sábado, 26 de maio de 2012
Gostava de vos ver aqui
A vigília pela paz na Guiné-Bissau acontece hoje, das 20h às 23h, na igreja do Campo Grande, em Lisboa e é organizada pelo Fórum dos Guineenses Católicos em Portugal. Aos guineenses, independentemente da sua cor partidária, independentemente de apoiarem, ou não, o golpe de Estado de 12 de Abril: APAREÇAM, e tragam uma vela. A Guiné-Bisssu é de todos, mas, se me permitem, será mais daqueles que não embarcam em golpes, inventonas ou intentonas.
Basta de medo!,
Basta de sangue!,
Basta de mortes!
Vem dizer NÃO!, aos golpes de Estado na Guiné-Bissau.
António Aly Silva
... O Perfume (o livro)
"Olá, Aly
Estava no Facebook, quando uma pessoa por quem tenho enorme respeito, apesar de muitas vezes discordar do que escreve, publicou um artigo sobre a sua prisão. Despertou-me a atenção, porque seres humanos rebeldes e corajosos são sempre fascinantes. E nos seus olhos existia a centelha que vi nos olhos de uma menina (é já uma mulher e mamã, enfim...) que conheci em Moçambique. A mesma cor, a mesma coragem, a mesma força de Vida e a mesma sombra. Aquela sombra…
A menina de que lhe falo, chega a Xai-Xai (Moçambique), com os seus 23 anos, uma cadela e a força do seu olhar. O seu objectivo: marcar a diferença na vida das crianças da Praia de Xai-Xai. E sozinha construiu essa diferença. Imagino que, neste momento, esteja muito cansado. Imagino apenas, porque sei o quanto a vida africana nos consome em emoções, mas não sei o que é viver essa luta que está viver. E é aí que cada um de nós estará sempre sozinho. Só o António Aly saberá qual é o motor da sua existência, quais são os seus objectivos, qual a sua missão e os seus limites.
Apenas lhe vou dizer algo e perdoe-me se considerar uma intromissão: o António é dono do seu destino, mais ninguém. Neste momento, é muito conhecido. Nestes casos, lembro-me sempre do livro o Perfume. As multidões (existe sempre uma parte de nós que deseja, ainda que inconscientemente, atrai-las) podem acabar por nos devorar. Seja leal a si próprio nas suas decisões, apenas isso. As únicas pessoas a que deve algo são aquelas que ama e que o amam e que generosamente aceitam estar consigo, apesar de terem o coração sempre em sobressalto. E essas estarão sempre consigo, seja quais forem as suas decisões.
Anteriormente enviei-lhe uma mensagem, desejo sinceramente que não o tenha ofendido. Não sabia quem era. Apenas a sua história me comoveu. Não sabia que não precisava dessa ajuda. Vivemos tempos esquisitos, cada ser humano com a sua luta. A coragem de uns serve de força para outros. As histórias de uns servem de motor para outros. E no fundo, o que fica é que todos somos humanos, demasiado humanos e às vezes, maravilhosamente humanos.
Desejo que esteja recuperado e com a maior serenidade possível, dentro das circunstâncias. Cada ser humano sabe do seu destino e não vou fazer qualquer consideração sobre esse assunto. Apenas desejo que uma energia superior o proteja, assim como aos que estão junto a si. Se necessitar de qualquer colaboração a nível humanitário, desde Portugal, basta informar o que é necessário fazer. A nível politico, não sou guineense, não tenho legitimidade para me intrometer.
Não necessita responder a esta mensagem, nem tão pouco agradecer. Há coisas mais importantes que tem a fazer.
Mas se necessitar de qualquer tipo de colaboração, não hesite. Não lhe desejo coragem, porque isso não lhe falta, mas desejo-lhe sabedoria e protecção,que nunca são demais.
Paz para o povo da Guiné. Que o António continue a contribuir para a construção dessa Paz e que a encontre em si. Não sei lhe deveria escrever isto, afinal não passo de uma utópica e o que o Aly precisa neste momento é de muita racionalidade: proteja-se. Sem se trair a si próprio, proteja-se.
Não conheço a Guiné, não vivi aí. Não se pode falar sobre nada, sem se ter vivido. Parece-me que o seu motor de vida está ligado à Guiné-Bissau. Um sentimento maior que tudo, chegando a ser obsessivo. Não sei se estou certa. Conheço esse sentimento e acho que só mesmo no contexto africano conseguimos sentir assim, sem nos sentirmos ETs. Em nenhum outro lado a natureza humana se revela de uma forma tão crua: na sua bestialidade, na sua crueldade, mas também na sua pureza, dignidade, força e superação. Em nenhum outro lugar somos tão verdadeiros perante nós próprios. No ocidente, encobrimos tudo isso com muitos conceitos ocos, à escolha para todos os gostos.
Oxalá, esteja errada, mas parece-me que os próximos tempos serão muito dolorosos para a Guiné.Mas em todos os lugares, existem pessoas que são catalizadores de mudança. E a verdadeira mudança faz-se com sabedoria e demora muito tempo.
Cuidado com os actos movidos pela adrenalina. A Guiné vai precisar de si, durante muitos anos. E que maior recompensa lhe poderá ser oferecida do que ver surgir uma nova Guiné, que ficará sempre muito aquém do que o Aly e pessoas como o Aly idealizaram, mas que será uma melhor terra para o seu povo. Tempos de Bosta, estes. Mas outros virão. Não se perca, Aly.
Imagino que sair da Guiné e aterrar na Tugalândia não seja o melhor dos bálsamos. Mas não se perca na dor e confusão. Posso estar errada, mas os seus textos estão confusos, doridos, violentos. Força! Não desista.Não desista de nada, inclusivé da sua saúde.
"Se perder um amor... não se perca!
Se o achar... segure-o!
Circunda-te de rosas, ama, bebe e cala.
O mais... é nada."
A maioria de nós, de alguma forma, está a perder algo, Aly. Se nos perdermos de nós próprios, a coisa vai ficar bem pior. Circundar de rosas, amar (existem tantas formas de amor). Força, você tem uma marca. Nada será fácil para si. Mas a natureza deu-lhe muitos dons para enfrentar tudo o que vier. É um previligiado. Depende de si, a forma como vai utilizar tudo isso como bálsamo para o seu sofrimento e dos demais.
Nkosi sikelel' iAfrika
E também a si.
Júlia R."
DE MISSANG A NEOCOLONIALISTAS PORTUGUESES, PASSANDO PELA ONU
Os argumentos dos golpistas guineenses, tentando justificar o golpe de estado e toda a ridicularidade que envolveu e envolve as recentes nomeações do Presidente e Primeiro-Ministro de Transição, estão a esgotar-se e a angariar cada vez menos simpatizantes guineenses e entre os principais parceiros económicos do nosso país! Actualmente, a “fuga em frente” no contexto político actual tem dessas coisas, principalmente quando estamos a falar de um dos países mais pobres do mundo e mais dependente das ajudas externas. Quem se aventurar em desrespeitar as regras da política económica internacional, inicialmente pode até angariar algumas simpatias pontuais e conseguir limpar alguns obstáculos do seu caminho, mas acaba-se sempre por “espetar com a cabeça na parede” e perceber que atitudes revolucionárias do género terão de ser muito bem justificadas para acolher alguma simpatia das potências económicas internacional, caso contrário, acabam a falar sozinhos.
Quanto mais tempo passar depois do golpe de 12 de Abril, mais os aventureiros golpistas vão aperceber-se do isolamento internacional a que submeteram o país e o seu povo e que a ajuda de alguns países regionais não chegarão para cumprirem com o mínimo necessário para a satisfação das necessidades da população. Por isso, quem se aventurou neste governo de transição, só pode ser ingénuo ou ambicioso e sedento do poder, porque é sabido que, no contexto actual, qualquer governo tem mais probabilidades de falhar e criar má imagem perante os eleitores, do que propiamente deixar saudades aos guineenses…
Antes de voltar aos argumentos dos golpistas a tentar justificar o injustificável, queria afirmar de forma clara a todos os guineenses que, este golpe não teve outra motivação que não a sede da manutenção do poder dos militares que têm consciência que uma reforma séria da defesa e segurança do país acabaria com o domínio que eles ainda detêm sobre o povo, que se encontra personificado no CEMGFA António Indjai, associada a sede do poder dos cinco candidatos contestatários das eleições.
