domingo, 14 de abril de 2013

Fórum furado


Fórum dos Partidos Políticos: de júri não tem validade, de facto, só faz asneiras. Ao ler o comunicado dos partidos que assinaram o pacto de transição no qual defendem a sua posição em relação a data da realização das eleições gerais fiquei perplexo. A minha perplexidade relaciona-se sobretudo com a fraca qualidade dos argumentos apresentados para a não realização de eleições em 2013. Ou agem de má-fé, ou a competência técnica é deficitária. Estes são argumentos apresentados pelo fórum dos partidos:

- A época das chuvas começa em maio e prolonga-se até Outubro, altura em que não se pode fazer o recenseamento eleitoral.
- Os procedimentos no terreno iniciar-se-iam apenas em Novembro de 2013 e será que num mês seria possível realizar eleições?
- Quando estará disponível o financiamento externo para as eleições?
- Quando se iniciam as reformas legislativas necessárias?
- Quando é que serão empossados os membros das comissões nacionais e regionais de eleições?
- E quando é que se inicia o recenseamento eleitoral?
 
E para terminar, o comunicado dispara: São estas e mais perguntas que os defensores da realização das eleições em 2013 deveriam de esclarecer ao povo guineense.

Seria muito mais inteligente da parte desses partidos responderem, eles mesmos ao povo guineense porque razão não fizeram tudo isso que perguntam há mais de 12 meses? Quando assinaram o pacto de transição (ou “pacto de diabo”), sabiam muito bem que, em 1 ano, as eleições tinham que ser feitas, porque era importante repor a legalidade constitucional. Não fizeram nada. A CEDEAO, actor principal na mediação e resolução da crise, decidiu prolongar o período que ela mesma havia fixado em 1 ano para mais 6 meses, desta vez até o fim de 2013. Pelos vistos, o tempo para eles continua a ser pouco. Quando não se faz nada, não há nenhum tempo de mundo que nos chega…!

Vejamos estes dois exemplos:

- O Mali, que sofreu um golpe de estado um mês antes do golpe na Guiné em 2012 e, mesmo em estado de guerra já fixou as eleições para o mês Junho deste ano?

- Na Venezuela, o presidente Hugo Chavez morreu há menos de 1 mês e meio, mas o país já vai as urnas.

A diferença que existe entre os exemplos citados e o nosso caso está, no nível da maturidade e responsabilidade política (inclui o respeito pela Constituição) dos seus actores políticos, de um lado, e na qualidade da cultura cívica e patriotismo desses mesmos actores, do outro lado.

A questão aqui é muito clara. Num sistema democrático nada justifica a assunção do poder através das armas. O poder é atribuído pela vontade popular via eleições livres. É preciso mudarmos muita coisa na Guiné, e muito em especial, a nossa forma de conceber e fazer política. Os partidos que não querem eleições este ano, apenas o defendem porque estão nos lugares de decisão onde podem abusar do dinheiro e dos bens públicos. Toda a história de falta de tempo é apenas “conversa do quintal”.

A matemática é simples, se posso ganhar dinheiro agora porque vou querer eleições? Hoje, qualquer pessoa nomeada para exercer funções na direcção dos Conselhos de Administração (no EAGB, nos Portos, nas Telecomunicações, e por aí fora) ganha cerca de 2 milhões de fcfa mensal, os conselheiros do Presidente ganham por cima de 1 milhão e meio de fcfa, os do Primeiro-Ministro a mesma coisa e assim sucessivamente.

Esses salários são, de longe superiores aos salários que mais 85% dos efectivos militares ganham. São exemplos demonstrativos da imensa falta de responsabilidade dos políticos guineenses. Um país que vive da ajuda externa, que não pode, regularmente pagar salários miseráveis aos professores e aos outros trabalhadores de Estado dá-se ao luxo de fixar este tipo de salários para gente recrutada de partidos que apoiam o golpe, porquê? Estas pessoas, quase todas elas oriundas de pequenos partidos não vão querer eleições nunca. De certeza que daqui há um ano lá virão elas, outra vez dizer que o tempo é curto, que ainda falta fazer algumas reformas, antes das eleições, etc, etc.

E qual o papel da comunidade internacional?

Primeiro, tomar a responsabilidade de organizar as eleições gerais em colaboração estreita (claro) com as entidades nacionais, Segundo, exigir prazos e responsabilidades sob pena de aplicar mais sanções ao país. Mas para isso, é preciso que se acabe de vez com a retórica de que são os guineenses que devem decidir sobre o seu futuro, porque isso é falso, não funciona. Na Guiné, a vontade dos guineenses nunca decide nada, o povo vota e demonstra a sua preferência eleitoral nas urnas, mas são os partidos políticos e militares que decidem quem deve mandar. No Timor, as Nações Unidas decidiram, e, os timorenses passaram 10 anos sob o protectorado e apoio das NU e, hoje, o país é um outro país. Se de facto, querem saber a vontade dos guineenses sobre o seu futuro, promovam um Referendo Popular, depois disso tudo ficará mais claro. Terceiro, actuar com mais vigor e elasticidade. Isto é, monitorar os pontos fortes e fracos de cada instituição que está relacionada directamente com a organização das eleições e por a sua disposição os recursos humanos, financeiros e materiais necessários ao reforço da sua capacidade organizacional e a sua performance técnica.

E para terminar, um conselho. O fórum faria um grande favor aos guineenses se deixasse de vez de falar e fazer teatro com essa história de criação da Comissão Multipartidária e Social. Tratem é de organizar eleições e deixem que as futuras autoridades legítimas saídas das urnas venham a encarregar-se da criação de estruturas necessárias e duradouras.

Arafam Bamba

sábado, 13 de abril de 2013

Enquanto isso, em Bissau...


Os Chefões Militares (que de facto mandam em Bissau), os Barões, os Mandões e os Super-Ministros recolhem-se cedo da vista das pessoas. Tornaram-se discrectos, pardos até. Pezinhos de lã, desaparecem muito cedo da cena levando com eles as suas crias e os seus bens mais preciosos. A verdade hoje em Bissau, nos tempos que correm, mais vale prevenir que remediar, pois não venham os Drones do Nhamadjo-DEA que vasculham as vidas e seguem os mais subtis movimentos de certas figuras do poder em Bissau, principalmente o militar, lançar de novo as suas garras e levar mais um dos seus alvos que são muitos.

E o pânico que está instalado em certas esferas do poder em Bissau, ainda mais com os rumores de que a DEA possui no terreno uma rede de agentes com grande raio de acção e poder operacional no terreno, acções de mérito suficientemente provadas e reconhecidos em missões de captura e neutralização de grupos para-militares e de narcotraficantes na América Central e do Sul (na placa do aeroporto de Dakar, está um avião espião AWAC americano...), vi-o ontem...

