sexta-feira, 4 de abril de 2014
OBITUÁRIO: Até lá, Presidente
Por: António Aly Silva
As divergências entre mim e o Kumba Yala eram um livro aberto. E colorido. Bom, às vezes eram a preto-e-branco, mas nunca, livra!, cinzentas. Nesse livro há muita filosofia, alguma barata com certeza, mas todas elas com a sua praticidade. Por exemplo, quem gosta de bricolage deve ter-se divertido de borla muitas vezes nestes últimos anos. Mas esse livro tem também coisas sérias. E divertidas. Porém, esse livro está agora fechado e nunca mais será aberto. Permanecerá um túmulo. Até lá, Presidente.
Koumba Yalá Kobdé Nhanca aka Mohammed Yala, foi uma figura. Ponto. Uma figura que se transformava em vários personagens que às vezes se tornavam incontroláveis. Mas Kumba era incontornável - uma das últimas, e talvez até a única figura 101% mediática da Guiné-Bissau. Para o bem e para o mal, talvez na mesma proporção, ou não. Qualquer selecção, já se sabe, é redutora.
Kumba foi um senhor doutor catedrático da controvérsia em pessoa. E excêntrico até no leito da morte, a julgar pelas palavras que terá proferido e que foram reveladas pelo seu médico e sobrinho: «quero ser enterrado só depois do resultado das eleições»... Mas Kumba era igualmente um manipulador nato. Mas era acima de tudo um homem inteligente. Um político astuto, populista e demagogo q.b. – bem ao estilo do Povo da Guiné-Bissau... Estávamos, por assim dizer, bem um para o outro.
Fui porta-voz da candidatura de Kumba Yalá nas eleições presidenciais de 2009, em que obrigou um Malam Bacai Sanha já de si desgastado, a uma estafante 2ª volta, mas que viria a perder para o candidato do PAIGC. Demite-me no dia em que os resultados da 1ª volta foram conhecidos e fiz questão de nem estar presente no Palace Hotel. Aguardei por ele no passeio da sua casa... Eu era porta-voz só no papel, e como eu não sirvo para papel de parede...e o resto é isso mesmo: história.
A intenção aqui não é lembrar nem o melhor e menos ainda o pior do Kumba Yalá. Todos temos defeitos e feitios - e é em vida que a batalha se faz. A intenção, aqui, é tão-somente homenagear um homem: Presidente Kumba Yala Kobdé Nhanca. Que faça a viagem da sua vida, com bom tempo ou com turbulência, mas com tranquilidade - a mesma que a Guiné-Bissau almeja há 40 anos. Porque a um morto nada se recusa.