Cada vez mais vai ficando mais claro que as motivações do golpe foram esses e desenganem-se os que pensarem o contrário. Felizmente que são cada vez menos! Os poucos civis que ainda se manifestam a favor do golpe, são apenas aqueles que sempre tiveram algum órgão visceral e pessoal ao CADOGO Jr. e ao seu enriquecimento. Esse enriquecimento, lícito ou ilícito, só ao Ministério Público e aos tribunais competem investigar, não passando todos os comentários de rua ou virtuais ao nível da insignificância onde se colocam os boatos… Estranho é que essas manifestações críticas ao Cadogo Jr e o seu governo, tenham carácter e intensidade periódica, chegando a haver alturas (de Maio de 2010, até a morte de Bacai Sanhá) em que não se viu publicações do género, com excepção do blog Ditadura do Consenso...
Voltando aos argumentos dos golpistas para justificar o golpe, primeiro agarraram-se à capacidade bélica da MISSANG e à necessidade da “defesa da soberania nacional”. Só que esqueceram-se que, numa democracia, o detentor do poder da defesa da soberania nacional é o povo, que elege nas urnas os seus representantes políticos que, por sua vez, definem os actos e declarações que constituem a ameaça á soberania nacional e os meios e métodos a usar para a sua defesa. Salvo raras excepções, a força militar é apenas um instrumento para a objectivação da defesa da soberania e, não pode transformar-se de forma leviana em detentora dessa soberania, mesmo contra aqueles a quem o povo confiou a condução do país
Quando se aperceberam que MISSANG era um argumento perigoso, muito carente de popularidade, pelo contrário, até motivou manifestação popular a solicitar a permanência dessa força estrangeira no país, rapidamente surgiu a carta que Cadogo Jr. escreveu a ONU, a solicitar a intervenção na Guiné, como se ao nível da política internacional é assim que essas coisas se processam e que o contingente militar da ONU representa ameaça aos militares dos seus países membros!
Agora, querem estimular o sentimento nacionalista e ultrapatriótica do povo, contra o ex-colonizador e a CPLP, tentando garantir a simpatia popular e, ao mesmo tempo, tentarem angariar algum parceiro europeu que lhes abrissem algumas portas aos financiamentos externos. Por isso, decidiram declarar guerra verbal a esses dois países, com acusações já gastas da era pós-independência, de sentimentos neocolonialistas do nosso ex-colonizador.
Um dado curioso, é ouvir o porta-voz do Comando Militar a dizer que Paulo Portas devia preocupar-se com quem está a servir o café da manhã e o jantar, insinuando que esse (o Cadogo Jr. Jr.) é que é o dono da empresa de controlo das bagagens no aeroporto, portanto, na lógica de um doutorando em direito, torna-o automaticamente suspeito de participar ou facilitar o tráfico de droga!!! Nos seus “brilhantes” conhecimentos de direito, como é que Daba Na Walna enquadra legalmente aqueles que protegem e facilitam a aterragem de aviões carregados de droga, em aeroportos desactivados? Será que o melhor enquadramento legal para esses traficantes é nomeá-los CEMGFA? Julgo que Daba Na Walna deve preocupar-se mais com quem anda a bajular, do que Paulo Portas com quem anda a servir!
Esses dois últimos argumentos, só colheram simpatias dos mesmos que eu já tinha referido acima e que de noite para dia tornaram-se Constitucionalistas de qualidade superior a aqueles detentores de títulos académicos que se pronunciaram sobre a legalidade da candidatura presidencial de Cadogo Jr.
O povo, esse continua a exigir o retorno à legalidade constitucional e ao respeito as suas vontades expressas nas urnas, apesar das restrições e espancamentos a que são submetidos…
Jorge Herbert
COMUNICADO da UNIOGBIS
COMUNICADO DE IMPRENSA
25 Maio 2012 - No quadro das suas consultas regulares sobre a Guiné-Bissau, embaixadores e representantes de organizações internacionais acreditados no país reuniram-se hoje em Bissau sob a presidência do Representante Especial do Secretário-Geral e chefe do UNIOGBIS Joseph Mutaboba, para analisar a situação no país à luz da Resolução 2048 do Conselho de Segurança aprovada a 18 de Maio último.
No seu parágrafo 3, a resolução “pede ao Secretário-Geral para que se mantenha ativamente envolvido no processo de mediação e que harmonize as respectivas posições dos parceiros bilaterais e multilaterais”, em particular a União Africana (UA), a CEDEAO, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a União Europeia (UE) e “garantir a maior coordenação e complementaridade dos esforços internacionais a fim de desenvolver uma estratégia integrada e abrangente com medidas claras destinadas a implementar a reforma do sector de defesa e segurança, reformas políticas e económicas e o combate ao narcotráfico e à impunidade”.
Os participantes tiveram discussões frutuosas e concordaram em manter-se envolvidos com vista à normalização da situação política e sócio-económica na Guiné-Bissau no quadro da Resolução 2048 do Conselho de Segurança.
www.uniogbis.unmissions.org
COMUNICADO - Liga Guineense dos Direitos Humanos
MEMBRO DE:
FIDH – Federação Internacional dos Direitos Humanos
UIDH – União Internacional dos Direitos Humanos
FODHC-PALOP – Fórum das ONGs dos Direitos Humanos e da Criança dos PALOP
Fundador do Movimento da Sociedade Civil
PLACON – Plataforma de Concertação das ONGs
MEMBRO OBSERVADOR JUNTO DE:
CADHP – Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos
COMUNICADO À IMPRENSA
A Liga Guineense dos Direitos Humanos registou com muita preocupação e tristeza, mais uma demonstração abusiva de força por parte das autoridades militares e paramilitares contra manifestantes pacíficos na sequência do golpe de estado do dia 12 de Abril de 2012. Ontem dia 25 de Maio de 2012, um grupo de cidadãos que se manifestava contra o golpe e a favor da democracia, foi brutalmente espancado pelos agentes afectos a Guarda Nacional e Forças Armadas, em frente das instalações das Nações Unidas, tendo resultado num ferido grave, numa clara afronta ao direito internacional.
A Guiné-Bissau enquanto estado de direito reconhece o direito a liberdade de reunião e de manifestação como valor fundamental, ao qual, assiste a todos os cidadãos por forma a poder exprimir de forma livre e espontânea as suas opiniões sobre os assuntos de interesse publico. Porquanto, o seu exercício além de ser proclamada pela constituição da república, constitui um instrumento fundamental para a participação cívica dos cidadãos no aprofundamento da democracia, promoção da paz e reconciliação nacional.
Tendo em conta a gravidade destes actos de espancamento dos manifestantes que constituem mais uma vã tentativa de silenciar o povo guineense desencadeada desde o golpe de estado e de lhe negar o direito a paz, democracia e desenvolvimento, associada a necessidade do retorno a normalidade constitucional, a Direção Nacional da Liga delibera os seguintes:
1- Condenar firmemente a repressão brutal e gratuita dos manifestantes pacíficos, perpetrados pelos agentes da Guarda Nacional e das Forças Armadas;
2- Alertar a corporação militar e agentes policiais que de acordo com a lei, em particular os Estatutos da Condição Militar, não estão obrigados a cumprir ordens ilegais sobretudo, quando implica a prática de um crime.
3- Responsabilizar o Estado-Maior General das Forças Armadas e a Guarda Nacional, sobretudo este último, criada no quadro das reformas e modernização das forças de defesa e segurança, pela integridade física dos cidadãos;
Feita em Bissau, aos 26 dias do mês de Maio de 2012
A Direção Nacional
COMUNICADO - Movimento Nacional da Sociedade Civil
REPÚBLICA DA GUINE-BISSAU
MOVIMENTO
Movimento Nacional da Sociedade Civil para Paz Democracia e Desenvolvimento
COMUNICADO À IMPRENSA
O Movimento Nacional da Sociedade Civil para a Paz, Democracia e Desenvolvimento vem acompanhando com muita atenção e preocupação a situação polico-militar do país, sobretudo após a instalação de novas autoridades de trasiçao.
O Movimento da Sociedade Civil acompanhou através dos órgãos de comunicação social, (Radio Televisão Portuguesa) do acto bárbaro de espancamento protagonizado pela Guarda Nacional no dia 25 de Maio, contra manifestantes que legitimamente manifestavam a frente da sede da UNIOGBIS em Bissau.
O presente acto de espancamento demonstra de forma clara a verdadeira intenção dos protagonistas de Golpe de Estado que dentre outros, visa a implantaçao na Guiné-Bissau de um regime ditatorial, de restrição das liberdades fundamentais e da democracia que, foi uma conquista do povo guineense, na base de grande sacrifício, suor e muitas vidas humanas.