Hoje, assim que a noite chega, as chefias militares fazem um autêntico "pim-pam-pum" para saber onde vão dormir, os ministros rabos de palha idem aspas, os barões resguardam-se em hotéis onde passam despercebidos (como se em Bissau tal é possível). Alguns enviaram até os familiares para a sub-região (Senegal, Conakry, Gâmbia ou Fez, em Marrocos). Todos desligaram os seus telemóveis ou trocaram os seus "pins", alguns mudaram de número. Mas quase todos esconderam os seus reluzentes bólides com que faziam a diferença de estatuto em Bissau, a maioria roubado na Europa.

Ultimamente, grandes transferências estão sendo feitas para dissimulação nas contas de familiares directos ou pessoas de confiança e muitas das vezes estas quantias são confiadas em "cash" para serem depositadas nos bancos da sub-região, nomeadamente em Dakar e na Gâmbia. Recentemente, um dos filhos, por sinal também artista "raper" de um dos chefões da droga, depositou, com a ajuda de um alto funcionário da embaixada da Guiné-Bissau em Dakar, na sua conta, um significante montante que criou suspeitas ao nivel do Banco.

Assassinatos

Outro factor extra de perturbação: ditadura do consenso soube, através de uma fonte da embaixada norte-americana em Dakar, que o coronel Samba Djalo, assassinado cobardemente em Bissau a mando das alta chefias militares, era o elo de ligação com a DEA através do agente assassinado pelos homens de Bubo. Antes do seu assassinato, esse reputado oficial de segurança já tinha enviado em "pen-drive", informações codificadas, detalhadas e altamente comprometedoras para conhecimento das autoridades norte americanas sobre o envolvimento de militares e políticos nos negócios da droga. Parte dessas informações servirão para elucidar sobre os contornos da morte de Helder Proença, Baciro Dabo entre outros. Enfim, Bissau dorme com um só olho... o poder sente-se encurralado. AAS

Eu vi, com os meus olhos


Ontem, ninguém me contou... vi eu mesmo com os meus olhos. Vi o MNE Faustino Imbali nos copos, num concorrido restaurante africano em Dakar - o 'Tradiçon' (onde jantei e almocei várias vezes durante os 12 dias em que lá estive). Ao entrar dei com ele, e logo mudei de ideias. Encarei-o sem que desse conta e decidi dar meia volta, pois há companhias que eu, António Aly Silva, dispenso e bem. Abdiquei do meu copo de despedida de Dakar e fui directamente para o aeroporto e preferi um café. Não quero NADA com os golpistas e os seus aliados.

Hoje, já em Lisboa, chegaram-me as novas. O MNE tem instalado o seu QG no hotel King Fahad Palace (ex-Meridien Président) onde, entre copos e garfadas mal esgrimadas, tem recebido numa autêntica roda viva os mais variados e suspeitos contactos, entre eles o advogado de Bubo Na Tchuto, Joãozinho Vieira Có, assim como uma corja de supostos homens de negócios (alguns obscuros) e comissionistas de toda a espécie (chineses, ucranianos, russos, moldavos, E os infalíveis senegaleses... Enfim, toda a espécie e do piorio, porém essencialmente interessados em negócios de extracção de minérios, extracção de madeira exôtica, pescas e venda de combustível).

O desfile de "personalidades" interessadas em expôr os projectos e investimentos para a Guiné-Bissau ao concorrido MN Estranhos. Olhos avermelhados, fruto da ressaca da noite de ontem, o homem lá vai tomando as suas notas e marcando rendez-vous para Bissau a fim de melhor se alinhavar o negócio ou investimento. De premeio na conversa, deslizam-se sempre subtilmente envelopes bem guarnecidos para ajudar o MNE nas suas dispendiosas despesas e outras vícios a que está habituado nas suas passagens por Dakar. Enfim, é a diplomacia da Guiné-Bissau no seu melhor: uma autêntica Mesa di Djila no mercado de Bandim... AAS

... Fórum dos partidos golpistas quer eleições...em 2014


O Fórum dos Partidos Políticos da Guiné-Bissau que apoiam o Governo de transição defende a realização de eleições "com a maior brevidade política", mas considera que as mesmas terão de ocorrer em 2014. Um ano depois do golpe militar que derrubou os governantes eleitos na Guiné-Bissau as eleições deveriam estar já com data marcada, visto que o período de transição foi marcado para terminar em maio. O período de transição foi prolongado entretanto até final do ano, período durante o qual a comunidade internacional quer que se realizem eleições. Num comunicado divulgado hoje, o Fórum, que agrupa a maior parte dos partidos da Guiné-Bissau (a grande maioria com pouca expressão eleitoral), defende que o cronograma das eleições (que ainda não existe oficialmente) "deve de ser extensivo ao ano de 2014".

O comunicado justifica a sugestão afirmando que a época das chuvas começa em maio e prolonga-se até outubro, altura em que não se pode fazer o recenseamento eleitoral. "Os procedimentos no terreno iniciar-se-iam apenas em novembro de 2013 e será que num mês seria possível realizar eleições?", questiona o Fórum. No comunicado, os partidos perguntam ainda quando estará disponível o financiamento externo para as eleições, quando se iniciam as reformas legislativas necessárias, quando é que serão empossados os membros das comissões nacionais e regionais de eleições, e quando é que se inicia o recenseamento eleitoral.

"São estas e mais perguntas que os defensores da realização das eleições em 2013 deveriam de esclarecer ao povo guineense", diz o comunicado, que reafirma a defesa da criação de uma Comissão Multipartidária e Social de Transição. Essa Comissão deverá juntar partidos, sociedade civil e castrense, órgãos de soberania e parceiros internacionais, e destina-se a encontrar "um consenso nacional" para que não se repitam situações de instabilidade no futuro. As competências da comissão, diz o comunicado, não colidiriam com as da Assembleia Nacional Popular, ou a sua substituição ou dissolução. LUSA

BUBO: Joaozinho Vieira Có, está a caminho de Nova Iorque, para preparar a defesa do seu eterno constituinte Bubo Na Tchuto. Viajará com passaporte português... Entretanto, ontem, em Dakar, o ministro dos Negócios Esquisitos Faustino Imbali foi visto num restaurante com duas gajas. Escusado será dizer que saiu de lá de gatas... AAS


sexta-feira, 12 de abril de 2013

Guiné-Bissau: O país onde “narcotráfico” é um verbo


Quando tudo está calmo na Guiné-Bissau, é presságio de que algo vai acontecer. Bubo Na Tchuto andava calmo e indiferente às acusações internacionais que lhe imputavam os títulos de «Barão da droga» e «Almirante da Cocaína». Para Bubo a Guiné-Bissau era um Estado de Direito e aí sentia-se protegido, também, com todo o direito.

De facto a Guiné-Bissau é um Estado de Direito, mas torto, e também um Estado Falhado. Assim a detenção de Bubo Na Tchuto (juntamente com Papis Djeme, Tchamy Yala, Manuel Mamadi Mané e Saliu Sisse), na sequência de uma operação da DEA (Drug Enforcement Administration), foi uma acção legítima, sendo que os Estados Unidos assumiram a sua autoria, mas contaram com a discreta colaboração de vários Estados e a anuência da ONU que já denunciara a situação.

