domingo, 3 de julho de 2011

Carta Aberta ao PGR Amine Saad, sobre a Lei Nr. 2/78

Bissau, 30 de Junho de 2011

Photobucket

"Nós, os advogados dos familiares das vítimas dos assassinatos de 4 e 5 de junho de 2009, preocupados e arrepiados com a comunicação que o senhor Dr. Amine Saad, Procurador Geral da República fez ao País no sentido de enviar os respectivos processos para o Tribunal Militar, evocando a Lei nº 2/78, de 20 de maio, Lei Militar.

Por isso, chamamos a atenção do nosso povo e da comunidade internacional, porque a Lei nº 2/78, de 20 de maio, em questão, não é aplicável ao caso vertente pelas seguintes razões prévias a saber:

1 - Sr. Dr. Amine Saad, é importante lermos com atenção a Lei nº 2/78, no seu artº 3 que diz claramente o seguinte: Os militares «sujeitam-se ao Tribunal Militar desde que estejam devidamente enquadrados em missão militar».

Assim:

- Estavam os presumíveis autores materiais e morais devidamente enquadrados em «missão militar»?
- Que «missão militar» era essa?
- E quem ordenou essa «missão militar»?
- Será que os militares são obrigados a cumprir ordens mesmo de natureza criminosa?

2 – Sr. PGR, Dr. Aminde Saad, gostaríamos que lesse com a atenção devida os artigos 3º e 14º da Lei nº 2/78, que invocou no seu comunicado datado de 08.06.2011, porque o Tribunal Militar só pode julgar crimes essencialmente militares e quando o objecto do crime for um bem jurídico militar.

Assim sendo, nós os advogados dos familiares das vítimas, entendemos que os presumíveis autores materiais e morais, não cometeram crimes essencialmente militares e o bem jurídico lesado, não é militar.

Caro PGR, Dr. Amine Saad,

Como sabeis, e bem, os crimes essencialmente militares, são crimes que afectam inequivocamente interesses de carácter militar, cuja natureza tem a ver com o bem jurídico militar, designadamente, a violação de algum dever militar, ofensa e disciplina das Forças Armadas e o conjunto de interesses socialmente valiosos que se ligam a função militar específica.

Nesta óptica, sr. PGR Dr. Amine Saad, os bens jurídicos em causa, são as vidas dos senhores HÉLDER PROENÇA, BACIRO DABÓ, TITO ABNA N´TCHALÁ e NATELÉ CADJUCAN NHAGA (PUNTCHU), não são bens jurídicos militares, mas sim bens jurídicos pertencentes às vítimas dos assassinatos.

A sociedade guineense, como conquista civilizacional do nosso povo, protege a vida humana, como valor máximo e sanciona a pena de morte na nossa Constituição da República.

Portanto, à luz destes argumentos, o Tribunal Militar NÃO TEM COMPETÊNCIA para apreciar e julgar os crimes cujos suspeitos não se encontravam em cumprimento de missões militares, muito menos os objectivos visados eram bens jurídicos militares a proteger.

3 - Sr. PGR, Dr. Aminde Saad, os advogados e representantes dos familiares das vítimas, manifestamos aqui e em todos os fóruns nacionais e internacionais o direito à indignação que nos assiste, relativamente a esta aberração jurídica que está a tentar impor à sociedade guineense e à própria comunidade jurídica.

Aliás, a Lei nº 2/78 é manifesta e ostensivamente inconstitucional na medida em que o seu artº 9, útlima parte, ordena a aplicação da pena de morte por fuzilamento. Isso significa que os presumíveis autores materiais e morais, se sujeitariam a uma pena que o legislador constituinte guineense baniu da nossa lei fundamental.

A Lei nº 2/78 padece de garantias de dignidade e respeito com a pessoa, máxima vida humana conforme a nossa Constituição da República, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Carta Africana dos Direitos do Homem.

A lei referenciada é, pois, inconstitucional, porquanto o país precisa de um Tribunal Militar moderno, prestigiado e insuspeito, com uma justiça militar do século XXI, liberta de preconceitos revolucionários, protegendo a vida humana, enquanto o maior bem jurídico da humanidade.