Perante a gravidade deste acto, o Movimento da Sociedade Civil para a Paz, Democracia e Desenvolvimento delibera o seguinte:
1. Condenar e repudiar o acto de espancamento e de proibição de manifestação protagonizada pelo Guarda Nacional;
2. Responsabilizar o Estado-Maior General das Forças Armadas e ao Ministério do Interior pelo referido acto;
3. Exortar ao Governo no sentido de tomada de medidas necessária para evitar que acto do gênero volte a repetir, bem como de ações conducentes a garantir e assegurar o livre exercício dos direitos e liberdades fundamentais aos cidadãos, mormente o direito a manifestação;
4. Apelar a comunidade internacional no sentido de continuar a acompanhar a situaçao no país e exigir as autoridades o respeito pelos direitos humanos e a liberdade fundamentais dos cidadãos.
Bissau, 26 de Maio de 2012.
Movimento Nacional da Sociedade Civil
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Movimento
E-mail: movimentosc@yahoo.com.br; elbachir_12@hotmail.com
Sede Provisória, Rua-Justino Lopes, Casa Nº13 (atrás da casa Escada), Tel (245) 6604831/675.20.31
Cp.n 65-Bissau/ Republica da Guine-Bissau
Sarabandeando
SARABANDA. Ou, A Primorosa de Alvalade. Frequento esta casa desde os anos '90, e, de cada vez que venho a Lisboa, visito-a. Aqui, sinto-me bem, sou bem acolhido, tanto pelo dono como pelos empregados. E apetece-me, hoje, falar do Henrique. Há sítios onde nos sentimos bem, confortáveis. Não nos incomodamos com nada, e o ambiente favorece. Comecei a frequentar o Sarabanda por influência de um amigo e quase-irmão: o Tó-Manel. À sexta-feira, e ao sábado era fatal. Um telefonema avisa: vamos. E temos a mesa. Eram duas garrafas de bom whisky. Bebíamos, felizes, sem nos importarmos com o passar das horas: a casa era mesmo ali ao lado, na Óscar Monteiro Torres.
O Sarabanda era frequentado por muitos guineenses, compatriotas nossos, gente sedenta de diversão. Hoje, passados mais de vinte anos, é a ÚNICA casa que eu frequento quando venho a Lisboa. Gosto, e os gostos não se discutem. Ponto. Sou bem recebido, a começar pelo porteiro. Um senhor simpático e afável, conhecedor da noite e dos clientes. Sorri para nós. Sempre que me vê à porta, larga um grande sorriso. "Bem-vindo, há que tempos!". Sabe bem. Fortalece-me por dentro.
Voltei ao Sarabdanda, ontem. Volvidos mais de dos anos (o tempo que já não vinha a Lisboa), o porteiro ainda se lembra da minha cara, o que é bom. Agradecido, retribuo animado. E contente. Frequento esta casa desde os anos '90 e não tenho razões para não voltar. Volto sempre, voltarei as vezes que forem necessárias. Uma, duas, as vezes que forem. Sinto-me bem ali. Nada me preocupa. Os clientes, ainda que os não conheça, sorriem, cumprimentam. É a alma do Sarabanda.
Mas apetece-me falar do Henrique. Um velho conhecido, do 'bar dos fumadores', que me cumprimenta com um aperto de mãos, de homem. Um amigo dos idos tempos. E, não, nunca falamos do Tó Manel. O Henrique sabe que o Tó deixou-nos faz tempo, mas que eu continuo a frequentar a casa, talvez pelo Tô, mas certamente pelo Henrique. Hoje, apresentou-me uma marroquina. "Falas francês?" - Oui, bien sure. E ela era simpática, uma senhora.
O prorietário da casa, um senhor 5 estrelas. Conhece-nos pelos nomes. "Vi-o há dias na televisão", disse-me preocupado. "Que tal está?". Tudo bem. Confidenciei-o. "Coragem, aquilo não é fácil". Concordamos. Uma palmada no ombro selou aquele encontro. Estou-lhe agradecido. Sabe bem voltar a casa, pensei. Podem tomar-me por um piquinhas, mas adoro o Sarabanda. Frequento-o sempre que venho a Lisboa - aliás, é a única casa que frequento. Sinto-me bem ali, mesmo junto à praça de Entrecampos, na Av. Estados Unidos da América.
O Saabanda merece uma visita, e dois dedos de conversa. Com o Henrique, ou qualquer dos empregados. Tem duas salas, uma com música ao vivo e outra para dançar. Em qualquer uma sentimo-nos bem. Somos tratados com respeito e amizade. E quem é que não gostaria de se tratado assim. Hoje mesmo, voltarei. Para umas imperiais e dois dedos de conversa com o meu amigo Henrique. Um abraço ao Sarabanda. António Aly Silva
sexta-feira, 25 de maio de 2012
Portugal: "Nova intervenção militar portuguesa não está em cima da mesa", diz o ministro da Defesa
O ministro da Defesa de Portugal, José Pedro Aguiar-Branco, descartou hoje o envio de uma nova missão militar para garantir a segurança da comunidade portuguesa na Guiné Bissau. «Tivemos uma missão que visou acautelar uma eventual necessidade de evacuar a comunidade portuguesa, caso houvesse risco, e essa força já foi objeto de retração. Neste momento, não está em cima da mesa uma nova intervenção das Forças militares portuguesas», afirmou à Lusa o ministro da Defesa, que se encontra no Rio de Janeiro. Aguiar-Branco informou ainda que discutiu a situação da Guiné Bissau com o ministro da Defesa brasileiro, Celso Amorim, durante a reunião realizada nesta quinta-feira, em Brasília. LUSA
Carlos Gomes Jr.: "Povo está a exigir o retorno do Governo saído das urnas"
O primeiro-ministro da Guiné-Bissau deposto pelo golpe de Estado de 12 de abril, Carlos Gomes Júnior, afirmou hoje, em Lisboa, que "o povo guineense está a exigir o retorno do Governo saído das urnas". Carlos Gomes Júnior e o Presidente interino também deposto pelo golpe de Estado, Raimundo Pereira, reuniram-se hoje com eurodeputados portugueses no Centro Jean Monnet, onde funciona a representação do Parlamento Europeu em Lisboa, numa iniciativa organizada pela eurodeputada socialista Ana Gomes. "Esta reunião foi bastante frutuosa para demonstrar que o povo guineense está a exigir o retorno do governo saído das urnas e nós vamos continuar a trabalhar nesse sentido", declarou Gomes Júnior aos jornalistas no final da reunião, em que também participaram o embaixador guineense em Lisboa e o ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo deposto.
A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) chegou a acordo com o Comando Militar responsável pelo golpe de Estado sobre um plano de transição para a Guiné-Bissau, que incluiu a designação de Serifo Nhamadjo para Presidente e um Governo de transição até à realização de novas eleições. Carlos Gomes Júnior reafirmou hoje que "é um governo ilegal, porque não tem sustentabilidade parlamentar". E acrescentou: "Ai de África se continuar a ter um exemplo desta natureza, em que meia dúzia de pessoas resolve depor o seu governo e arranja uma instituição estrangeira para vir dar o seu aval". O político guineense recordou, igualmente, que o seu partido, o PAIGC, obteve cerca de 67 mandatos sobre 100 nas últimas eleições e observou: "Não podemos continuar a trabalhar desta forma, ir às urnas e depois meia dúzia de pessoas porem em causa estas eleições, que foram declaradas pela própria comunidade internacional como sendo justas, livres e transparentes".
Depois de lembrar que que "a resolução do Conselho de Segurança" sobre a Guiné-Bissau "prima pelo cumprimento da lei e das normas internacionais", contra o golpe de Estado, Gomes Júnior manifestou a opinião de que "a comunidade internacional não vai continuar a pôr fundos num governo que não tenha saído do veredito popular". Ana Gomes recordou que o Parlamento Europeu já manifestou "uma clara rejeição de uma solução que não passe pela restauração da ordem democrática na Guiné-Bissau, pelo Governo legitimamente eleito e pela retoma do processo eleitoral" no âmbito das eleições presidenciais, interrompido pelo golpe de Estado.
A eurodeputada alertou ainda para a necessidade de proteger a população guineense de "um desastre humanitário de grandes proporções", com epidemias de cólera, por os serviços sanitários e de limpeza na Guiné-Bissau não estarem a funcionar em pleno devido à crise político-militar. Sublinhou, também, que "trabalhar pela governação democrática da Guiné-Bissau corresponde ao interesse estratégico de segurança da própria Europa, não deixando que as organizações de narcotráfico ali ativas se articulem com as redes terroristas já presentes no Sahel e na Nigéria". Na reunião participou também uma representante do eurodeputado do CDS-PP Nuno Melo, João Ferreira do PCP, o eurodeputado socialista Correia de Campos, uma representante do Bloco de Esquerda e ainda uma representante da organização não-governamental Afecto com Letras, com sede em Bruxelas e que trabalha com a Guiné-Bissau, envolvendo portugueses. LUSA
Tristeza e impotência
Oi irmão,
Segue este texto que te agradecia se possivel publicar no teu blog. A situação passou-se com a senhora minha mãe.