Deter um ex-chefe de Estado-Maior da Marinha e ex-Combatente da Liberdade da Pátria guineense na Guiné-Bissau pode ser considerado, por alguns, uma acção de ingerência nos assuntos internos do país e uma afronta à sua soberania. Mas não! O motivo alegado que levou à detenção de Bubo Na Tchuto é “conspiração de narco-terrorismo” com "riscos consideráveis para os Estados Unidos e os seus interesses", duas acusações que colocam a operação em concordância com o Patriot Act americano. A anuência da Comunidade Internacional assenta fundamentalmente na participação directa do Almirante no narcotráfico transnacional que é deste modo uma ameaça que ultrapassa as virtuais fronteiras guineenses. Assim, não sendo possível confiar nas instituições judiciais guineenses e não sendo possível também combater eficazmente os produtores nem os consumidores finais provoca-se um golpe num dos elos mais fracos desta cadeia, o insaciável transitário e armazenista.

A detenção de Bubo Na Tchuto é um duro golpe nas teias do narcotráfico na Guiné-Bissau mas não marca o fim do tráfico de droga no país. Um dos factores que facilitou a captura do «Almirante da Cocaína» foi a existência de concorrentes no mesmo negócio e a fidelidade entre traficantes é ténue como um fio de cocaína.

Os clãs concorrentes e sobreviventes do narcotráfico guineense sorriram tremulamente com a detenção de Bubo. Uma parcela significativa do mercado está agora órfã e receptiva à adopção. Mas também engoliram em seco porque desconhecem se os seus nomes constam na lista da DEA. Além disso, a ganância de Bubo Na Tchuto abriu as portas para que o Almirante caísse numa armadilha estrategicamente delineada por falsos narcotraficantes, um precedente que instaurou um clima de desconfiança face a novos fornecedores.

O Ministério Público norte-americano deixou um perfume desta dança dos clãs quando referiu no acto de acusação de Bubo que a DEA dispõe da gravação de uma reunião na Guiné-Bissau entre Mané, Sisse e Garavito-Garcia (narcotraficante colombiano) com «fontes confiden ciais e um representante militar da Guiné-Bissau onde foi discutido a mais-valia de utilizar a Guiné-Bissau como plataforma» no tráfico de cocaína. O mesmo documento refere também que outro militar guineense seria presumivelmente a fonte das fontes confidenciais.

Nos EUA Bubo Na Tchuto não tem a protecção dos seus temíveis fiéis, encontra-se entregue a si mesmo e corre o risco de ver ser-lhe atribuída uma pena de prisão à perpetuidade numa penitenciária.

Durante a audição no tribunal americano, fiel a si mesmo, Bubo Na Tchuto não hesitará em minimizar o seu papel no narcotráfico e para isso revelará a dimensão do envolvimento de militares, governantes, políticos e empresários guineenses no narconegócio. Talvez comece assim a emergir a ponta do iceberg que poderá elucidar, finalmente, os assassinatos do ex-presidente Nino Vieira, Tagme Na Waie, Helder Proença e Baciro Dabó entre vários outros não publicitados, mas também clarificar a proveniência dos meios financeiros que permitiram a vários guineenses ostentarem sinais exteriores de riqueza surrealistas, com veículos novos de grande cilindrada, luxuosas mansões nos bairros de Alto Bandim (onde também residia Bubo Na Tchuto) e Safim, assim como aquelas que vão florescendo na avenida dos Combatentes da Liberdade da Pátria (vulgo Estrada do Aeroporto), na capital, soberbamente equipadas e decoradas num país que é qualificado como dos mais pobres do mundo.

No entanto, as receitas do narcotráfico na Guiné-Bissau serviram também, desde 1998, para pagar o soldo de muitos militares e assim mantê-los precariamente nas casernas e garantir a sua lealdade a alguns chefes castrenses. Apesar das violentas lutas pela “gestão” desses “fundos”, que se traduziram em Golpes de Estado e assassinatos, o desaparecimento desta receita é mais um elemento para prorrogar a instabilidade no país.

Na Guiné-Bissau, apesar dos nomes dos narcotraficantes nacionais e estrangeiros serem sussurrados pelas bocas de todos no mercado de Bandim e na Chapa de Bissau, acusarem publicamente um governante, político, militar ou empresário de envolvimento no «negócio» é um tabu que, se quebrado, pode custar a vida do delator. Com a morte do narcosuspeito todas a vozes revelam, inclusivamente na imprensa, os envolvimentos óbvios do defunto com o tráfico. E foi deste modo postumamente com Nino Vieira, Tagme Na Waie, Helder Proença e Baciro Dabó.

Sem sussurrar o ex-chefe de Estado-Maior da Marinha e ex-Combatente da Liberdade da Pátria poderá ajudar a DEA a compreender a geopolítica e mecânica do narcotráfico na Guiné-Bissau, ou seja, do envolvimento de cartéis bolivianos, das antenas no Brasil e na Venezuela mas também, numa esfera geográfica mais próxima, as rami ficações das narcotransacções no Senegal, Gâmbia, Mali, Guiné Conacri, Nigéria e em outros países da lusofonia, assim como a rede de receptores da cocaína na Europa.

A Guiné-Bissau nunca foi um caso isolado do narcotráfico na África Ocidental. O facto de tornar-se no Estado Falhado modelo, multiplicando os Golpes de Estado e Contragolpes, assim como os assassinatos de personalidade políticas e militares, tornou-se no foco das atenções por excelência para alívio de alguns dos seus vizinhos atingidos pelo mesmo flagelo.

Os guineenses vão começar finalmente a compreender, grama a grama, a razão porque muitos processos se arrastaram eternamente na fase da instrução, porque é que é conveniente que as instâncias judiciais não funcionem, porque é que a polícia judiciária chegara ao ponto de não ter gasolina para os seus veículos, porque é que alguns aeródromos que remontam ao período colonial foram reabilitados e outros construídos num país que não tem ligações aéreas internas, mas também a razão de algumas empresas existirem e outras desaparecerem por artes de magia.

Bubo Na Tchuto, juntamente com os seus quatro “braços direitos”, foi o primeiro «barão» a compreender que o narcotráfico é transnacional mas que a Justiça também pode ser. Uma reflexão que muitos fazem hoje na Guiné e que pode ser um primeiro pequeno passo para que “narcotráfico” deixe de ser conjugado como um verbo.

Rui Neumann/Password Confidential Newsletter

Captura de Bubo Na Tchuto provoca “pânico” interno


A captura de  Bubo Na Tchutoe sua extradição para os  EUA, a fim de ser presente à justiça norte-americana, provocou um estado descrito como sendo de  “pânico”em meios implicados no narcotráfico – na Guiné-Bissau e em países próximos da subregião. Nos últimos dias têm sido notadas comportamentos sintomáticos de precaução por parte de indivíduos supostamente envolvidos no tráfico de droga na Guiné-Bissau.

