O primeiro-ministro da Guiné-Bissau, Carlos Gomes Jr., é um político astuto, novo na política, mas uma autêntica raposa. É matreiro. E provocador. Os seus opositores dividem-se, mas todos questionam duas únicas coisas nas mesas tristes dos cafés de Bissau: "Ma kê ki massa propi?", ou, ainda, "nundé ki n'kunha nel?".
Cadogo assobia para o lado. Está mais preocupado em "governar o País" - ainda que com o dinheiro dos outros. É que segundo Cadogo, os parceiros de desenvlovimento acham "que o País está no bom caminho". Hoje, à saída do encontro com o Presidente da República, voltou a provocar. Desta vez, o alvo chama-se ANP, o parlamento guineense: 'Se alguém quiser propor uma moção de censura (ou de confiança), faça o favor'. Sabe que não passará. Da mini-bancada do PRID, partido com 3 deputados, diz-se que controla dois deles. Se a estes se juntar o voto do deputado Vítor Mandinga, da Aliança Democrática, Cadogo e o 'seu' PAIGC contabilizam 70 deputados. Em 100...
Da fama, contudo, o primeiro-ministro não se livra. Uns acusam-no de 'comprar' consciências enquanto que outros vêem nele o 'salvador' que nunca ninguém viu, nem sequer em Amílcar Cabral... Em Gabú, alegam que terá entregue 200 mil dólares a 'Nino' Vieira, levado de Bissau por um familiar directo. Alianças mal explicadas...
De crise em crise, o primeiro-ministro lá vai abrindo caminho. Tanto faz a sua ministra da Economia nomear o seu filho para delegado permanente da Guiné-Bissau no Forum Macau, como enche os institutos públicos e todo o aparelho de Estado com familiares em cargos de administração em empresas do Estado, como vogais, como conselheiros e ainda directores-gerais, ou de serviço.Toda a familia do primeiro-ministro foi ja a China, nao se sabe bem porque.
Tem dois genros - um, o filho do ministro dos Negocios Estrangeiros e seu conselheiro, o outro e secretario de Estado dos Transportes e Comunicacoes. Alias, so uma pessoa conseguiu explicar o nepotismo neste Governo: faca-se uma arvore genealogica, e ver-se-a a centena de nomeacoes, algumas disparatadas, outras de conveniencia...
Em 2009, quando Hélder Proença e Baciro Dabó foram assassinados, correu em toda a cidade que esse mesmo filho do primeiro-ministro, o N'dundu, terá disparado sobre o Helder Proença, no quartel da base áerea, em Bissalanca. Do primeiro-ministro, nada, nem uma explicação. Nao se lhe percebe.
Aliás, há dias, a imprensa, ávida de notícias, pediu-lhe um comentário sobre a acusação da oposição por, alegadamente, estar envolvido nos crimes de sangue de 2009, nomeadamente os assassinatos de Helder Proenca e Baciro Dabo, a resposta do primeiro-ministro foi um sonoro "deixem-me em paz, deixem-me trabalhar".
Os jornalistas compreenderam a mensagem. E dispersaram.
Quando o PAIGC se reuniu para escolher um nome para seu candidato a Presidente da República, Carlos Gomes Jr mostrou novamente que é um político astuto. Mas desta vez, ficaria a ver navios. Pediu simplesmente que se procedesse à votação de braço no ar. Foi recusado. Votou-se secretamente, na urna Nessa dia, Cadogo perdeu as estribeiras e desceu muito o nível. Bastante irritado, encarou a imprensa e disparou: "Depois não me venham pedir dinheiro para o tambor, porque não o tenho!". Mas Bacai Sanhã haveria de ganhar. A candidatura, primeiro, e, depois, as eleições.
E, sim, houve tambores...
Outra peripécia aconteceu na escolha para Presidente da Assembleia Nacional Popular, e dois dos mais fortes candidatos perfilaram-se: de um lado Raimundo Pereira, apoiado pelo próprio Cadogo, e Helder Proença do outro. O presidente do PAIGC, qual macaco velho, jogou uma cartada de mestre, um pouco intimidatória, até: "Quem for a favor do Raimundo Pereira, faça o favor de abandonar a sala". E foram saindo, ficando apenas uma fila de cadeiras.
Alguém, na véspera, avisara-o: se ganha o Helder Proenca, tu cais a seguir... presente na sala, mas mantendo-se sentado no seu lugar sem sequer mexer um músculo do rosto, um membro do bureau político lembra-se hoje do caso, esboçando um sorriso. Esta conformado. E lá vai o Cadogo, de vitória em vitória...
Outro exemplo da quase-ditadura imposta pelo Carlos Gomes Jr ao partido de que é presidente - o PAIGC, aconteceu há pouco mais de um mês. Reuniu-se o bureau político para analisar a sempre discutida mas nunca antes aprovada lei sobre a mutilação genital feminina. Um outro presidente do partido tê-la-ia deixado cair, pelo menos enquanto fosse ele o presidente, mas não o Carlos Gomes Jr.
Isso nao é lei que se leva a um partido pejado de muçulmanos, com um grande lobi, incluindo no parlamento. Não. Ma i ka ku Cadogo. Primeiro lançou o isco, sabendo-se ausente do Pais: a lei foi chumbada pelo partido. Continue-se com a mutilação, escolheu a maioria. Contudo, Cadogo havia de regressar ao País e a coisa nao ficaria assim.
E, assim que o presidente do partido chegou, mandou reunir o bureau político...para "reapreciar" o tema. E o que fez Cadogo? Simples. Pediu uma votação de braço no ar. Para se verem olhos nos olhos...E a proposta passou "por unanimidade", lembra, com um sorriso desconfortável no rosto, um membro do bureau político do PAIGC presente na sala, mas que se manteve sentado no seu lugar com os bracos cruzados. E lá vai o Cadogo, de vitória em vitória... António Aly Silva