Um abração.
Eis o texto :
Estimado Sr Aly Silva,
Permita-me através do teu famoso e reconhecido blog, dar a conhecer uma situação que presenciei ontem, e que, pelo desmesurado comportamento dos intervenientes e a aparente injustificação do acto, merece a minha modesta indignação.
Ontem, fazendo o meu percurso habitual de regresso a casa apôs mais um dia de «paka-paka pa intchi barriga», um burbúrio de contestação no passeio por onde passava via sede dos Bombeiros Humanitarios junto à Presidência da República, chamou inadvertidamente a minha atenção.
Motivo : um pequeno grupo de jovens, maioritariamente moradores na zona rodeavam uma Senhora (cujo nome faço questão de omitir porque não me deu autorização para tal) que, inconsolávelmente abanava a cabeça, como que, a procurar compreender a razão para o que lhe acabara de acontecer.
Facto : funcionários da EAGB, segundo disseram, sob ordens expressas da Casa Civil da Presidência, vieram retirar de forma grosseira e com requintes de humilhação os cabos de alimentação da corrente eléctrica da sua moradia, cuja fonte de alimentação partia do posto da Presidência. A razão dessa conexão, tal como quase todos os seus co-vizinhos, deve-se ao facto de a Presidência ter a dita «corrente permanente», o séssame que todos procuram devido a permanente falta de energia electrica que assola a cidade de Bissau. Da conversa, constatei, que a corrente não era fornecida gratuitamente, porque ela passa pelo contador da EAGB e a referida Senhora tem os pagamentos das suas facturas em dia.
O insólito : a referida Senhora foi a única, entre todos os outros beneficiarios dessa fonte de ligação na referida zona, a ser alvo dessa inusitada medida de restrição. Soube ainda que, tal deve-se ao simples facto, de ser familiar proximo do deposto PM, vencedor da 1a volta das eleições presidenciais anuladas por kumba Yala e o Comando Militar e,... e como tal, ela é natural e logicamente contra o golpe de estado. Alias, sentimento comungado por uma esmagadora maioria da população da Guiné-Bissau. Foi esse o unico «crime» dessa Senhora.
Sentada numa cadeira de plastico no passeio contiguo à sua casa, a Senhora mantinha-se cabisbaixa e rodeada dos seus «mininus di casa» que não paravam de a consolar. Perante quadro tão triste e impotente de amarfanhada amargura..., sem dar conta, acheguei-me a ela e, instintivamente, toquei-lhe no ombro, quiça para lhe afagar e solidarizar-me; disse-lhe com voz um pouco embargada : tia sufri. Sentindo o «toque estranho», ela levanta a cara, olhando para mim... olhos ja meio embaciados e uma voz que não escondia a tristeza e amargura, disse-me:
Es i ka nada nha fidju. Ami, n'kustuma sufri... N'passa dja pior na vida.
Pide lébam nha hômi, é prindil 5 anu na calabus, ma i riba casa i nô cria nô fidjus na coitadesa di Deus. Kil dia qui riba casa n'ka lembra di kil 5 anus ku passa. Tudu ta passa si nô téné fé na Deus.
I ka tém nada nés mundo ku tem kunsada ku bu ka ta odja si fim.
Fiquei mudo de emoção e o trajecto do sitio do «crime» até o meu cubilo... algures em Pilum de baixo, pareceu-me ontem mais longe... tanto era o peso da tristeza que teimava em acompanhar-me na minha meditação sobre a essência dos homens.
Sera que vale tudo na vida ?
PL
As crises Político-Militares na Guiné-Bissau: Causas, problemas e Soluções
APRESENTADO RECENTEMENTE NA PRAIA, NUM ENCONTRO SOBRE AS CRISES NA GUINE-BISSAU.
O golpe de Estado na Guiné-Bissau do passado dia 12 de Abril (mais um), não surpreendeu verdadeiramente ninguém minimamente avisado porque fora anunciado (insinuado) na véspera, por Kumba Yalá à cabeça dos Cinco - os que contestaram os resultados das eleições presidenciais - na sua conferência de imprensa então realizada.
Ao reiterar o que antes afirmara da sua não participação na 2ª volta (eleições presidenciais) Kumba Yalá disse expressamente que não haveria a 2ª volta, deixando entender que o processo eleitoral seria interrompido.
Na sequência desse golpe, as reacções não se fizeram esperar. Registe-se o forte e contundente comunicado da CPLP que deu o mote às demais organizações internacionais, para a condenação inequívoca do golpe ao mesmo tempo que exigiam todas - organizações internacionais - o regresso imediato à ordem constitucional. No mesmo sentido, e com a mesma veemência, antecipando as próprias resoluções do Conselho de Segurança, foi a voz do Secretário-Geral das Nações Unidas Ban-Ki Moon. A CEDEAO, com a ambiguidade e a inconsequência que se lhe conhecem, "condena" o golpe mas presta-se de seguida a legitimá-la através de negociações generosas sempre em benefício e impunidade dos golpistas sustentadas com o argumento de que é preciso evitar "banhos de sangue". No fundo a CEDEAO não tem moral para condenar quaisquer golpes porque com mais ou menos "nuances" ela se edifica sob fundações golpistas.
De entre as inúmeras reacções populares e dispersas por todos os cantos em que exista um guineense, e não só, pois até a longínqua e poderosa China se manifestou por mais de uma vez, destaco uma que se realizou no Centro de Estudos e Estratégia do Ministério dos Negócios Estrangeiros sob a forma de um debate subordinado ao tema "As Crises Político-Militares na Guiné-Bissau: Causas, problemas e Soluções" para o qual fui convidado como "Animador do Debate". Levei à letra o meu papel e propus-me apresentar à audiência o quadro em que se desenrolava toda a espiral de violência que grassa a Guiné-Bissau desde os primórdios da ocupação do seu território, até os nossos dias, com especial ênfase para estes últimos anos, pretendendo desta forma descrever o cenário em que se deveria processar o debate.
Da cronologia dos acontecimentos que tem início com a chegada dos portugueses - meados do século XV - salientei os marcos mais relevantes da História recente da Guiné-Bissau no quadro da violência, detendo-me para uma análise mais cuidada naqueles que, em meu entender, são mais representativos para a compreensão do fenómeno.
Da resistência "armada" à ocupação colonial, de carácter étnico (papeis, balantas, beafadas, felupes e outras) e circunscrito ao chão de cada etnia que termina nos finas dos anos 30 do século passado passando pela resistência política em que foram precursores a Liga Guineense (1910 - 1915), o Partido Socialista (1948) e o MING (1955) mas também protagonizada por um enxame de partidos políticos nacionais:
(FLING (Frente de Libertação para a Independência Nacional da Guiné Portuguesa)
FNLG (Frente de Libertação da Guiné)
MLG (Movimento de Libertação da Guiné)
PDG (Partido Democrático da Guiné-Bissau)
PELUNDENSE (formado apenas por manjacos de Pelundo)
PLG (Partido de Libertação da Guiné)
UNGP (União dos Naturais da Guiné Portuguesa)
UPG (União Popular da Guiné)
UPLG (União Popular de Libertação da Guiné Portuguesa)
e supranacionais:
FGICV (Federação da Guiné e das Ilhas de Cabo Verde)
FLGC (Frente de Libertação da Guiné e Cabo Verde)
FUL (Frente Unida de Libertação da Guiné e Cabo Verde)
MLGC (Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde)
MLGCV (Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde)
PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde)
a maior parte de vida muito efémera, mas todos afastados da luta para a independência pelo génio diplomático de Amílcar de Cabral que acaba por fazer reconhecer pela comunidade internacional o PAIGC como o único e legítimo representante dos povos da Guiné e Cabo Verde. O PAIGC torna-se deste modo no alfa e no ómega da questão. É no PAIGC que nascem as causas e estou convencido de que é com o PAIGC que se encontrará a solução. Se não, vejamos:
1. Em 1963, o PAIGC dá início à luta armada. E, pela primeira vez na história da Guiné, um balanta, um papel, um mandinga, um fula, um felupe ou um anónimo qualquer de qualquer outra etnia está disposto a lutar e a morrer não especificamente pelo seu "chão" mas por toda a Guiné, pelo "chão" do outro, pelo chão comum.
