Por: Adão Nhaga
Guineense Actualmente Residente em Espanha
Ex-Secretário Executivo da RENARC – Rede Nacional das Rádios Comunitárias da Guine Bissau
Com a liberalização económica, a sociedade civil da Guiné-Bissau apostou numa mudança de atitude política do Estado e dos cidadãos por forma a encontrar novas formas de organização social que implicassem mais os cidadãos no processo de desenvolvimento, apostando na sua capacidade e criatividade individual, no surgimento de estruturas descentralizadas que evitassem que o poder político e económico fossem monopolizados e manipulados, concentrando-se nas mãos de uma minoria que dificulta ou impede o acesso do cidadão à livre expressão das suas opiniões.
A Guine Bissau, especialmente notada pela instabilidade dos últimos anos, é, em matérias, apontado como um modelo para outros países lusófonos, que vem a Bissau colher a experiências de 28 rádios comunitárias hoje existente no pais cobrem praticamente toda a população.
As rádios comunitárias surgem como um dos meios mais importantes para fazer ouvir a voz dos cidadãos não só enquanto pessoas individuais como também enquanto integradas em associações profissionais de defesa dos seus interesses específicos e das comunidades de base, rurais em especial. O cidadão deixa de ser só um ouvinte para passar a ser um interveniente activo na discussão dos problemas nacionais, libertando-se a si próprio e ganhando gradualmente um estatuto de cidadania.
As rádios comunitárias, têm-se revelado um instrumento incontornável para introduzir uma linguagem mais acessível e directa junto das comunidades em que está inserida, falando dos seus problemas concretos, dando voz às suas preocupações e desejos, respeitando a diversidade étnica e fazendo que todas as pessoas se reconheçam nelas. O acesso é aberto e fácil. Os programas respeitam as prioridades e interesses das diferentes camadas sociais, em especial as mulheres, os jovens e os agricultores.
Elas aparecem como um instrumento privilegiado para a transmissão de mensagens que reforçam a consciência das populações nos seus direitos enquanto cidadãos e nos seus deveres para com o interesse colectivo, promovendo assim uma melhor compreensão do que é a democracia, das modalidades do seu funcionamento e das suas vantagens enquanto factor de desenvolvimento, assumindo-se como determinantes para o empoderamento das comunidades locais.
A primeira rádio comunitária da Guiné-Bissau, a Radio Voz de Quelele, surge em 1994, num bairro pobre da cidade de Bissau sendo fortemente contestada pelo poder político que na altura a mandou encerrar antes das primeiras eleições legislativas multipartidárias de 94. Outras foram surgindo, a Rádio Kasumai (1995), a Rádio Lamparam (1996), assim como a DjanDjan, a Waquilara, a Forréa, a Djalicunda, a Mindara, a Rádio Escolar EVA e outras.
Nos ultimos anos as mulheres rurais têm vindo a protagonizar um importante movimento associativo no campo, especialmente através da criação de agrupamentos e associações à volta de interesses económicos e sociais comuns, cujo impacto é já reconhecido por todo o país.
No quadro do processo de descentralização as associações de base de mulheres têm vindo a conquistar um maior espaço de afirmação e intervenção local, no sentido de marcar pela positiva as políticas de implementação das estruturas de funcionamento municipal, as opções de desenvolvimento regional e os programas prioritários.
As mulheres têm vindo a assumir um maior poder combativo a partir das suas organizações próprias, dispondo de maior clarividência na defesa das suas posições e na expressão das suas preocupações.
Apesar de ainda embrionário, o movimento associativo das mulheres rurais está a assumir cada vez mais um protagonismo que não se limita aos simples aspectos de promoção económica dos seus membros, apostando igualmente em formas mais modernas de organização, como elemento determinante para influenciar o envolvimento e a participação das populações rurais nos processos de conquista de uma cidadania activa.
A grande dificuldade vem residindo no deficiente acesso das mulheres à informação, aos orgãos de comunicação, ao debate e reflexão sobre as oportunidades e riscos do desenvolvimento e na falta de capacidade de mobilização das outras mulheres.
As mulheres têm que utilizar as rádios comunitárias enquanto processos populares, educativos, livres, participativos, interactivos, mostrando a diversidade e a riqueza dos diferentes movimentos associativos de mulheres, das diversas opções e práticas de desenvolvimento, das culturas próprias das mulheres de cada etnia enquanto elementos fundamentais da cidadania guineense e não da superioridade ou inferioridade de alguma delas em relação às outras. Daí que o desafio seja o de promover o acesso das mulheres à palavra para democratizar a sociedade.
Outro dos desafios das mulheres é o de criarem espaços colectivos de interesse, que possam influenciar a opinião pública, estabelecer consensos à volta de causas justas e solidárias, ajudar a melhorar as condições de vida das mulheres, de propiciar o exercício de direitos e o cumprimento de deveres. Isto é, construir uma comunidade, cidadanizar.
Nestes tempos de crescente globalização e homogeneização, é um imperativo de democracia que as mulheres promovam espaços de participação cidadã onde se expressam as suas vozes e se defende a diversidade de idiomas e de culturas, onde se assume o direito de pensar diferentemente e de ter gostos e aspirações distintos. Isto é, promover uma cultura e uma prática onde o direito à diferença implique o dever de tolerância.
As mulheres têm a obrigação de se envolverem activamente no funcionamento interno das rádios comunitárias sem que se verifique nenhum tipo de discriminação, funcionando democraticamente, com membros seus nas direcções e corpos sociais eleitos.