A minha fortuita posição de cidadão, ainda por cima esclarecido, valeu‐me ter presenciado toda a nossa tragédia enquanto País desde 1980. E que tragédia vivemos! O ambíguo contraponto entre alguma ficção que aqui se tem escrito e a realidade que assistimos no dia‐a‐dia constitui o cerne do blogue Ditadura do Consenso. Coincidência? Nenhuma. Parecenças? Também não. Contentores de parecenças!
A precisão com que descrevo o presente envenenado que foi a nossa vida praticamente desde a independência, há 35 anos, a quase futurologia que teimo em não parar de fazer sobre o destino do nosso povo, e do nosso País; a frieza que o passado não pára de me trazer, surpreendendo‐me sempre, faz de mim um típico sobrevivente. Muito mais até do que aqueles que lutaram nas matas da Guine‐Bissau. Aliás, se repararem bem, as técnicas de sobrevivência do guineense são de tal forma impressionantes que fizeram com que me mantivesse vivo durante todo esse tempo – umas vezes era eu o espancado, outras vezes um espectador impotente.
Durante o fugaz período de dez anos ‐ uma década, portanto – os meus olhos assistiram a muita tragédia. Fotografei inúmeros cadáveres, alguns de amigos, suportando alguns olhares de espanto e outros de desprezo. Ainda hoje, alguns, poucos, arriscam um ou outro comentário. Passam ao lado. No entanto, algumas dessas pessoas esforcaram‐se, e de que maneira, para garantir que a Guine‐Bissau, 35 anos depois de proclamar a sua independência, continuará a ser um dos países mais pobres do mundo. Desanco‐os um dia destes...
E porque tudo o que aqui tenho escrito – e isto é muito importante – está impregnado de um espírito para além do trágico que me toca particularmente, por estar de certa forma muito próximo das coisas que os meus olhos viram, que são, para mim, o que os guineenses conseguem exprimir de mais parecido com o espírito das tragédias que temos presenciado com o credo na boca. Ah, e mesmo assim sem fazer nada. Isso é o que mais faltava! AAS