2. A luta armada conduzida pelo PAIGC ao pôr em mãos impreparadas e mentes pouco esclarecidas um instrumento de matar permitiu que o terror, o abuso de autoridade, o desrespeito e mesmo o barbarismo se espalhassem de forma tão epidémica que Amílcar Cabral teve necessidade urgente de convocar uma reunião de quadros conhecida por "Congresso de Cassacá", para pôr cobro aos desmandos dos então senhores da guerra que se apresentaram nessa reunião fortemente armados e escoltados. Teve AC de fazer apelo à toda a sua diplomacia para evitar que ali mesmo se operasse um banho de sangue. Dessa reunião, para além da criação das FARP, uma forma de controlar, disciplinar e balizar a violência, saíram importantes orientações que determinaram o rumo do PAIGC. O pós-congresso gerou ajustes de contas e um banho de sangue, até então sem precedentes.
3. A violência não terminou porque a luta armada é, de per se, uma violência. Processos sumários continuaram e condenações à morte por fuzilamento não eram raras.
4. O PAIGC era minado por intrigas e conspiraçõezitas internas, é bom reafirmá-lo, que culminaram com o assassínio de Amílcar Cabral em 1973.
5. O assassínio de Amílcar Cabral espoletou uma vaga de execuções sumárias de carácter sangrento e generalizado com denúncias seguidas logo de execuções, sem julgamentos, para evitar, ao que se diz, o seu (das denúncias) efeito boomerang. O envolvimento de dirigentes de topo, da Guiné, era de tal forma abrangente que, falam rumores sustentados, que foi preciso a intervenção do arguto e atento Presidente Samora Machel que tinha na comissão de inquérito, o seu braço direito Aquino Bragança, a alertar que se se continuasse com as execuções ficar-se-ia sem gente para continuar a luta tal era a abrangência dos implicados. Isto fez com que muitos dos eventuais "implicados" fossem ignorados para não decepar a estrutura da luta armada.
6. Ainda no ano de 1973, mais propriamente a 24 de Setembro, a Guiné-Bissau declara a sua independência que será reconhecida de jure pela potência colonizadora em Setembro de 1974 depois de dezenas de outros países já o terem o feito. Foi a 1ª vez em África, pelo menos na ao Sul de Sahara, que uma independência não é "concedida" mas sim reconhecida pela potência colonizadora.
7. Em 25 de Abril de 1974 acontece o Golpe de Estado em Portugal que ficou conhecido pela Revolução dos Cravos pondo fim a uma ditadura que durava quase 50 anos.
8. Pouco tempo depois do Golpe de 25 de Abril, o PAIGC instala-se oficiosamente em Bissau, e assiste-se a uma onda de "raptos" seguidos de fuzilamentos no mato de indivíduos que haviam abandonado o PAIGC, e se encontravam em Bissau, e de outros que eram acusados de colaborar com o "colon". Nem sequer havia julgamentos. Uma "brigada" composta por uma suposta gente na clandestinidade ávida de mostrar serviço apontava-os e localizava-os não se sabe com que critério. Eram levados e fuzilados. Quando se perguntava por um fulano, que se supunha nessa situação, a resposta era: Partido lêba'l! (O Partido levou-o!) As coisas passavam-se à calada da noite e sob a cumplicidade silenciosa de todos. Tudo era permitido ao PAIGC, inclusive tirar vida aos seus concidadãos, por simples decisão dos seus dirigentes e sem que tenha de prestar quaisquer justificações públicas.
9. A entrada do PAIGC após o reconhecimento de jure fora deveras triunfal. O mundo inteiro rendia-se à gesta dos obreiros da independência. E os guineenses orgulhosos dos seus combatentes reverenciavam-se humilde e generosamente perante eles. Entregaram-se de alma lavada e de corpo inteiro ao anunciado projecto da (re)construção nacional. Acreditaram todos, com raríssimas excepções, que aqueles que foram capazes de levar de vencida, com todo o brilhantismo que se lhes reconhece, um exército europeu, também poderiam ser competentes para gerir o País. Tanto mais que anunciavam em grandes parangonas a chegada do "Homem Novo forjado na luta" prenhe de virtudes e convicções nacionalistas.
10. O sucesso da luta embriagou o PAIGC e cegou os seus dirigentes. Declaram guerra à uma indefesa e descuidada (politicamente) sociedade de "civis" e não só decretaram o seu desaparecimento, como arrogantemente dispensaram a sua participação como cidadãos de pleno direito no processo da (re)construção nacional. Um amigo meu, a este propósito, e comentando um artigo que eu escrevera, disse:
"Para o cúmulo disso tudo, o que está a atrasar o país é que introduziram na vida social guineense um elemento perturbador que é a divisão entre os que fizeram a luta, «os melhores filhos», que a si arrogam tudo, e os que já cá estavam que lhes devem prestar vassalagem e a nada têm direito."
11. O governo instalou-se em Bissau após o reconhecimento de jure por parte de Portugal. Os ministros eram chamados "comissários" e ao primeiro-ministro "comissário principal". Logo nos primeiros sinais verificamos que estávamos perante gente incapaz e incompetente para gerir um país. Arrogantes e com tiques autistas para esconder as enormes insuficiências e total impreparação; e a culminar uma moral muito duvidosa dado o comportamento perante a sociedade.
12. O período desse governo foi de seis anos (1974 - 1980). Teve o privilégio e o benefício de ter sido o governo que maior ajuda per capita recebeu no mundo inteiro. Desbaratou-a completamente em projectos megalómanos decididos de forma acéfala e autocrática. Sobre este período escrevi num artigo de opinião:
"O novo poder que se instalou em Bissau (1974), não escondia o seu carácter repressivo, autoritarista, intimidatório e revanchista. O medo e a intolerância instalaram-se. O ajuste de contas havia já substituído a reconciliação mesmo antes da sua instalação (do poder) com desaparecimentos misteriosos e execuções sumárias. Algumas ocorrências e mortes, designadamente a do Primeiro-Ministro Francisco Mendes (Chico Té) encontram-se até hoje envoltas em profundos enigmas e mistérios. A debandada dos quadros e de toda uma administração com o seu "know how" processava-se de forma assustadora criando um negligenciado vazio real na Administração do Estado, de efeitos não devidamente dimensionados e sopesados e, por isso, arrogantemente desprezados pelas novas autoridades. Os projectos megalómanos pontificavam-se como verdadeiros elefantes brancos desbaratando a eito toda a ajuda da cooperação internacional; sinais exteriores de riqueza exibiam-se denunciando na mesma medida um certo novo-riquismo e o despontar despudorado da corrupção; os bens essenciais escasseavam; o peso, moeda nacional, depreciava-se a um ritmo acelerado agravando o já muito débil poder de compra; e a economia degradava-se a uma taxa galopante. A insatisfação era total."
13. Perante o cenário descrito, que talvez peque por defeito, pois funções de director-geral de importantes empresas públicas chegaram a ser exercidas por autênticos analfabetos cujo único curriculum era ter participado na luta para a independência, rumores permanentes percorriam toda a cidade de Bissau sobre a iminência de um golpe de estado. O que variava era apenas a identidade do seu eventual autor que oscilava entre 2 a 3 nomes;
14. A 14 de Novembro de 1980, Nino Vieira consuma aquilo que todos esperavam pondo fim a esse governo, do qual ele era primeiro-ministro, através daquilo a que chamou "Movimento Reajustador". Suspende a Assembleia Nacional e cria o "Conselho da Revolução".
15. Foi na sequência desse golpe que aparecem as valas comuns com algumas centenas de cadáveres, pondo a descoberto a máscara humanística do PAIGC e que pela sua gravidade e dimensão humana e no quadro do sistema de funcionamento do PAIGC - estrutura marxista-leninista - não se podem alhear, como bem o tentaram, os seus dirigentes de topo (ainda em Unidade) em Cabo Verde e na Guiné-Bissau. Todos "sabiam" e foram igualmente responsáveis. A este respeito um outro articulista depois de confirmar o quadro descrito no ponto 12, acrescentava:
"O que não sabíamos (nem podíamos imaginar) era que nessa altura o regime já tinha embarcado num projecto criminoso para o qual não havia volta. Nesse preciso momento Guineenses estavam a matar Guineenses e a enterrá-los em valas comuns em Jugudul,Cumeré, e outros sítios, num genocídio que nem os colonialistas nos seus mais criminosos sonhos ousaram apenas imaginar."(Fim de transcrição)
16. Com o golpe de 14 de Novembro na Guiné, Cabo Verde apressou-se, num gesto pleno de oportunismo e imediatismo, a romper com o processo de Unidade que tantas vítimas gerara na Guiné e em Cabo Verde tendo até estado nas especulações quanto às causas próximas do assassínio de Amílcar Cabral. De ambos os lados, as congratulações superaram de longe as lamentações que não passaram, na maior parte dos casos, de algum decoro e de puras formalidades.
