o CEMGFA pegou num pequeno aparelho que tinha sobre a mesa e Pansau pressionou no teclado que permitiu que todos os presentes ouvissem em voz alta a voz do falecido Helder Proença, e este último perguntou ao Pansau se os jovens estariam prontos e firmes para o comprimento da nobre missão, sem comentários, o Pansau respondeu afirmativamente. Por outro lado o Pansau perguntou ao Helder a data do seu regresso a Bissau e este por sua vez respondeu ao Pansau que deve ficar tranquilo porque ele já fez os seus contactos, nomeadamente contactou o seu amigo de Burquina Faso, da Guiné-Conacry e do Senegal, que o Helder se encontrava a 400km de Dakar.
(...)
Disse que, o CEMGFA perguntou-lhe qual é o comentário que faria sobre a conversa tida entre o Helder e o Pansau, tendo em conta que a própria testemunha (Samba Djaló) tinha dito que não havia nada que pudesse pôr em causa a segurança do Estado, visto que a testemunha escutou muito bem a conversa tida entre os dois, se o Pansau não fosse o elemento fiel ao CEMGFA, o que poderia acontecer nas próximas horas e ele por sua vez respondeu que vinha acumular por sua vez as duas funções, de Director Geral adjunto de Serviço de Informação de Estado e ao mesmo tempo chefe da Divisão de Informação e Segurança do Estado Maior General das Forças Armadas e a única resposta que se pode dar no momento é no sentido que o CEMGFA permita-o contactar o seu adjunto Sr. Tenente Monha na Aié para este fornecer-lhe alguns dados caso o tiver.
Entretanto, o CEMGFA fo ainda mais longe nas suas exigências perguntando à testemunha se faz sentido ter um chefe segurança de Estado deste género que não consegue descobri a tempo o segredo de Estado. A testemunha (Samba Djaló) retorquiu então, perguntando ao CEMGFA como é que o Helder Proença conseguiu ter tanta confiança no Pansau até ao ponto de confiar-lhe tamanha operação de tentativa de golpe de Estado e este respondeu-lhe dando ordem de desmantelar o referido golpe e por conseguinte entregar os nomes dos golpistas, caso contrário fecharia as portas da Divisão de Informação de Segurança Militar (DINFOSEMIL).
Disse que após a conversa abandonou o local e voltou para o Ministério do Interior para continuar o seu serviço. Disse que no mesmo dia, por volta das 20 horas, foi novamente convocado pelo CEMGFA para comparecer com a máxima urgência no gabinete deste, quando e que quando lá chegou encontrou o CEMGFA, o vice-CEMGFA (António Indjai) e o Pansau, e foi informado que o Helder iria ligar novamente ao Pansau, e que seria urgente pensar a forma como colmatar a referida situação, porque o País não pode continuar assim.
Após as informações do CEMGFA, o vice-CEMGFA pediu o uso da palavra e sugeriu que, uma vez que o Helder estava em permanente contacto com o Pansau, podiam aguardar a sua chegada e encontrar a forma de o prender juntamente com os seus parceiros, uma vez que têm na posse deles (CEMGFA ou o Staff do Estado Maior) dinheiro investido para o efeito que serviria como prova de tentativa de alteração de Estado de Direito, mas o CEMGFA recusou a sugestão do seu vice e disse o seguinte: “A detenção do Helder poderá trazer, ou seja, culminará com a reacção da Liga (dos Direitos Humanos) que provavelmente irá ao Estado Maior e assim como a sociedade civl e os media começarão a radiodifundir disparates, inclusive as organizações internacionais começarão a lhes perturbar e no prazo de dois ou três dias o Helder começaria a passear na praça pública”.