No planeamento das operações que levaram à captura de Bubo Na Tchuto, mais dois guineenses e dois colombianos, todos acusados de implicação no narcotráfico, o papel mais activo terá sido desempenhado por Russel Hanks nominalmente representante oficial dos EUA em Bissau, na verdade um experimentado oficial da DEA-Drug Enforcement Administration. De acordo com informações suficientemente verificadas, no seu trabalho foi decisiva a acção de uma rede de informadores locais.

A existência de tal rede é motivo acrescidode preocupação entre os implicados locais no narcotráfico. Russel Hanks deixou Bissau em vésperas do desencadeamento das operações. Em 2010 a DEA reforçou o seu dispositivo de acompanhamento do narcotráfico na subregião de África. Foi mesmo activada uma estação em  Lisboa – esta com a tarefa de prestar atenção a conexões locais com o fenómeno. Bubo Na Tchuto, CEM da Marinha até 2008, fora em
Abril de 2010 objecto de uma denúncia formal do Departamento do  Tesouro do EUA, como implicado no narcotráfico.

O actual CEM da Força Aérea, general Papa Camará, foi igualmente citado. A captura de Bubo Na Tchuto também terá sido calculada para explorar propícios factores de oportunidade política. O narcotráfico é a principal fonte de financiamento do ramo africano da  Al Qaeda; o narcotráfico é praticado numa macha do norte que se estende da Guiné-Bissau ao Mali; a  Al Qaedae outras organizações criminosas estão a sofrer revezes militares significativos no Mali. AM

Golpe de Estado: o balanço


365 dias depois da tomada do poder pela força das armas, em Bissau, o país continua mergulhado na anarquia, com a tropa a puxar dos galões. Controlam tudo. Da 'presidência' ao 'governo', passando pelas esquinas e ruas da decadente, assustada e triste cidade de Bissau.

- Interrupção abrupta da 2ª volta das eleições presidenciais antecipadas de 2012;
- Controlo total sobre o narcotráfico que desagua da América do Sul;
- Prisões arbitrárias de políticos, de jornalistas, de cidadãos comuns;
- Rapto, espancamento e tortura de civis e militares;
- Fuga do país (sem qualquer data para regressar) de dezenas de cidadãos;
- Assassinato de cerca de 12 cidadãos guineenses rotulados de "rebeldes de Casamança";
- Delapidação descontrolada do erário público entre outros crimes.

Um ano depois:

- O 'governo e presidente de transição' - imposto à força e com total descaramento e desprezo pelo cidadão eleitor da Guiné-Bissau - pela CEDEAO, continua teimosamente no poder, NÃO é RECONHECIDO pela Organização das Nações Unidas, pela União Africana (organização continental da qual o país está expulso), pela União Europeia (o maior parceiro bilateral de cooperação). Até alguns países da própria CEDEAO descartaram o regime de Bissau.

Resta ao Povo da Guiné-Bissau a vã esperança de que os grandes deste mundo lhes estendam a mão. Uma força de paz - e de interposição - deve ser mandatada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. AAS

Catástrofe anunciada


Para ler AQUI

Grande Horta!


O Representante do Secretário-Geral da ONU na Guiné-Bissau, Ramos-Horta, recorreu à metáfora para responder, quando questionado pelos jornalistas sobre a alegada catalogação de Cabo Verde como um «mau vizinho», pelo Procurador-Geral da República guineense, Abdú Mané. «Quem tem telhados de vidro não deve procurar problemas com vizinhos», disse Ramos-Hora no final do encontro que manteve no início da tarde desta quinta-feira, 11 de Abril, na Cidade da Praia, com o Presidente da República de Cabo Verde.

Embrulhem! AAS

Mulheres de armas



Um ano após o golpe de Estado, o narcotráfico tornou-se ainda mais forte e mudou o quotidiano dos guineenses. Várias vezes, Lucinda Barbosa Ahucarié usou o seu carro pessoal para fazer o trabalho da polícia - e isso incluía apreensões de droga em Bissau. A Polícia Judiciária (PJ) não tinha viaturas, algemas ou lanchas rápidas para vigiar o mar e os muitos rios da Guiné-Bissau. "Não havia nada."

Esse deserto de meios contrastava com a firmeza e o ritmo das investigações iniciadas no seu gabinete de directora da PJ, quando ao mesmo tempo, no Ministério da Justiça, outra mulher, a advogada Carmelita Pires se entregava de igual forma à luta contra o tráfico de droga.

Ambas estão em Portugal. O motivo que as levou a sair de Bissau, em momentos distintos, não se alterou. Só se intensificou. As perseguições militares a vozes dissonantes ou incómodas multiplicaram-se desde que os golpistas liderados pelo general António Indjai tomaram o poder no dia 12 de Abril. Nesse dia, a governação passou para o controlo de um comando militar de seis elementos. Foi há um ano. Dias depois, Manuel Serifo Nhamadjo era nomeado presidente de transição e Rui de Barros primeiro-ministro.

O 12 de Abril não foi apenas mais um golpe de Estado a juntar a outros violentos episódios da conturbada história do país. O tráfico de droga, livremente instalado no país desde 2004, ganhou asas. Antes e depois, tornou mais forte quem se envolveu nele. E mudou irremediavelmente a vida de muitos guineenses.

O medo instalou-se. Medo não só dos responsáveis do topo envolvidos no narcotráfico, mas da pessoa do lado - amigos ou vizinhos - que possa ter ligações ou ser cúmplice. "Pela forma como a droga se infiltrou no nosso país, as pessoas passaram a ter medo não só dos que estão à frente do negócio mas também dos que a ele, de alguma forma, estejam ligados", diz Carmelita Pires. As pessoas evitam pronunciar a palavra "narcotráfico". Mas vivem com ela.

Quando Lucinda Barbosa chegou à Judiciária, vinda da magistratura do Ministério Público, uma das suas primeiras missões foi criar uma rede de colaboradores e informadores para, com a devida protecção, preencherem o vazio de agentes da Judiciária em muitos recantos da Guiné onde as movimentações de aviões e barcos com droga se tinham tornado constantes. "Era uma luta", conta Lucinda Barbosa. "Eu entendia que tinha de salvar aquele país." Um país pequeno que a ausência de meios tornava imenso. E vulnerável.

Entre o momento em que chegou a directora da PJ, em Julho de 2007, e aquele em que saiu, em Maio de 2011 - pressionada pelas ameaças de morte e a intimidação de chefes militares -, foram realizadas importantes apreensões de droga e presos suspeitos de narcotráfico. Eram colombianos, venezuelanos, nigerianos e alguns guineenses, incluindo militares. Mas nenhum foi julgado ou condenado. Também foram feitas pequenas apreensões de cidadãos africanos de vários países que tentavam embarcar em voos comerciais para a Europa, via Lisboa.