17. O chamado "Movimento Reajustador" mostrou logo a sua verdadeira face e fez desvanecer toda a esperança que nele se havia depositado de promover a concórdia nacional e "reajustar" aquilo que se considerava desvio da linha orientadora do PAIGC. Liberto da ala cabo-verdiana do PAIGC, o que foi fortemente aclamado pelos quadros "lutistas" ávidos de afirmação num ambiente de vazio, nasce um corpo de "nacionalistas guineístas" que se apressa a depurar a já muito débil administração do estado através de autêntica caça às bruxas com o beneplácito do poder instituído e dos seus acólitos. O aparelho repressivo é aperfeiçoado e a debandada dos quadros técnicos, sobretudo, de origem cabo-verdiana é praticamente geral. A incompetência e a iliteracia tomam conta do próprio governo; a desilusão e a decepção regressam com o mesmo fulgor dos primórdios da independência.
18. Nino Vieira tendo enveredado pelo mesmo caminho do seu antecessor, e temendo que lhe acontecesse o que ele próprio havia feito, engendrou a sua eternização no poder, com a eliminação de todos aqueles que com o prestígio também de antigos combatentes, fonte da sua legitimação, lhe podiam fazer frente. Uma figura despontava e impunha-se pela sua postura de discrição, honestidade, fino trato, sensatez e clarividência, tanto entre aqueles que de perto trabalharam e trabalhavam com ele, como em toda a sociedade guineense - Paulo Correia.
19. É assim, que:
i. A 17 de Outubro de 1985, uma alegada intentona "balanta" para derrubar Nino Vieira foi atribuída a Paulo Correia que no seu seguimento foi "julgado" e condenado à morte com mais 5 (Binhanquerem na Tchuda, Braima Bangura, N'Baná Sambú, Pedro Ramos, e Viriato Pam) de entre mais de meia centena de acusados. Outros 5 terão perdido a vida na prisão (Agostinho Gomes, B'nhate na Biate, Foré na ‘Mbitna, João da Silva e Zacarias António Pereira). Processa-se a partir desta data uma autêntica antropofagia entre os dirigentes do PAIGC que se vêem privados por eliminação física dos seus mais proeminentes quadros da luta armada.
ii. A 7 de Junho de 1997 uma tentativa de golpe de estado levada a cabo por uma "Junta Militar" chefiada por Ansumane Mané, ex-CEMGFA, deposto uma semana antes por alegado envolvimento no tráfico de armas com os rebeldes de Casamança, gera uma guerra civil.
iii. A 7 de Maio de 1999 Nino Vieira é deposto. Parte para o exílio depois de obrigado a renunciar o cargo de PR que é assumido interinamente, nos termos da Constituição, pelo Presidente da ANP, Malam Bacai Sanhá pondo fim a uma guerra civil de 11 meses.
iv. Em Julho de 1999, processam-se importantes emendas na Constituição: Abolição da pena de morte; limitação de mandatos de presidente da república a dois; estabelecimento de que os principais titulares de cargos de estado têm que ser guineenses, filhos de pais guineenses. [ii]
v. A 16 de Janeiro de 2000, Kumba Yalá, do PRS, vence as eleições presidenciais contra o candidato do PAIGC, Malam Bacai Sanhá. Com a eleição de Kumbá Yalá as funções presidenciais perderam dignidade e respeito devido a postura histriónica do presidente potenciada com actos caricatos e indignos para a imagem interna e externa do País. Mas o mais grave é a tentativa de "balantização" do exército com a elevação a patentes de comando de muitos militares.
vi. O acto de promoção por parte do PR desagradou o então CEMGFA, Ansumane Mané, que numa atitude pública e mediática provocatória, insensata e humilhante para os protagonistas processou de forma arrogante a retirada, pelas suas próprias mãos, das patentes que tinham sido conferidas a esses militares.
vii. A 30 de Novembro de 2000 é assassinado Ansumane Mané, de forma bárbara, ao que parece depois de ele se ter entregado, estando ainda por desvendar os autores e as verdadeiras razões do seu assassínio.
viii. A 14 de Setembro de 2003, Kumba Yalá, através de um golpe comandado por Veríssimo Seabra, então CEMGFA, à frente de um "Comité Militar", é deposto. Renuncia formalmente 3 dias depois, tendo sido substituído pelo empresário Henrique Pereira Rosa.
ix. A 6 de Outubro de 2004, Veríssimo Seabra, CEMGFA, é assassinado supostamente por um levantamento dos militares que tinham estado na Libéria como força de interposição, aparentemente, por corrupção ligada à questão salarial.
x. A 24 de Julho de 2005 Nino Vieira volta ao poder através de eleições, demite o governo de Carlos Gomes, Jr. (discricionariedade que gera polémica constitucional) e nomeia em seu lugar Aristides Gomes (1 de Novembro de 2005) que é deposto através de uma moção de censura em 19 de Março de 2007. Carlos Gomes regressa ao poder em Dezembro de 2008 através de eleições ganhas pelo PAIGC com larga maioria.
xi. A 1 de Março de 2009, Tagma na Waié, CEMGFA, é assassinado através de um atentado bombista que, dadas a sofisticação, técnica e precisão utilizadas, dizem uns, ter a assinatura dos narcotraficantes estrangeiros não obstante também ele, Tagma, ser acusado de controlar uma das várias redes militares de narcotráfico; dizem outros, que é obra de especialistas militares estrangeiros. Acontece que Tagma na Waié previa o seu assassínio e apontava o seu futuro autor, pelo menos moral. Tinha deixado uma mensagem aos seus camaradas de armas: "Se ele me matar de manhã, matem-no à noite". A este propósito um amigo meu escreveu: "Talvez tenha sido a primeira vez que um morto mata um vivo."
xii. A 2 de Março de 2009, cumpria-se rigorosamente as ordens de ex-CEMGFA, com o assassínio de Nino Vieira que se diz ter sido uma mistura de tiros e catanadas da forma mais selvagem e bárbara que se possa imaginar. Dizem uns, por gente ligada a Zamora Induta a mando do PM Carlos Gomes, Jr. e outros que a operação fora levado a cabo por membros do Batalhão de Mansôa que se encontrava sob o comando de António Injai que:
"Uma semana antes Indjai assinara em Bissau, perante uma comissão composta pelo Primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, CEMGFA, Zamora Induta, Procurador-Geral da República e o Presidente, um documento onde reconhecia estar envolvido numa operação de narcotráfico que ocorrera no aeródromo de Cufar, sul da Guiné, desmantelada «in extremis» pelos militares de Zamora Induta. Na mesma ocasião ficou estabelecido que António Indjai seria automaticamente exonerado do cargo de número dois das forças armadas e partiria para Cuba, oficialmente, em «tratamentos médicos»." (Fim de transcrição)
xiii. A 5 de Junho de 2009 são assassinados Baciro Dabó, candidato às presidenciais e Helder Proença (Político dinâmico, ex-Ministro da Defesa de Nino Vieira). Sobre o assassínio de Baciro Dabó, escreve um analista num artigo intitulado "Figuras de Narcotráfico na Guiné-Bissau:
"Pedra basilar de todo o fenómeno do narcotráfico na Guiné-Bissau foi Baciro Dabó, assassinado na madrugada de 5 de Junho de 2009 em mais uma alegada tentativa de Golpe de Estado a assolar a ex-colónia portuguesa. Baciro Dabó ocupou entre 2006 e 2008 as pastas de Secretário de Estado da Ordem Pública e posteriormente de Ministro da Administração Interna. Em final de 2008, e não obstante o avolumar de suspeitas internacionais de envolvimento no narcotráfico, Baciro foi nomeado Ministro da Administração Territorial."
Mais adiante, continua o mesmo articulista:
"Mas a transformação da Guiné - Bissau em Narco-Estado não foi trabalho exclusivo de Baciro Dabó. Apesar do lugar central que desempenhou, Baciro teve a conivência e o apoio das principais figuras do Estado Guineense, desde políticos, militares a empresários e deputados, alguns deles ainda em funções.
