Um obrigado ao Rodrigo Moita de Deus, pela atenção e citação.
Na Europa, é costume ter empresas comerciais a cuidar da segurança das nossas residências, dos supermercados, das agências bancárias, dos transportes de valores e das pessoas sob risco de sequestro para o fim único de extorsão patrimonial. Na altura devida, todos proclamam seguir o modelo militarizado dos “capacetes azuis” da Organização das Nações Unidas (ONU). Essas multinacionais contam nos seus quadros com generais reformados, plenos de experiências adquiridas em diferentes campos de batalha e carregados de medalhas por bravura. Essas sociedades comerciais são chamadas de Private Military Companies (PMC). Não fossem as formalidades e as cláusulas dos contratos sociais de constituição – que as colocam na legalidade como pessoas jurídicas –, poderiam ser confundidas e passarem por associações hierarquizadas de mercenários.
Como regra, as PMC são contratadas para vigiar, proteger e treinar, em países pobres ou em desenvolvimento – marcados por reais ou potenciais conflitos –, os ditadores e os chefes de Estado ou de governo. Protegem, ainda, a vida dos líderes de oposição, ou seja, desde que classificados na categoria daqueles que não podem sofrer atentados, em razão de estarem afinados com interesses de grandes potências ou de antigos colonizadores. As PMC são muito requisitadas por grupos económicos que exploram, pelo Terceiro Mundo, rendosas actividades extractivas. Hoje, por exemplo, encontram-se nessa situação os representantes de cerca de 600 sociedades comerciais que, desde o tempo da colonização francesa, exploram, em enormíssimas fazendas, a cultura do cacau na Costa do Marfim. Pode-se afirmar ainda que as PMC já viraram moda na África e na Ásia. É, pois, fundamental a manutenção de negócios e interesses geopolíticos.Para se ter uma ideia, até o corpo de funcionários e de voluntários da UNICEF, enviados ao Afeganistão e ao Paquistão, foi garantido pelas PMC. A MPRI formou igualmente grupos de combatentes para acções no Kuwait, na Colômbia, na Guiné Equatorial e na Nigéria – mas sóo depois da morte do ditador-general Sani Abacha. Na Costa do Marfim, as contratadas PMC e os seus homens apelidados de war dogs, armados até os dentes, protegem as empresas que exploram as fazendas de cacau (primeira produtora mundial), algodão e café (sexta produtora). Evitam invasões e repelem ataques promovidos pelos grupos étnicos em conflito e por mercenários liberianos, sul-africanos, israelitas, checos, bielorussos, búlgaros e ucranianos. Portanto, mercenários e o grupo étnico dos betés sustentam o presidente da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo. No meio de tudo isso, circulam tropas enviadas pelo presidente Jacques Chirac, hoje inimigo de Gbagbo, para proteção de uma comunidade francesa estimada em 17 mil pessoas. Revoltas, atentados, massacres e luta pelo poder caracterizam a Costa do Marfim dos nossos dias e representam um bom nicho comercial para as PMC. Em 1960, recorde-se, este país da África Ocidental livrou-se da colonização francesa tendo Félix Houphouët-Boigny assumido a presidência. No papel de “pai da pátria”, tornou-se num ditador e corrupto e exerceu o poder até à sua morte em 1993.A partir de 1993, o racismo, a xenofobia e os genocídios ganharam espaço na vida da Costa do Marfim, a ponto de Jacques Chirac ameaçar apresentar queixa no Tribunal Penal Internacional. Escusado será dizer que o país transformou-se num território regado a sangue e nele a protecção dada pelos grupos armados consegue preservar as vastas áreas de cultivos de cacau, café, algodão, sisal, óleo de palma, abacaxi, tabaco, etc.
Ideologia barata
O falecido Houphouët-Boigny, aquando da independência da França, abriu as fronteiras da nova República da Costa do Marfim aos povos vizinhos. O objectivo foi atrair mão-de-obra barata, com o aproveitamento da situação de desemprego na Libéria, Gana, Mali e Burkina Fasso. Hoje, o país conta com uma população à beira dos 11 milhões de habitantes, em que mais de 25% são originários de diferentes países africanos. Henry Konan Bédié, da etnia baoulé, sucedeu Houphouët-Boigny, manteve o governo nas mãos do Partido Democratico da Costa do Marfim. À semelhança de Slobodan Milosevic na ex-Jugoslávia, Bédié desfraldou a bandeira da ideologia nacionalista e partiu para a chamada “depuração étnica”. Apenas os nacionais “puros” podem possuir as terras e exercitar o direito de voto.Como cercou-se de corruptos que desviavam recursos internacionais, o governo de Bédié caiu internacionalmente em desgraça. E os grupos estrangeiros ligados à exploração do cacau apoiaram financeiramente os rebeldes do Movimento Patrótico da Costa do Marfim (MPCI), chefiados pelo general Robert Guei, que tomou o poder na noite de Natal do ano de 1999.O golpe militar durou pouco e, à força, em Outubro de 2002, o actual presidente Laurent Gbagbo, retomou o poder. No ano passado, o general Guei foi assassinado e suspeita-se que a guarda particular de Gbagbo, treinada por uma das PMC espalhadas pelo planeta, tenha sido a responsável pelo crime.Um dos líderes da resistência na Costa do Marfim é Alessane Dramane Ouattara, que chegou ao cargo de diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI). Antes disso, ocupou as funções de primeiro-ministro no governo de Houphouët-Boigny. Como os pais de Ouattara nasceram no Burkina Fasso, as leis discriminativas – fundadas na tal “pureza étnica” imposta por Bédié – com chancela Gbagbo, impedem que ele concorra à Presidência. Ouattara é da etnia dioula e muçulmano. O presidente Gbagbo, que esteve preso quando Ouattara era primeiro-ministro e teve de se exilar em Paris entre 1982 a 1988, é da etnia beté. É ligado aos evangélicos e aos Pentecostes.
O neo-colonialismo fica-vos tão mal
Os soldados franceses enviados por Chirac permanecem na Costa do Marfim. Sofrem frequentes ataques, pois o presidente Gbagbo nutre ódio pelos antigos colonizadores e deseja expulsar as empresas e os residentes franceses. Depois de o presidente Chirac ter ameaçado representar contra Gbagbo no TPI por genocídios, crimes contra a humanidade e manutenção de esquadrões da morte dirigidos por mercenários, veio o troco. Gbagbo propôs aliança aos norte-americanos.Como facilmente se percebe, este cenário é o ideal para as PMC, pois há conflitos, escaramuças, paramilitares, esquadrões da morte, mercenários, grupos étnicos e bandos armados em profusão.Nesse ambiente, não faltam armas leves e pesadas, combustíveis, telefones celular GSM e satélites do tipo Thuraya. Tudo proveniente de Burkina Fasso e, segundo fontes de inteligência, do Egipto e, surpreendentemente, da Líbia, sob embargo de compra de armas imposto pela ONU. As drogas são empregadas como moeda para a troca e a compra. Uma parte da droga fica na Costa do Marfim para cobrir as despesas de transporte, pois essas provêm de narco-estados fronteiriços, como Guiné Equatorial e Libéria. Em resumo, um grande caos no qual não falta a moda das Private Military Companies e uma pergunta: E agora, Chirac? - António Aly Silva