O país já estava então no coração da rota do tráfico internacional que liga a América do Sul à Europa e Estados Unidos com passagem pela África Ocidental. Era habitual ouvir as avionetas a pousar e levantar voo e ver barões da droga ou seus representantes a circular livremente pelas ruas da capital - vivendo em hotéis e dispondo de instalações militares para guardar a droga que traziam da Colômbia e da Venezuela.

Uma nova etapa?

Bubo Na Tchuto era então chefe do Estado-Maior da Marinha, e mesmo quando deixou de o ser, em 2008, manteve uma grande influência. "Ele foi o homem que, durante muitos anos, dominou os mares da Guiné", salienta Carmelita Pires. Foi o primeiro alto oficial guineense suspeito de ligações ao narcotráfico. Mais tarde, houve outros.

Na semana passada, Bubo Na Tchuto foi preso pelas autoridades norte-americanas e conduzido para os Estados Unidos, onde é acusado de ligações ao narcotráfico e conspiração para introduzir grandes quantidades de cocaína nos EUA, onde será presente uma segunda vez ao juiz na próxima segunda-feira. Carmelita Pires diz: "Hoje tenho a convicção de que amanhã será diferente. Dantes não tinha essa certeza. Não posso aceitar que, no meu país, antigos combatentes estejam envolvidos em actividades criminosas, como o tráfico de armas e o narcotráfico. E digo "Antigos Combatentes" com letra grande", frisa, "pois foram os homens que nos deram a nação". Bubo Na Tchuto era um deles.

"[A prisão de Bubo Na Tchuto] é uma chamada de atenção para a justiça guineense assumir as suas responsabilidades e para que os militares saibam que não estão acima da lei", acrescenta Lucinda Barbosa. Outro dos indiciados pelos EUA por envolvimento no narcotráfico desde 2010 é Ibraima Papa Camará, actual chefe do Estado-Maior da Força Aérea. Mas não será o único.

Bubo Na Tchuto foi preso em águas internacionais, ao largo de Cabo Verde, por agentes encobertos da Drug Enforcement Agency (DEA) norte-americana, envolvidos numa missão operacional desde Junho de 2012. Os agentes faziam-se passar por representantes das FARC na Colômbia e negociavam a passagem de pelo menos quatro toneladas de cocaína pela Guiné-Bissau, em troca de benefícios para o poder guineense; a droga seria vendida nos EUA e o dinheiro entregue à guerrilha colombiana, que Washington inclui na lista de "organizações terroristas".

Bubo Na Tchuto era figura central desta operação, que envolvia ainda, pelo menos, dois outros militares, e seria feita - segundo a Reuters, que cita a acusação dos EUA - com o conhecimento do Presidente de transição, Manuel Serifo Nhamadjo, nomeado pelos militares golpistas do 12 de Abril. O que farão agora os EUA? Lucinda Barbosa e Carmelita Pires esperam que esta prisão seja um primeiro virar de página no seu país.

Lucinda Barbosa fala agora pela primeira vez desde o golpe de Abril, quando as ameaças de morte se tornaram mais frequentes. Dois militares à paisana foram a sua casa, com armas de assalto, à sua procura. Não estava. Pouco depois, deixou o país.

Olha para trás, para o momento em que assumiu o cargo de directora da PJ: "A situação do narcotráfico já era visível. Os militares participavam e protegiam os narcotraficantes. O transporte da droga com o uso dos aviões ou das viaturas para o interior era muito visível", lembra.

Em Cufar, no Sul, perto de Catió, foi apreendida uma cisterna de combustível. As movimentações para abastecer aviões e avionetas eram constantes, bem como a regularidade dos voos em Cufar e Bubaque, no arquipélago dos Bijagós.

Destino da droga: Europa

A droga saía do Sul, por estrada ou mar, e chegava a Bissau, onde era armazenada. O destino final era a Europa, por mar ou avião. Lucinda Barbosa recorda que foram feitas várias detenções de guineenses, cabo-verdianos, nigerianos ou senegaleses, que tentavam passar a droga para a Europa em voos comerciais para Lisboa, sendo esta a única ligação europeia directa com Bissau.

Quando era em grandes quantidades, a droga também saía por mar. Nas zonas Norte e Leste, as antigas pistas de aviação e os portos de Ingoré e de Fulacunda, utilizados no tempo da presença portuguesa, foram especialmente reactivados para esse fim.

E, no imaginário colectivo, SOMEC deixou de representar uma antiga empresa de construção portuguesa e passou a ser um dos lugares mais emblemáticos de uma nova realidade que mergulha Bissau na desconfiança e no desconhecido. As suas instalações foram ocupadas pelos narcotraficantes.

O dia-a-dia de Lucinda Barbosa tornou-se numa luta constante. Bubo Na Tchuto ameaçou-a publicamente, dizendo que sabia que era ela quem estava a fornecer informações aos americanos. E quando, numa reunião no Estado-Maior entre responsáveis políticos e Forças Armadas, os militares deixaram claro que nenhum deles poderia ser responsabilizado se algo viesse "a acontecer à Lucinda", ninguém, entre os responsáveis políticos, da Presidência ao Governo, ainda no tempo de Malam Bacai Sanhá e do primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior, se levantou e mostrou firmeza face aos militares e em defesa da chefe da polícia.

Durante muito tempo, ela resiste. Mas, em Maio de 2011, dirige um pedido de demissão, escrito pelas suas próprias mãos, ao então ministro da Justiça (já depois de Carmelita Pires sair), que o aceita. A magistrada formada no Centro de Estudos Judiciários de Lisboa é nomeada directora-geral da Viação e Transportes Terrestres, onde continua a ser perseguida. "Infelizmente, onde eu estiver, eles vão sempre procurar-me", diz agora. Pouco menos de um ano depois, o seu gabinete foi arrombado e invadido pelo actual chefe de Estado-Maior da Marinha, ligado ao golpe de 12 de Abril. Antes, telefonaram-lhe a pedir a chave, o que ela recusou. Em Julho, saiu do país. O chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), general António Indjai, ainda hoje diz estar "à espera da Lucinda" para um ajuste de contas.

Ameaças e telefonemas

"Eram ameaças de morte em telefonemas nocturnos." É Carmelita Pires quem agora fala. Mas podia ser Lucinda Barbosa. A vida de ambas estava, nesses anos, virada para o combate ao tráfico. As duas estiveram sob ameaças semelhantes. "Quando me ameaçavam, também diziam que eu tinha sorte em ser mulher. Se não fosse, já estaria morta, diziam."

Mas não foi por isso que, numa noite, em 2008, fez as malas e encaixotou livros e tudo o que tinha para deixar Bissau. Nesse dia, ficou retida o dia todo, em que ficou incomunicável, numa reunião de conselho de ministros, chefiada pelo Presidente da República. Quando saiu da reunião, os dois narcotraficantes venezuelanos, presos dias antes pela PJ, tinham sido libertados. Entre eles, estava Antonio Carmelo Vasquez Guerra, procurado internacionalmente por narcotráfico. "Nesse dia, perdi a cabeça", diz a advogada e mestre em Direito pela Universidade de Lisboa.