Sr. PGR, Dr. Aminde Saad, não vale a política do Pôncio Pilatos, de «Nha boka ka sta lá», porque o Sr., e a instituição Ministério Público, estão, e bem, no centro de toda a resolução ou impasse que o processo possa vir a ter. São os detentores únicos da Acção Penal, entidade que promove, investiga e acusa todos os casos criminais ocorridos na Guiné-Bissau. Atirar este processo (batata quente) para o Tribunal Militar, quando nós sabemos, de antemão, que efectivamente esse órgão debate-se com carências graves, quer materiais quer humanas, outro objectivo não podemos encontrar senão o de tentar “matar” o processo, mandando para as calendas gregas o seu eventual desfecho.

Recordamos tristemente o caso Zamora Induta, Samba Djaló e outros que foram mandados para casa, por esgotamento dos prazos de prisão preventiva que tiveram a sua origem justamente na falta de meios para que o Tribunal pudesse concluir os inquéritos dentro dos prazos legais. Daí que ao tentar remeter este processo para o Tribunal Militar, o sr. PGR, Dr. Amine Saad não está a fazer mais do que enterrar o processo.

4 - Sr. PGR, Dr. Amine Saad, se touxermos à colação a sequência dos factos, comunicados e declarações que se seguiram logo após os macabros assassinatos:

- As declarações do então CEMGFA, sr. Zamora Induta: «Cumprimos as ordens que nos foram dadas pelo Governo, agora cabe ao Governo responder», fim de citação. O que significa esta insinuação de ponto de vista jurídico criminal?;

- O comunicado do Governo da Guiné-Bissau, que denuncia a tentativa de golpe de Estado do dia 5 de junho de 2009;

- As declarações do então ministro da Presidência e substituto do Primeiro-Ministro, sr. Manuel Saturnino da Costa que perante a plenária da ANP confirmou a tentativa de golpe de Estado, comprometendo-se em entregar as provas que o Governo já detinha, facto que até hoje, volvidos mais de dois anos não aparecem;

- A conferência de imprensa do porta-voz do Governo sr. Carlos Barbosa vulgo Cancan, ministro dos Recursos Naturais, na companhia do ministro do Comércio, sr. Botché Candé, em que confirmam categoricamente a tentativa de golpe de Estado, com suporte áudio e tudo;

- O encontro dos representantes do Governo com os representandes diplomáticos acreditados no país, onde foram confirmadas a versão de alegada tentativa de golpe de Estado.

Eis a razão pela qual insistimos que assuma a responsabilidade, no âmbito das suas atribuições, de acusar e levar a jugamento esse Governo, na pessoa do seu primeiro-Ministro, Carlos Gomes Jr., Zamora Induta, António Óscar Barbosa vulgo Cancan, Botché Candé, Manuel Saturnino da Costa, Samba Djaló, Pansau N’Tchamá, Inácio Gomes Correia, vulgo Tchim e outros pelo crime de homicídio qualificado, sequestro e profanação de cadáveres entre outros crimes.

Assim e face a tudo isso, o sr. Dr. Amine Michel Saad, enquanto PGR e à luz da nossa Constituição, Código Penal, e Código Processual Penal, não deve enviar estes processos para o Tribunal Militar, com base na Lei nr. 2/78, porque essa lei é inconstitucional, porquanto não estamos perante crimes essencialmente militares e nem sequer os presumíveis assassinos estavam em missão militar, e os bens jurídicos violados não são bens jurídicos militares.

Portanto não pode renunciar à sua competência de acusar os respectivos processos.

Sr. Dr. Amine Saad, estamos perante crimes de sequestro, crimes de homicídio qualificado e crimes de profanação de cadáveres.

Os guineenses exigem do Ministério Público, enquanto único titular da acção penal o cumprimento escrupuloso da lei.

Nós, os advogados e representantes dos familiares das vítimas, reservamo-nos o direito de pedir às Nações Unidas a constituição de um Tribunal «ad-hoc» para este e os demais casos, e à Amnistia Internacional, para nos proteger, e também às nossas famílias.

À S. Excia. o Senhor Presidente da República, Malam Bacai Sanhá, enquanto Primeiro Magistrado da Nação, nós, os advogados e representantes dos familiares das vítimas, confiantes nas suas anteriores declarações em que afirma o empenho e determinação pessoal em esclarecer e levar os responsáveis à Justiça, mesmo que lhe custasse a vida:

Nesta óptica exigimos o cumprimento da sua palavra e das suas responsabilidades como Presidente da República da Guiné-Bissau. Bem haja!

O representante dos familiares das vítimas: Roberto Ferreira Cacheu;
Os Advogados: Dr. Abdú Mane e Dr. Armando Procel

C/C: PR, ANP, Rep. Sec. Geral ONU, UE, UA, CEDEAO
"