Na mesma ocasião, usou da palavra a testemunha (Samba Djaló) para dizer ao CEMGFA que com as gravações das conversas entre o Helder e o Pansau, e ainda com o número de telemóvel que ele usou para contactar o Pansau a partir de Dakar, nunca será fácil alguém ignorar que realmente havia tentativa de um golpe de Estado. Disse ainda que não sabe se o vice-CEMGFA Major General António Indjai se recorda que naquele dia o CEMGFA disse que o Baciro Dabó não escaparia o barco do Helder, acrescentando o Baciro Dabó é um político falso e perturbador, e que tudo faria para que os dois desaparecessem no cenário político guineense.
Disse que, numa data que não está a precisar, o vice-CEMGFA foi encontrar-se com o Faustino Imbali na ponta Zé e o CEMGFA mandou chamá-lo para o seu gabinete, pedindo-lhe a selecção de homens fortes e capazes de trazerem resultados satisfatórios, na realização da operação na residência de Baciro Dabó, na medida em que a situação, digo, o caso de Helder Proença já está resolvido visto que o Pansau N’Tchama ficou incumbido de o resolver na qualidade de militar e operacional que ele é.
Disse que respondeu ao CEMGFA que não podia encontrar os homens para a referida operação, uma vez que ele é DG adjunto dos SIE, e que o major Baciro Dabó é muito conhecido no Ministério do Interior. Dito isto, o CEMGFA sugeriu-lhe que ele (Samba Djaló) seleccionasse junto da sua divisão os homens para o cumprimento desta missão, o que ele testemunha refutou alegando não ter ainda familiarizado com o pessoal da divisão, e que o seu adjunto estava ausente de Bissau mas no Sul do País. De seguida, foi expulso pelo CEMGFA do seu gabinete. Disse que ao sair do gabinete ouviu o Pansau dizer ao CEMGFA que este não se devia preocupar, porque assim que terminasse as operações que tinham a ver com o Helder, passaria imediatamente a tratar daquela (do Baciro). Ouviu também o Pansau dizer ao CEMGFA que sempre lhe dizia que a testemunha (o Samba) não dispunha de homens mas apenas de mulheres.
Disse que após o regresso do vice-CEMGFA da reunião com o Faustino Imbali, suspeito nos presentes autos, na ponta Zé, o Pansau convidou-o (o Samba) a entrar de de novo no gabinete deste, a mando deste último, para poder presenciar os esclarecimentos sobre os factos do referido encontro.
Sobre as informações do vice-CEMGFA acerca do encontro supracitado, ficou a saber que o Coronel Antero João Correia também faz parte do grupo que estava a preparar a alteração do Estado de Direito, e que a partir dessas informações ordenou a detenção do coronel, ou seja, de Antero João Correia, no dia 05 de junho do ano 2009.
Na continuação do seu depoimento (o Samba) disse ter a certeza absoluta de que essas suas declarações seriam confirmadas pelo senhor Pansau, isto é, se for confrontado com as mesmas.
Sobre a missão, digo, encontro entre o vice-CEMGFA e o Faustino Imbali, António Indjai entregou a caneta, ou seja, uma caneta de técnica operativa que dispunha de imagens e vozes gravadas durante o referido encontro, que as imagens não eram de boa qualidade e as vozes também não eram de qualidades melhor, mas que com o tratamento ficou melhor, que as mesmas foram entregues ao Governo e ao Ministério Público.
Terminado o encontro, ele, a testemunha, pediu ao CEMGFA autorização para se deslocar a sua casa mas este só lhe permitiu ausentar-se trinta minutos e que ao sair do gabinete do CEMGFA encontrou-se com o seu adjunto o Tenente Coronel Monhe Na Aié e que de imediato informou a este de que estava em curso uma operação, mas que seria melhor que entrasse em contacto com o CEMGFA para obtenção de melhores informações. Dali, abandonou o Estado Maior e dirigiu-se a LENOX de Luanda e tomou algumas bebidas frescas para refrescar a memória e de seguida foi passear pela cidade de Bissau para relaxar.