Mas, depois de fazer as malas, Carmelita Pires mudou de ideias e passou o resto da noite a desfazê-las. Decidiu ficar. E pensou: "Eu não vou a parte nenhuma. Se eles quiserem, que me tirem daqui. Eu não vou desiludir a comunidade internacional, nem me vou desiludir a mim própria."

Acabou por sair do país em Abril de 2009, por iniciativa da embaixada dos EUA, que considerou que a sua vida estava em risco. Foi colocada em Abuja, na Nigéria, como conselheira especial do presidente da comissão da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) para as questões do narcotráfico - tinha contribuído para a criação do Plano Regional de Combate ao Narcotráfico, discutido em Cabo Verde. A missão em Abuja poderia ter sido prolongada, mas, no ano passado, Carmelita Pires, planeou regressar a Bissau. E continua à espera de poder voltar.

Ainda em Bissau, Carmelita Pires chegou a receber, no seu gabinete, pessoas que traziam da parte dos militares um conselho: "Diziam para eu parar e me lembrar que quem tinha as armas eram eles. Eu respondi que quem tinha a caneta nas mãos era eu."

Carmelita Pires tinha sido reconduzida para o Governo de iniciativa presidencial liderado por Nino Vieira, em 2008, por exigência da comunidade internacional, que valorizava o papel da governante no combate ao narcotráfico. Um ano antes, na sua chegada ao Ministério da Justiça, fora contactada por agentes da DEA que lhe perguntaram se sabia que "os militares estavam envolvidos no narcotráfico". Seguiram-se "vários embates". Carmelita Pires lembra-se de estarem as duas - ela e Lucinda Barbosa - a trabalhar nas instalações da PJ, quando um homem apareceu dizendo que os dois colombianos presos por narcotráfico eram hóspedes da Presidência, dando a entender que deviam ser libertados - o que ambas recusaram.

Foi depois de uma importante operação em 2007, em que foram presos esses dois colombianos suspeitos de narcotráfico em Bissau. Viviam na capital guineense e a sua base era o armazém da SOMEC. Com a sua detenção, foi apreendida uma soma de quase 100 mil euros, armas, munições e gás paralisante, telemóveis, que foram enviados à Interpol, para investigação, e um quadro que listava nomes de responsáveis militares e políticos no país, com setas a indicar eventuais ligações. Esse quadro, diz Lucinda, mostrava "a dimensão e a promiscuidade" entre narcotraficantes e figuras do topo da Guiné. E parecia revelar "uma tentativa de controlar tudo" no país.

Cooperação com Portugal

A apreensão de material e a detenção de narcotraficantes, nessa operação de 2007, deram ímpeto à investigação a que se juntaram polícias internacionais - Interpol, Polícia Judiciária e GNR portuguesas -, bem como o FBI e a Drug Enforcement Agency (DEA).

Apesar das resistências, a PJ confiscou o dinheiro apreendido e a então ministra Carmelita Pires solicitou junto do primeiro-ministro a abertura de uma conta consignada junto ao Tesouro Público denominada "Combate ao Narcotráfico". Esse dinheiro foi utilizado para comprar algemas e duas viaturas para a PJ e melhorar as condições nas celas nas suas instalações. Mas os suspeitos, que tinham como defensor o bastonário da Ordem dos Advogados na altura, foram libertados com a conivência do Ministério Público.

Pouco depois, em Janeiro de 2008, dois membros da Al-Qaeda eram detidos em Bissau. Mohamed Chabarnou e Sidy Ould Sidne eram procurados pelo assassínio de quatro turistas franceses na Mauritânia e foram entregues à Mauritânia, por decisão administrativa no âmbito da cooperação internacional. A sua passagem por Bissau reforçou a convicção de que o terrorismo na África Ocidental estava a ser financiado pelo narcotráfico. "A presença destes dois homens em Bissau demonstra-nos que há uma fragilidade do país" e que este pode estar a ser utilizado não só pelos narcotraficantes mas também por grupos terroristas, diz Lucinda Barbosa.

Pirataria e crime organizado

Kofi Annan, secretário-geral da ONU entre 1997 e 2007, lamenta hoje que a comunidade internacional tenha, nos últimos 10 anos, ignorado a ameaça colocada por "Estados corruptos como a Guiné-Bissau" e recomenda "cuidado quando se lida com Estados falhados". Se, na Somália, a indiferença levou à pirataria, sugere Annan, na Guiné-Bissau facilitou o narcotráfico.

"Ignorámos a Somália durante 20 anos e quando [essa inacção] nos foi devolvida com a pirataria, toda a gente acordou", disse Annan, em Janeiro deste ano. "De certa forma, estamos a fazer o mesmo com a Guiné-Bissau. Foi onde [o narcotráfico] começou e nós permitimos que ele aumentasse." Dias antes, o seu sucessor, Ban Ki-moon, tocara num ponto sensível da situação na Guiné-Bissau. Num relatório apresentado ao Conselho de Segurança da ONU, denunciava o aumento da criminalidade organizada no país com "o apoio de membros das forças de defesa e segurança e das elites políticas" desde o golpe de Estado de 12 de Abril de 2012.

Um ano passou. Continuaram a ouvir-se as avionetas a entrar e a sair do país. E com maior frequência. "Centenas de quilos de cocaína estarão a entrar clandestinamente em cada operação" e cada operação terá lugar "uma ou duas vezes por semana sem nenhuma intervenção dos poderes públicos", notava Ban Ki-moon nesse relatório. Este golpe segue-se a outros num país marcado pela violência. Ainda presente na memória de muitos, estão os assassínios do ex-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) general Tagmé Na Waie e do Presidente Nino Vieira em Março de 2009. Mas este golpe não é como os outros. As perseguições continuam a alimentar o medo e o novo poder, reconhecido pelos países da região, ainda não marcou uma data para as eleições. Público

Os melhores dias acabam sempre por chegar


Para os imprudentes, a impensável investida da diligente justiça norte-americana no nosso longínquo território, aconteceu mesmo! E deambulam eminentes confrades da ganância institucionalizada, com umas notas verdes algures, por ostentar, aos olhos da miséria nacional, que entretanto, mal os chegam, para comprarem breves períodos de um sono tranquilo. Por falar nisso, deve pairar pelas noites inconfessáveis, um terrível surto de insónia.

Mas a vida é assim. Uma sucessão de oportunidades e opções. E graças ao acaso, nós de nacionalidade guineense, e mais quem connosco, queira conviver, pertencemos a um território, com imensas potencialidades, para garantir auto-suficiência a todos, e muitas prosperidades aos mais competentes, no lugar de tudo que tem sido o motivo das nossas desgraças. Basta que para isso, tenhamos em consideração primária, os mais básicos desígnios nacionais; basta que para isso, comecemos por desenvolver uma sólida cultura de trabalho; e basta que para isso, optemos pelo mais que natural, reconhecimento do mérito.

