segunda-feira, 3 de março de 2014

DURA LEX SED LEX (II): DECRETO-PRESIDENCIAL N.º 06/2014, DE 24 DE FEVEREIRO DE 2014


FONTE: SIMINTERA

«Em Destaque:

DECRETO-PRESIDENCIAL N.º 06/2014, DE 24 DE FEVEREIRO DE 2014

Artigo 1.º

São encurtados os prazos eleitorais previstos na Lei n.º 3/98; Lei n.º 19/2011 e das revisões parciais da Lei n.º 10/13; 11/13 e 12/13, conforme mapa dos novos e encurtados prazos em anexo, fazendo parte integrante do presente Decreto-Presidencial.

Artigo 2.º

É fixado o dia 5 de Março para data limite de entrega das listas de candidaturas no Supremo Tribunal de Justiça.

Comentário:

1. O primeiro indicador do respeito que os guineenses têm por si próprios e podem legitimamente exigir dos outros povos, reside no nível de compromisso e integridade no cumprimento da nossa própria Lei, em especial, a Lei Fundamental. Independentemente dos considerandos, cumprir e fazer cumprir a «palavra escrita» de todos os guineenses, para além de ser um fator gerador de justiça, paz e progresso da nação guineense, constitui uma condição sine quo non para o sucesso na construção de um Estado de direito democrático na Guiné-Bissau.

2. Através do Decreto-Presidencial n.º 6/2014, de 24 de Fevereiro, o Presidente da República de Transição fixou o dia 05 de Março de 2014 como data limite para entrega das candidaturas no Supremo Tribunal de Justiça, bem como estabeleceu um novo cronograma eleitoral para as eleições gerais – legislativas e presidenciais - marcadas para o dia 13 de Abril de 2014. Como fundamento para o encurtamento dos prazos eleitorais, o Presidente da República de Transição apresenta, entre outros, «o período de excecionalidade constitucional, conjugado com o princípio da reserva do Estado, que apela aos poderes do Presidente da República enquanto símbolo e garante da Nação Guineense».

3. Sucede que, os Artigos 1.º e 2.º do Decreto-Presidencial n.º 6/2014, de 24 de Fevereiro, na medida em que incidem sobre uma matéria de reserva de Lei, invadem a esfera de competência exclusiva da Assembleia Nacional Popular e, consequentemente, violam frontalmente o disposto na Constituição da República da Guiné-Bissau, bem como os princípios nela consignados. A Lei Fundamental guineense não confere ao Presidente da República competência para legislar sobre os prazos eleitorais, não podendo, por isso, o Presidente da República de Transição convocar um poder que não tem no sistema democrático guineense. Por mais reconhecida boa vontade, não pode um Decreto-Presidencial pretender alterar Leis da Assembleia Nacional Popular. Esse poder encontra-se constitucionalmente atribuído a outro órgão de soberania, a Assembleia Nacional Popular, único órgão competente para decretar o encurtamento dos prazos eleitorais, nos termos da alínea l) do Artigo 86.º da Constituição.

4. Em jeito de referências legais, dispõe o Artigo 2.º, n.º 1, do Pacto de Transição Política que, «Em conformidade com as recomendações da Cimeira Extraordinária da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CEDEAO de 3 de Maio de 2012 e, para viabilizar o processo de transição, que culminará com a tomada de posse do novo Presidente da República, os signatários acordam converter o Presidente Interino decorrente do Artigo 71.º n.º 2 da Constituição da República em Presidente de Transição, conferindo-lhe a plenitude dos poderes previstos nos Artigos 68.º e 69.º da Constituição da República, salvo o previsto na alínea g) do referido Artigo 68.º [isto é, “Nomear e exonerar o Primeiro-Ministro”]». De acordo com o Artigo 68.º, alínea f), da Constituição, entre outras, compete ao Presidente da República «Fixar a data das eleições do Presidente da República, dos deputados à Assembleia Nacional Popular e dos titulares dos órgãos de poder local, nos termos da lei». Por seu turno, relativamente às competências da Assembleia Nacional Popular, dispõe o Artigo 60º da Constituição que, «O sistema eleitoral, as condições de elegibilidade, a divisão do território em círculos eleitorais, o número de deputados, bem como o processo e os órgãos de fiscalização dos atos eleitorais, serão definidos na Lei Eleitoral». Finalmente, segundo o disposto no Artigo 86.º, alínea l), da Constituição, é da exclusiva competência da Assembleia Nacional Popular, entre outras matérias, legislar sobre o «Sistema eleitoral».

5. Como se viu, não existe a alegada «excecionalidade constitucional» em matéria de competência para legislar sobre o sistema eleitoral, em particular, a redefinição dos prazos eleitorais. Sendo necessário o encurtamento dos prazos eleitorais, contudo, o meio utilizado não se mostra conforme à Constituição. No referido Decreto-Presidencial, alega-se que foram auscultados todos os partidos políticos, com e sem assento parlamentar. Se assim sucedeu, e garantido que se mostra o consenso político-partidário. Pergunta-se: Por que motivo ou motivos não foi convocado o órgão constitucionalmente competente, a Assembleia Nacional Popular? Não será de estranhar, pois, se o processo eleitoral venha a ser contestado uma vez mais, incluindo os resultados. Em todo o caso, a Assembleia Nacional Popular ainda vai a tempo.

6. Na verdade, nem sempre se mostrou fácil a compreensão pelos atores políticos guineenses da natureza semi-presidencialista do nosso sistema de governo e do inerente princípio de separação de poder entre os diferentes órgãos de soberania. De resto, em jeito de recomendação, nas eleições gerais de 13 de Abril de 2014, a melhor maneira do (e)leitor avaliar objetivamente a seriedade dos candidatos ao cargo de Presidente da República é a comparação dos projetos de intenções apresentados pelos candidatos ao cargo com os poderes concretamente reservados ao Presidente da República no sistema democrático guineense. Enfim, as equações da questão guineense parecem simples e claras: Primeira opção, cumprir e fazer cumprir as Leis atualmente em vigor ou, segunda opção, adotar novas Leis, mais adequadas a alegada «realidade guineense», aparentemente assim tão diferente dos outros povos. Quid iuris?

Aviso: “DURA LEX, SED LEX ” (em português, a lei é dura, porém é a lei.) visa como propósito a divulgação do Direito em vigor na Guiné-Bissau, pondo em destaque artigos relevantes de diplomas legais selecionados, acompanhado de breve comentário, tendo em conta a atualidade. Trata-se, apenas, de aproximar o Direito das pessoas. Este exercício não tem, por isso, qualquer pretensão de constituir-se em fonte de legislação vigente na Guiné-Bissau, não devendo o leitor basear-se apenas na informação aqui consignada.

Texto escrito segundo as regras do novo Acordo Ortográfico.
»