Nino Vieira, o ex- Presidente da República Guineense assassinado a 2 de Março de 2009, ocupou um lugar central em todo este processo."
xiv. Bacai Sanhá é eleito Presidente da República a 28 de Junho de 2009 vencendo Kumba Yalá numa 2ª volta.
xv. A 1 de Abril de 2010, uma tentativa de golpe de estado conduzida pelo vice-CEMGFA, Gen. António Injai e pelo Alm. Bubo na Tchuto, detém o PM Carlos Gomes, Jr. com ameaça de morte, caso houvesse reacção popular de apoio bem como o seu CEMGFA, Alm. Zamora Induta. O silêncio inicial do então-Presidente da República, Malam Bacai Sanhá, foi notória e a sua condenação tímida e tardia foi grave, sobretudo ao classificar a ocorrência como um "pequeno problema entre militares". Mas mais grave ainda foi o facto do autor do atentado ter sido, por ele, nomeado no seguimento do seu acto a CEMGFA tal como reivindicava apesar do aviso americano através de um comunicado transmitido da sua embaixada em Dakar:
"É impossível para os EUA contribuir para o processo de reforma da segurança e da defesa se essas pessoas, ou outros implicados no tráfico de estupefacientes, forem nomeados ou permanecerem em postos de responsabilidade nas forças armadas", acrescentando em outro passo:
É "imperativo" que o chefe das Forças Armadas - que deve ser nomeado em breve pelo Presidente da República, Malam Bacai Sanhá - não esteja "implicado nos acontecimentos de 01 de Abril", evocando implicitamente o major-general António Indjai.
Mais tarde, num despacho da Lusa lê-se:
"O governo americano espera trabalhar com as autoridades guineenses para desalojar as pessoas que ocupam funções oficiais e que se servem do seu poder para facilitar o tráfico de estupefacientes".
Ainda no decorrer deste caso e sobre o Alm. Bubo na Tchuto, seu cúmplice, escreve um analista:
"No dia 1 de Abril, soldados leais a Bubo Na Tchuto entraram no edifício da ONU e resgataram-no[iii], enquanto detinham o primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior e o Chefe do Estado-Maior General, almirante Zamora Induta.
"Bubo Na Tchuto é a força por trás de todas as outras forças", disse à reportagem o director político da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), Abdel Fatau Musah. "O facto de ele estar a controlar as coisas é muito desagradável".
xvi. Malam Bacai Sanhá morre em França a 9 de Janeiro de 2012 e as eleições presidenciais para a sua substituição têm lugar a 18 de Março de 2012, data que buscava o cumprimento de um preceito constitucional e tinha a concordância de todos os partidos e de todos os putativos candidatos avisados da desactualização dos Cadernos Eleitorais e da impossibilidade de os regularizar nesse lapso de tempo.
xvii. O decorrer das eleições e os resultados da 1ª volta não deixaram qualquer dúvida aos observadores internacionais que se pronunciaram e a diferença de votos entre os candidatos também não deixava espaço para a reclamação posteriormente engendrada. O peso das eventuais irregularidades, seria insignificante para alterar o curso normal das eleições. E a existirem seria mais fácil encontrarem-se entre o 2º e o 3º classificados do que entre o 1º e os outros. (vide quadro)
xviii. A iminência de uma derrota anunciada na 2ª volta por parte da oposição levou que o seu mais bem classificado candidato, por coincidência da etnia balanta, um ex-presidente, eterno contestatário e pertencente ao maior partido da oposição "manipulasse" - só assim se compreende - os outros que se lhe seguiam e os levasse de forma absolutamente inconsequente a se lhe juntarem no coro de protestos.
xix. No dia 11 de Abril os 5 candidatos mais votados depois de Carlos Gomes, Jr, encabeçados por Kumba Yalá, seu porta-voz, dão uma conferência de imprensa, em que o porta-voz afirma que não só ele não compareceria à 2ª volta, como ela, a 2ª volta, não se iria realizar, num anúncio claro de interrupção do processo eleitoral.
xx. No dia 12 de Abril, dá-se o golpe de estado, com a detenção de PR interino, Raimundo Pereira, e do candidato Carlos Gomes, Jr. (PM com funções suspensas e destacado 1º classificado na 1ª volta) de entre outros importantes membros do Governo.
20. Registe-se que esta onda de violência que vem desde o início da luta armada, não pode ser atribuída a este ou aquele actor político-militar em especial, mas a uma cultura de violência interiorizada e que se manifestou na luta pelo poder.
21. O mais estranho é que os que matam são do PAIGC e os que morrem também o são num ritual de antropofagia sem precedentes. O PAIGC ontem, um partido de heróis; o PAIGC hoje um partido de assassinos. É uma triste e deprimente constatação.
22. O sonho de Cabral do seu PAIGC gerar um "homem novo forjado na luta" com princípios e valores bem sintonizados com o respeito pela dignidade do Homem e defesa do humanismo e da humanidade foi completamente defraudado pela metamorfose que esse homem sonhado e idealizado terá sofrido, surgindo como o mais acabado homo belicus, perito na arte de matar.
23. E Amílcar Cabral, homem inteligente e arguto, tinha plena consciência da limitação e incapacidade dos seus homens para o exercício de tarefas fora do contexto "militarista". E advertiu-os, embora sem sucesso, que a luta não era um investimento em proveito próprio, ao preconizar o encontro de Ensalmá da forma como o faz:
"A Luta que levamos a cabo com a arma na mão para tirar os tugas do nosso chão, para a nossa Independência, é o programa mínimo que estamos a cumprir. Não pensem que vamos todos mandar em Bissau. Para aquele que era mecânico, electricista, pescador, agricultor quando entrou na Luta, irão ser criadas condições para ele continuar a sua actividade e viver o seu estatuto de combatente da liberdade da pátria. A nossa Independência termina em Ensalmá. Ela vai ser entregue à gente que virá ao nosso encontro para a assumir. Essa gente é que irá começar a cumprir o Programa Maior que é compor a terra, tarefa maior e mais complicada." (O negrito é meu)
24. Cabral falhou redondamente na formação do "Homem Novo". E tinha a consciência do "monstro" que estava a criar. Os seus sucessores mostraram-se medíocres, mesquinhos, estreitos de espírito (narrow mind) e algo oportunista tirando proveito da parte mais superficial da sua filosofia que era a incitação ao cumprimento de um programa mínimo - Independência dos territórios da Guiné e de Cabo Verde - que exigia sobretudo engenho militar e mais não era do que uma etapa mínima da luta de libertação no qual ainda continuamos fortemente empenhados e como ele diz, não podia ser feita nem liderada só pelos participantes da 1ª etapa que para tal faltava-lhes o "know how".
25. A ganância, a arrogância e um certo autismo apoiados apenas e tão-somente no poder das armas falaram mais alto.
26. E enquanto o Encontro de Ensalmá não acontecer para que interiorização da força do saber e da razão suceda à força das armas, os golpes não pararão. E só o PAIGC pode operar esta inversão porque foi ele que o criou. Todos os principais protagonistas, em todos os golpes ou tentativas, são do PAIGC. Um outro importante denominador comum é a encorajadora IMPUNIDADE de que os autores dos golpes e das tentativas sempre se beneficiaram. E é sobre este aspecto que alguém num longo trabalho tipo ensaio deixa as seguintes interrogações:
"Quem foram os assassinos de Robalo, Nicandro Pereira Barreto, Ansumane Mané, Veríssimo Correia Seabra, Domingos Barros, Lamine Sanha e outros? Quem foram os responsáveis pela vala comum descoberta após golpe de 1980 que derrubou Luis Cabral? Quem foram os traficantes de armas que deram origem à guerra civil na Guiné-Bissau? Quando é que serão julgados os políticos e militares suspeitos de Narcotráfico? Porque Bubo na Tchuto não foi julgado pela acusação de tráfico de droga e pela acusação da tentativa de golpe de estado? Porque é que Intchami Yalá não foi julgado pela tentativa de golpe? Quem foi o responsável pelo desaparecimento de 500 quilos de cocaína apreendidos e guardados no tesouro Público? Quem foram os assassinos de Tagma na Waié e João Bernardo Vieira? (Fim de trancrição).