De referir, com uma agradável surpresa, a forma como a prática escolhida pelo actual representante do Secretário-Geral das Nações Unidas, na Guiné-Bissau, de não se limitar às formalidades diplomáticas e técnicas, do costume, mas sobretudo, num engajamento quase patriótico, optar por um trabalho pedagógico de fundo, está a anular cada vez mais, o meu cepticismo inicial, em relação ao sucesso da sua missão.   Como sempre acreditei, combatendo com veemência para tal, através de todos os meios democráticos ao meu alcance, o golpe em curso, está nos dias das amarguras, e os crónicos prevaricadores andam a chapinar num pântano de frustrações, com as mandíbulas espetadas num punhado de lama, que jamais os alimentará, tanta é a ansiedade de engordarem os buchos, desperdiçando os seus já diminutos créditos políticos. A verdade encontra constante dinamismo em tudo, para contra a mentira, triunfar. Até nas próprias razões duma perfeita mentira.

Ser, Conhecer, Compreender e Partilhar.

Flaviano Mindela dos Santos

No Ruanda, para discutir "processo de reconciliação" na Guiné-Bissau


Numa visita que coincide com o 19º aniversário do Genocídio no Ruanda, Peter Thompson, Coordenador do Grupo Parlamentar Britânico para a Guiné-Bissau, desloca-se a este país para reunir-se com vários líderes políticos, como parte de uma visita a vários países africanos que tiveram processos de reconciliação nacional. Peter Thompson foi nomeado como mediador externo no processo parlamentar de reconciliação, fazendo uso da sua experiência no processo de paz da Irlanda do Norte, uma região da Grã-Bretanha. Recorde-se que o conflito étnico na Irlanda do Norte matou quatro mil pessoas e feriu com gravidade mais de 60 mil, numa população de apenas 1,6 milhões de pessoas. Thompson irá representar estas vítimas e os sobreviventes numa cerimónia comemorativa em Kigali, a capital do Ruanda.

“Defendo a procura de soluções africanas para problemas africanos e quero perceber como processos de unidade nacional em outros países africanos podem inspirar a Guiné-Bissau”, disse Thompson, acrescentando que depois irá “discutir estas ideias com a comissão de reconciliação em Bissau”. Refira-se também que, recentemente, Thompson encontrou-se com o ex-presidente dos EUA Bill Clinton para discutir o processo de reconciliação na Guiné-Bissau.

Na sua intervenção, na Assembleia Nacional Popular, Lord Teverson, Presidente do Comité dos Negócios Estrangeiros do Senado Britânico, que acompanhou Peter Thompson na sua última visita a Bissau, disse que a independência da Guiné-Bissau “chegou tarde demais”. Este mesmo responsável britânico afirmou ainda que apenas a Assembleia Nacional Popular tem o mandato legal para definir o futuro da Guiné-Bissau: “não é para um governo fazer, nem a comunidade internacional; são vós, os deputados da Assembleia, que têm a autoridade de realizar a visão do vosso grande fundador, Amílcar Cabral.”

quinta-feira, 11 de abril de 2013

O vizinho que, afinal, quer o nosso bem...


O representante do Secretário-geral das Nações Unidas na Guiné-Bissau, José Ramos Horta, e o Presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, comentaram hoje, na Cidade da Praia, as declaraçõs do Procurador-Geral da República da Guiné-Bissau, que falou - nesta Quarta feira - de uma campanha contra a Guiné-Bissau, referindo-se a «bons e maus vizinhos», sem citar o nome de nenhum País.

José Ramos Horta esteve na Cidade da Praia, onde teve encontros com as autoridades cabo-verdianas, para analisar eventuais soluções para a crise político-militar na Guiné Bissau, desencadeada há precisamente um ano. José Ramos Horta aproveitou para desvalorizar as acusações do Procurador-Geral da República  guineense, Abdu Mané, que afirmou na passada Quarta – feira, que a Guiné-Bissau tem "má vizinhança", fazendo ainda referência aos PALOP. Um comentário que foi interpretado como uma referência a Cabo Verde. Também o Presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, comentou aquelas declarações do Procurador-Geral da República da Guiné-Bissau, Adbu Mané, mas sublinhou os fortes laços de amizade que unem as duas nações.

Declarações obtidas com a colaboração de Odair Santos, correspondente da RFI em Cabo Verde.

Guiné-Bissau: 13% mais próximo da guerra


Passado 1 ano do golpe do 12 d'Abril na República da Guiné-Bissau (RGB), o cenário da encruzilhada não poderia ser maior, sobretudo após a detenção do Contra-Almirante Bubo Na Tchuto pela americana Drug Enforcement Agency (DEA), o qual já desde 2010 fazia parte da lista dos chamados "Barões da Droga", do Departamento d'Estado americano. Em cima da mesa estava uma transacção de 4 toneladas de cocaína, da Colômbia para a RGB.

Esta detenção obedece também a um ajuste de contas entre a DEA e Na Tchuto, já que consta que este terá assassinado um dos seus melhores agentes nos idos de 2010. De forma telegráfica, a RGB serviu de refúgio a 3 jihadistas mauritanos após terem assassinado 4 turistas franceses, no sul da Mauritânia na véspera de Natal de 2007. Entre fugas e capturas várias após o crime, os 3 assassinos chegam a Bissau, onde são detidos pelas autoridades locais em colaboração com serviços d'inteligência estrangeiros, conseguindo evadir-se de novo pouco tempo depois. Consta também que o conseguiram através da ajuda e influência do Contra-Almirante agora detido, passando a beneficiar da sua segurança directa. Os americanos, interessados em deter estes indivíduos, enviam para a RGB uma espécie de 007 da Agency em África, o qual acaba por cair nas mãos dos homens de Na Tchuto, sendo mais tarde morto à catanada e com um sinal claro da presença de extremistas islâmicos no local e no acto, já que o corpo estava degolado. Este detalhe reforça as desconfianças de que Bubo Na Tchuto, para além de traficante, terá ligações a células da Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI) na Mauritânia, na Guiné-Conakri, no Mali e na Gâmbia.

Quanto aos criminosos mauritanos, foram de novo capturados, enviados para o seu país d'origem, julgados e condenados à morte, em 2010.