Disse, para resumir e concluir as suas declarações, querer reafirmar que os assassinatos de Helder Proença e Baciro Dabó foram ordenados pelo ex-Capitão de Mar e Guerra e actual Almirante Zamora Induta, e o executor ou seja, o autor material dos referidos assassinatos é o Sr. Pansau N’Tchama, que nesse momento se encontra em Portugal a frequentar um curso.
Instado a pronunciar-se sobre as pessoas que estavam envolvidas nos referidos assassinatos, disse só saber do Sr. Pansau N’Tchama.
Diqqe ainda que três dias depois dos acontecimentos foi convocado pelo CEMGFA, que lhe pediu que fizesse tudo o que era possível para envolver o falecido Baciro Dabó na lista do grupo das pessoas que estavam a preparar a intentona, tendo em conta que o nome deste (Baciro Dabó) não figurava da lista. O CEMGFA informou-o que o envolvimento do nome de Baciro Dabó no grupo seria fácil porquanto o irmão mais velho deste é um funcionário das Alfândegas e entregou seis AK-M e um certo número de pistolas, de que não se recorda, à Direcção de armamento do Ministério do Interior.
Quanto à ordem dada pelo CEMGFA, no sentido de envolver o nome do Baciro Dabó no grupo, disse que houve uma longa discussão entre a testemunha (Samba) e o CEMGFA, e por último concordou e prometendo a este que iria tentar encontrar uma saída junto com o seu Adjunto Tenente Coronel Monhe Na Aié. Depois, a testemunha telefonou ao Monhe para lhe encontrar nas novas instalações do Estado Maior, e com a sua chegada informou-lhe das preocupações do CEMGFA sobre a forma de envolver Baciro no grupo. Ficaram os dois durante muito tempo a pensar numa solução e, de repente, o Adjunto lhe falou do nome de Almame Sanó que é Tenente e que pertence aos Serviços de Informação do Estado Maior General, tendo a testemunha pedido ao seu Adjunto que o mandasse chamar (ao Almame) com carácter de urgência. Poucos minutos depois o Tenente compareceu e foi informado sobre o assunto, e este por sua vez disse a que a missão era difícil, mas tratando-se de um assunto de carácter nacional vai tentar produzir duas informações com datas diferentes denunciando Baciro Dabó na mobilização de um ex-aguenta cujo nome não se recorda, para tomar parte num golpe de Estado a ter lugar na primeira semana de junho. Isto é, nunca houve nenhum contacto do falecido Baciro Dabó com o dito agente e ex-aguenta.
Inquirido a pronunciar o porquê da não denúncia destes factos anteriormente e só agora, responde (o Samba) que na altura estava em cumprimento da ordem do seu superior hierárquico o Chefe de Estado Maior Almirante José Zamora Induta. Instado, se sob as ordens deste não podia de forma alguma revelar esses factos na altura, respondeu fazendo alusão de que estamos num País em que estamos.
Questionado, respondeu que na realidade havia tentativa de golpe de Estado, das provas documentais que dispõe, mas que infelizmente não se encontra na sua posse, dá-lhe a garantia de afirmar que havia tentativa de golpe de Estado, disse ainda que dispõe além das informações obtidas através do CEMGFA, ele tinha informações não confirmadas, razão pela qual não quer revelar as suas fontes.
Para concluir, disse que numa das conversas que tiveram entre ele testemunha e o vice-CEMGFA, António Indjai, ficou a saber que graças à intervenção deste último, o Faustino Imbali não foi baleado pelo Capitão Pansau N’Tchama.
Para constar se lavrou o presente auto deInquirição de Testemunha que depois de lido e achado conforme vai ser assindao pelos intervenientes processuais:
Assinaram:
A Testemunha: Sr. Samba Djaló;
Os Magistrados do Ministério Público - Drs. Alderto Djedjo, Domingos Martins e Telma Maria de Sá Correia;
O Técnico de Justiça: Luciano Graça
Notas:
(*) O texto está escrito tal como vem no Auto de Inquirição de Testemunha. AAS