27. O último golpe, o de 12 de Abril, merece uma atenção mais cuidada, embora não caiba nesta minha tarefa - animar o debate - analisá-lo em pormenor. Vamos retomá-lo - o golpe de 12 de Abril - para continuar o que no início dissemos:
i. Os autores do golpe, não conseguem justificá-lo. Atribuem-no à presença das forças angolanas - um pequeno contingente de cerca de 200 homens - no território, como ameaça para as forças armadas (mais de 4.000 homens) e a uma carta da qual só apresentam uma eventual minuta, do PM para o Secretário-Geral das Nações Unidas solicitando uma força de interposição (estabilização).
ii. A 1ª justificação visava obter o apoio popular através do apelo ao sentimento nacionalista contra um "invasor" estrangeiro (funcionou outrora) e a 2ª que se tratava de "agressão" contra as FA, ameaçadas de controlo e extinção, feita nas suas costas e contra a sua vontade porque, justificam, a Guiné não está em guerra.
iii. As verdadeiras motivações continuam por "desvendar" uma vez que as apresentadas não colheram. E um dado imediato é o impedimento da realização da 2ª volta das eleições presidenciais na data aprazada.
iv.Reivindicam para o "regresso" aos quartéis, a criação de um Conselho Nacional de Transição; nomeação de um novo Presidente da República e de um novo Primeiro-Ministro; Eleições legislativas e presidenciais, em simultâneo, num prazo de dois anos; manutenção, obviamente, das chefias militares; recusa de qualquer solução que inclua o regresso de Raimundo Pereira e Carlos Gomes, Jr. às suas funções de Presidente da República interino e Primeiro-Ministro, respectivamente. Regresso dos militares às casernas.
v. Pergunta-se: Que legitimidade têm os militares para interromper a ordem constitucional democraticamente instalada e impor a sua vontade?
vi. As reacções internas e externas não se fizeram esperar.
vii. Tiveram, os golpistas, um tímido mas declarado apoio inicial da parte dos cinco candidatos que contestavam os resultados eleitorais de que falamos atrás - depois deram o dito por não dito - bem como de algumas forças políticas da oposição e condenação de toda a população e das organizações internacionais e de todo o mundo, destacando-se a veemência e contundência da CPLP, da União africana, do Secretário-Geral das Nações Unidas, do Conselho de Segurança, da União Europeia que exigiram o retorno imediato e incondicional à ordem constitucional e sanções aos golpistas. A CEDEAO condenou-o ao mesmo tempo que se apressava em pactuar ao propor negociar uma solução.
viii. O Governo da Guiné-Bissau falava em todos os fóruns com a legitimidade e a autoridade que a legalidade internacional lhe conferia, através do seu representante para política externa - Ministro das Relações Externas. Um erro que os golpistas cometeram e que lhes custou a veemência, a firmeza e a constância do discurso de condenação em todas as frentes bem como a inquestionável solidariedade internacional.
ix. A solução encontrada pela CEDEAO, que se tem mostrado incapaz de todo, de resolver este tipo de problema, não representava nem de perto nem de longe, a tolerância zero estipulada pela organização, pois contemplava os interesses dos golpistas ignorando o governo legítimo, democraticamente eleito e indo mais longe ao cercear, para agradar os golpistas, o acesso ao poder de alguns dirigentes do PAIGC ao invocar que o presidente e o PM interinos não poderiam candidatar-se às eleições que ela (CEDEAO) preconizava. Em conclusão: Não há memória da CEDEAO ter resolvido um golpe de estado em que os golpistas não fiquem incólumes e o golpe, de forma directa ou encoberta, legitimado.
x. Como era de esperar, o PAIGC, uma vez mais firme nas suas posições de reposição da ordem constitucional, rejeitou liminarmente a recomendação proposta pela CEDEAO, pois representava na realidade legitimação do golpe e um pacto com os golpistas para os quais não havia sanções.
xi. Os interesses que gravitam à volta da CEDEAO são vários e de vária índole. Por comodidade e algum decoro apenas os caracterizamos como sendo uns de carácter endógeno, outros exógenos em relação à própria região. Quer uns quer outros, todos à volta daquilo que podemos sintetizar como interesses hegemónicos na região e de passagem algum ressabiamento.
xii. A UA e UE tomaram medidas concretas. A primeira suspendendo de imediato a Guiné-Bissau da Organização enquanto a segunda fechava as suas fronteiras aos golpistas, ambas exigindo o retorno à ordem constitucional.
xiii. A firmeza do PAIGC tem sido nota dominante. Não abdicar minimamente dos seus direitos constitucionais. A procissão ainda vai no adro e é nesta firmeza e defesa de princípios que, a meu ver, estará a solução política, não direi definitiva mas duradoura, dos golpes de estado. Deverão ser procurados procedimentos complementares. A luta armada terminou há 40 anos. Uns poucos, muito poucos, são os militares ainda vivos, com verdadeiro e legítimo estatuto de antigos combatentes para a independência nacional, isto é, oriundos da luta armada. E é para eles, só para eles, que se deve procurar afincadamente uma saída militar, diria, humanista, condigna.
xiv. A questão do narcotráfico deve ser vista e tratada numa óptica global. Só a Guiné-Bissau por si só, não tem meios, nem humanos, nem materiais nem financeiros para resolver o problema.
xv. Feita esta panorâmica da espiral de violência na Guiné-Bissau, que vem desde os tempos da luta armada, penso que estão criadas condições minimalistas para um debate sobre As Crises Político-Militares na Guiné-Bissau: Causas, problemas e Soluções, tema proposto pelo Centro de Estudo e Estratégias do MNE. Não se trata, obviamente, de uma palestra que exigiria uma outra abordagem, mas sim de uma nota introdutória, de um auxiliar de memória, dos parâmetros que devem nortear o debate. Não há posições acabadas, mas apenas tópicos para reflexão.
Armindo Ferreira
[i] Tema do debate para o qual fui convidado para "Animador"
[ii] Amilcar não poderia exercer nenhum cargo do poder de estado na Guiné-Bissau sendo filho de pais cabo-verdianos.
[iii] Bubo na Tchuto encontrava-se escondido nas instalações da Representação das NU em Bissau depois de ter regressado da Gâmbia para onde fugira para não ser preso por acusação de narcotráfico.
25 DE MAIO - DIA DA ÁFRICA
A União Africana (UA) foi criada no dia 9 de Julho de 2002 para substituir a antiga Organização da Unidade Africana (OUA), criada a 25 de maio de 1963 em Addis Abeba- Etiópia, com intuito de fazer valer as nobres ideais que guiaram os Pais Fundadores da nossa Organização continental e gerações de Pan-Africanistas na sua determinação de promover a unidade, a solidariedade e a coesão, assim como promover a cooperação entre os povos e entre os Estados da África. Só que atualmente, na prática, o que acontece é o contrario. Se não vejamos bem: uns dos objetivos UA são:
1- Realizar maior unidade e solidariedade entre os países e povos da África. “Mas o que acontece na pratica é a unidade e solidariedade entre os governantes e não entre povos e estados.”
2 - Promover e defender posições africanas comuns sobre as questões de interesse para o Continente e os seus povos. “Aí eu pergunto: Onde é que estava a união africana a quando da invasão dos americanos, ingleses e franceses a libia com um unico objetivo, aniquilar Moammar Kadhafi e apoderar-se do petroleo deste povo?”
3 - Promover os princípios e as instituições democráticas, a participação popular e a boa governação. “O que se vive hoje na Guiné-Bissau é a ditadura militar, onde ninguem mais respeita as instituiçoes democraticas e nem tão pouco a vontade do povo e, enquanto isso, a UA limitou-se simplesmente a condenar verbalmente e observar mais nada”...
É bom salientar que OUA já teve os seus bons momentos na resolução de alguns conflitos em áfrica. Por exemplo, teve um importante papel na história da descolonização de África, não só como grupo de pressão junto da comunidade internacional, mas também fornecendo apoio direto aos movimentos de libertação, através do seu Comitê Coordenador da Libertação da África.
Outro campo do qual teve sucesso foi na luta contra o apartheid, tanto ao nível da ONU onde foram declaradas sanções contra os governos da África do Sul e da Rodésia, mas ainda conseguindo que aquele regime fosse internacionalmente condenado como “crime contra a Humanidade” na Conferência de Teerã de 1968, etc.
São atos como esses que o povo africano espera da sua organização, tratar todos os países membros de igual modo sem se preocupar com quem possui petróleo e diamante ou não, pois só assim a África deixará de ser um continente condenado a desaparecer.
VIVA ÁFRICA E VIVA O POVO AFRICANO!!!
Suleimane Mane
Ocupação estrangeira na Guiné-Bissau: Mais de 40 polícias nigerianos chegaram hoje ao país
Quarenta e quatro polícias nigerianos chegaram hoje à Guiné-Bissau para integrar a força da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) no país, na sequência do golpe de Estado de 12 de abril. A CEDEAO decidiu o envio de cerca de 600 polícias e militares para a Guiné-Bissau, que irão ajudar a manter a segurança no período de transição (um ano) e apoiar a reforma das forças de Defesa e Segurança da Guiné-Bissau. Paralelamente à entrada da força da CEDEAO, comandada pelo coronel Barro Gnibanga, do Burkina Faso, está prevista a saída das tropas da missão angolana (Missang), que ainda estão no país, desconhecendo-se a data de saída. LUSA
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