Consequências da detenção de José Américo Bubo Na Tchuto

a) Percebe-se desta forma porque que é que as autoridades americanas têm pedido a colaboração do CEMGFA António Indjai, sendo que ao mesmo tempo não reconhecem as Autoridades Oficiais Provisórias. O interesse é mútuo, os americanos queriam deter Na Tchuto e Indjai queria livar-se dum concorrente. Decorria um processo de reabilitação da figura do Contra-Almirante no seio da instituição militar, a propósito duma tentativa de golpe d'Estado a 26 de Dezembro de 2011, a qual era acusado de ter liderado. Nada ficou provado, ou achou-se por bem que assim fosse e, Na Tchuto já tinha dito publicamente que só aceitaria o processo de reabilitação, caso fosse reintegrado como CEMGFA, destituindo desta feita o actual, António Indjai;

b) A primeira novidade da acusação apresentada pelos americanos é absolutamente demolidora para as duas principais figuras do Período de Transição. O Presidente Interino Manuel Serifo Nhamadjo e o Primeiro-Ministro Interino Rui Duarte Barros, são implicados nas gravações apresentadas como provas pela DEA. Um "depois de amanhã vou falar com o Presidente da República", terá sido dito por militar d'alta patente envolvido no negócio, sendo que outros também referiram noutros momentos que falariam com "o Primeiro-Ministro e com o Presidente", e que a comissão destes para olharem para o lado enquanto tudo decorreria, seria de 13% do produto/negócio (aqui não é claro se do valor da transacção, ou directamente do produto). Ambos gabinetes já desmentiram e demarcaram veementemente, tanto o PR como o PM destes factos, mas a verdade é que o estrago já está feito. Mesmo que se venha a provar que não são verdade e que foram ditos apenas para impressionar, a dúvida vai sempre pairar.

Uma segunda novidade, não menos demolidora, é a de que o pagamento da transacção seria efectuado em armas, incluindo mísseis terra-ar, legitimamente comprados pelo Estado guineense e depois entregues ao fornecedor da droga, o qual representava as FARC colombianas (agentes da DEA fizeram-se passar por elementos deste grupo marxista revolucionário);

c) Que credibilidade é que este PR e este Governo vão agora ter para continuar o seu trabalho? Do ponto de vista interno, o assunto "recenseamento biométrico/eleições" continua por se definir, há já um ano, sendo que o Período de Transição já foi extendido até ao final do ano, na espectativa de que tudo s'organize um pouco à portuguesa, em cima do joelho, para umas eleições com cadernos eleitorais desactualizados desde 2009, uma das justificações para a recusa da participação na 2ª volta das Presidenciais de há um ano, por parte de Kumba Ialá e doos restantes candidatos eliminados na 1ª volta.

Qual a credibilidade duma prevista remodelação governamental, inclusiva do PAIGC, após este ter finalmente assinado o Pacto de Transição?

Do ponto de vista externo, este Governo e Presidência Interinos, até estavam quase a serem reconhecidos pelas instâncias internacionais, já que estes tinham percebido a inevitabilidade dos respectivos apoios para que o calendário eleitoral fosse cumprido. A determinada altura, pareceu-me que tudo dependeria dum acordo prático que tardou. Marcava-se uma data concreta para a realização das eleições (com ou sem recenseamento biométrico, perdeu-se demasiado tempo nesse debate), aquando duma das reuniões magnas da CEDEAO, a União Africana apoiava, reconhecia o Período de Transição, o que permitiria a que as restantes instituições também o fizessem, sobretudo depois das boas vontades das Nações Unidas em nomearem Ramos-Horta seu representante e também após já este ano o regresso do FMI.

E agora, como fica? Alguém vai reconhecer? Sem reconhecimento não há financiamento e sem financiamento não há eleições. Continua-se a correr o risco, mas agora ainda mais que há um ano, da Comunidade Internacional pura e simplesmente abandonar a RGB e esta ficar ao nível da Somália, conforme já foi aventado pelo Secretário-Geral Ban Ki Moon e passar a ter golpes d'estado, mas de bairro e diários. Haverá certamente sectores na RGB e arredores, interessados em que assim seja e que o poder caia na rua. A RGB pode correr o risco de desaparecer, como já muito bem advogaram o antigo Embaixador Francisco Henriques da Silva, o Representante do Secretário-Geral da ONU Ramos-Horta e demais entendidos no país e na região;

d) Para além da Primatura e da Presidência, a instituição militar também sai muito mal na fotografia. Nas notícias que saiem a público fala-se em oficiais d'alta patente envolvidos, que por ora os nomes são omitidos, mas que muito provavelmente virão a público a partir do próximo dia 15,  data do início do julgamento em Nova York. Com a perspectiva duma mais que certa sentença de prisão perpétua, o mais certo é que os detidos aceitem colaborar e abram jogo, garantindo a redução de penas.

Por outro lado, o Capitão Pansau N'Tchama também está a ser julgado em Bissau, tendo já "disparado" em várias direcções militares e civis.

Quem se aguentará no Poder em Bissau, no meio deste fogo cruzado? Certamente que haverá sectores, indivíduos que optarão por uma fuga para a frente, numa lógica de "perdido por 1, perdido por 1000".

O cenário poderá ser catastrófico, com um regresso a uma guerra nunca tão sangrenta como agora, baseada nas disputas pessoais, ajustes de contas antigos, tensões étnicas e agora religiosas também, sobretudo entre muçulmanos sunitas e xiítas. Um dado novo e recente, este último.

A Guiné-Bissau no contexto da guerra do Mali

O problema do tráfico de droga, trata-se duma questão de dimensão regional e não apenas da RGB. Ora se um dos objectivos da intervenção militar francesa no norte do Mali é o de eliminar os grupos jihadistas que aí encontraram guarida, então convém começar a tratar do assunto a montante, precisamente na RGB, evitando a entrada da droga, cujos dinheiros irão alimentar estes grupos, a par do tráfico d'armas e outros, já que nestas zonas inóspitas do Sahel tudo se trafica, incluindo pessoas/crianças.

Neste sentido, parece-me que a abordagem levada a cabo desde o exterior está a ter esta dimensão e esta coordenação regional.

A grande preocupação actual da CEDEAO relativamente ao Mali, é a de começar a trabalhar os mecanismos burocráticos e legais, para em breve transformar a AFISMA* numa Missão de Peacekeeping. Ora seguindo a lógica da abordagem regional, poderá estar no programa o alargamento/extensão no futuro desta Missão de Manutenção de Paz para a RGB. Mas para que a paz seja mantida, parece-me que primeiro é necessário que haja guerra, cenário cada vez mais provável de acordo com os acontecimentos da última semana.

Como nota final, uma curiosidade local, um wishfull thinking bissau-guineense transversal a toda a sociedade. É normal ouvir-se nas conversas de salão e de café, na RGB e junto da diáspora o seguinte desabafo: "Isto só lá vai com o país a ser governado pelas Nações Unidas", numa alusão clara à presença e exercício da UNTAET em Timor-Leste entre 1999 e 2002, a qual deteve de facto totais poderes executivos, legislativos e judiciais no país. Ora a chegada de Ramos-Horta à RGB veio certamente alimentar esta chama, a qual norteará cada vez mais o cidadão comum da RGB à medida que a situação se for deteriorando. Há a noção da necessidade duma purga. Mais uma, mas que dada a gravidade e insistência da situação, se pretende que seja benígna e a última!

Por: Raul M. Braga Pires, in www.expresso.pt